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02/04/2009

Governo apoiou lei que fomenta fuga ao fisco dos bancos

O Governo socialista fez aprovar, em 2006, alterações à lei que permitem aos grupos financeiros a isenção total dos rendimentos das suas filiais, refere um relatório de auditoria da Inspecção-Geral de Finanças (IGF). O Ministério das Finanças não quis comentar ao PÚBLICO esta análise.

Em causa está a opção escolhida na adaptação para a lei portuguesa da directiva comunitária para evitar a dupla tributação de rendimentos (90/435/CEE). Ao contrário de noutros países - como é citado pela IGF o caso espanhol - a IGF considera que "o legislador português optou pela solução que, sendo a mais simples do ponto de vista administrativo, propicia o desenvolvimento de mecanismos de planeamento fiscal" abusivo e é "a mais penalizadora para os interesses do Estado".

O relatório sobre o impacto da tributação em IRC no sector bancário foi entregue em Outubro de 2008 e propôs a mudança da lei, dentro da margem que a directiva permite, o que até agora não foi feito pelo Governo.

A directiva pretende evitar que os rendimentos num grupo económico sejam tributados duas vezes. Sempre que uma sociedade-mãe recebe lucros de uma sua filiada, o Estado no qual opera essa sociedade-mãe pode não tributá-los caso tenham sido tributados no Estado da filial ou, tributando-os, permite a dedução do imposto pago pela filiada.

Mas até 2004, em Portugal, o que se verificou foi que esses rendimentos não foram tributados em nenhum dos Estados. "Era prática comum a várias instituições bancárias deterem Sociedades Gestoras de Participações Sociais", ou seja, as sociedades de topo dos grupos, "sediadas na zona franca da Madeira, que, por sua vez, detinham participações em sociedades sediadas em países com regimes de tributação privilegiados", isto é, paraísos fiscais.

Como se explica no relatório, a lei obrigava os bancos a imputar rendimentos às filiais que, por sua vez, os transferiam para as SGPS. Só que esses rendimentos não pagavam imposto no primeiro caso (porque se tratava de paraísos fiscais) e, no segundo, acabavam por ser deduzidos na totalidade à matéria tributável das SGPS, pela aplicação da lei sobre a dupla tributação. E isso "apesar de não terem sido objecto de qualquer tributação efectiva a montante".

"Esta dedução integral de rendimentos não tributados a montante foi possível de ser efectuada na íntegra até 2004, em virtude da interpretação da Direcção-Geral de Impostos explanada na circular 4/91 de 30 de Janeiro (...) o que originou a dedução integral ao nível dos bancos, dos rendimentos distribuídos pelas respectivas SGPS da offshore da Madeira, (...) obtidos na totalidade ou maioritariamente em paraísos fiscais".

Aperto em 2005...

Esse regime foi, contudo, alterado em 2004. A par de alterações que, segundo a oposição parlamentar, favoreceram a banca, o Orçamento do Estado para 2005 - já do Governo social-democrata de Pedro Santana Lopes - impôs limites à dupla tributação.

Foi aditada uma norma ao Código do IRC estipulando que a subtracção desses rendimentos não se aplicava a "lucros distribuídos que não tenham sido sujeitos a tributação". Ou seja, os rendimentos não tributados na filial teriam de o ser na casa-mãe.

... e facilidades em 2007

Mas esse limite durou pouco tempo. Como recorda o relatório da IGF, o Governo de José Sócrates revogou aquela limitação na lei do Orçamento para 2007. Uma medida surgida ao arrepio do discurso político do Governo no início do seu mandato. Recorde-se, o Governo envolveu-se numa polémica discussão pública com os dirigentes da Associação Portuguesa de Bancos quando fez fortes críticas à tributação sobre a banca, por ser injusta.

Ora, a partir de 2007, passou a ser permitida a isenção total de tributação sobre os rendimentos não tributados na origem que fossem transferidos para as SGPS. Isto é, beneficiando sobretudo os grupos financeiros. Os restantes rendimentos ou dividendos seriam tributados a 50 por cento.

O relatório da IGF frisa que essa isenção é concedida igualmente "quando tenha havido uma qualquer tributação ainda que residual". É o que se passa, lembra a IGF, quando "a entidade sediada na zona franca da Madeira for uma SGPS com início de actividade em 2003, cuja tributação é efectuada à taxa de um por cento".

Estes mecanismos fiscais permitem, segundo o relatório, "algumas práticas de planeamento fiscal a montante", tal como foi aliás verificado pela IGF. Num dos casos, foram concedidos suprimentos não remunerados (empréstimos de capital) pela empresa-mãe à filiada, em que os rendimentos reembolsados à casa-mãe assumiram a forma de dividendos. Se fosse sob a forma de juros, seriam tributados. Noutro caso, entre bancos do mesmo grupo com actividade noutro Estado da União Europeia (Irlanda), verificou-se a concessão de empréstimos a baixo custo. Os resultados conseguidos foram distribuídos sem ser tributados.

"Entrou-se num círculo vicioso", conclui a IGF, "em que se vão sucedendo medidas legislativas para resolver esta forma de planeamento fiscal, mas em que parece deixar-se a porta aberta a novas formas que, em qualquer dos casos (mesmo sem planeamento fiscal), permite sempre, ainda que parcialmente, subtrair da tributação rendimentos que nunca foram tributados na origem".

Esta realidade poderia ser resolvida com a solução adoptada em Espanha, conclui a IGF. Lá, os rendimentos recebidos das filiais dos bancos no estrangeiro são tributados. Para a IGF, esta seria uma solução que se "adaptaria com facilidade ao caso português", desde que se aplicasse às entidades instaladas na zona franca da Madeira, com ou sem tributação reduzida.

Apesar de terem já passado seis meses sobre a entrega do relatório, as Finanças ainda não se pronunciaram sobre a recomendação.

Menos pessoas, mais caducidades

A IGF elogia a inspecção tributária pelo seu "trabalho exaustivo e meticuloso, com elevado conhecimento técnico". Em 80 por cento das inspecções houve correcções. Entre 2005 e 2007, totalizaram 1153 milhões de euros na matéria colectável e 312 milhões em imposto, embora se desconheça quando será cobrado devido aos recursos interpostos.

A IGF sublinhou a diminuição do número de técnicos do fisco em contraste com o facto de os "bancos disporem de staffs altamente especializados", o que se tem traduzido em "algumas derrapagens" nos prazos de controlo até ao limite da caducidade da cobrança.
Público.pt - 02.04.09

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