Rui Paz
Duas grandes manifestações em Berlim e Estugarda realizadas no último fim-de-semana marcaram uma nova vaga de contestação popular contra politica anti-social do Governo da chanceler Angela Merkel. Num país em que 10% da população detém 60% da totalidade da riqueza, é cada vez mais difícil convencer os trabalhadores de que os capitalistas, banqueiros e especuladores possam ser considerados «parceiros sociais», princípio em que teoricamente assenta a ideologia do Estado alemão. Num documento dirigido à imprensa, o Partido Comunista Alemão (DKP) pergunta «porque é que não são os 800 000 milionários e multimilionários existentes na Alemanha a contribuir para a superação da crise, em vez de se penalizarem os desempregados, reformados, a juventude e as classes médias?».
A demissão, há duas semanas, do Presidente Horst Köhler é apenas o episódio mais recente e visível da grave crise política, económica e social, cujo início remonta ao tempo da chamada «reunificação» e que foi acelerada pela orientação anti-social e belicista do Governo do social-democrata Schröder e dos Verdes de Fischer. De facto, ainda na fase de formação do novo executivo de Merkel com os Liberais, após a derrota da grande coligação com o SPD, o ex-ministro da Defesa Jung teve de demitir-se por esconder dados importantes sobre o maior massacre cometido pelo exército alemão desde 1945. Mas as declarações do seu sucessor Guttenbeg, de que o assassínio pela aviação da NATO sob o comando do coronel alemão Klein em que morreram 140 pessoas na sua maioria mulheres e crianças tinha sido «um acto militarmente adequado» levantou uma onda de protestos e indignação. Passados poucos dias o ministro teve de corrigir tal afirmação e demitir o inspector-geral da Bundeswehr para evitar a sua própria demissão. Seguiu-se a crise do euro e o ataque dos especuladores às finanças estatais gregas em que o Governo alemão sob o pretexto de ajudar a Grécia demonstrou estar mais preocupado em garantir o crédito do Deutsche Bank e de outros bancos alemães a Atenas. Em Março a Democracia-cristã sofreu uma estrondosa derrota eleitoral (menos 10 pontos percentuais) no Estado federado de maior população, a Renânia-do-Norte e Vestefália, o que veio confirmar o isolamento do Governo. Nunca na história da República Federal da Alemanha se tinha verificado uma tão rápida perda de credibilidade de um governo.
Finalmente a fuga para a verdade da língua do Presidente irritou a Social-democracia e os Verdes que desde agressão contra a Jugoslavia têm vindo a proclamar que a Bundeswehr é uma espécie de serviço social para o estrangeiro. Também a Democracia-cristã para a qual o exército alemão, além do «combate ao terrorismo», tem a sublime missão de educar nos princípios da «democracia» os povos culturalmente inferiores e incapazes de se governar não apreciou tanta abertura analítica.
Mas ninguém desde os tempos da doutrina do espaço vital com que a Alemanha justificou o desencadeamento da segunda guerra mundial imaginava passados 65 anos ouvir um o Presidente da República em Berlim dizer claramente que os interesses económicos e comercias da Alemanha são o principal motivo das missões militares e das guerras no estrangeiro, confirmando a análise de Lénine sobre o carácter das guerras imperialistas e desmascarando os que têm andado há anos a enganar os povos e a desenvolver novos conceitos estratégicos da NATO e das potências capitalistas transatlânticas.
http://www.avante.pt/noticia.asp?id=34006&area=24
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