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02/04/2009

França marcada pela inquietação social

A segunda grande manifestação que ocorreu na França, dia 19 de março, vem despertando a atenção e reflexões sobre a atual configuração política e social deste país neste período de crise. A amplitude dos protestos e o apoio entre os franceses - 78% mostravam-se favoráveis ao chamado das organizações que culminou nas ações, que reuniu 3 milhões de pessoas, de acordo com os sindicatos organizadores – despertam interesses. Pesquisa do Instituto de Estudos de Mercado e Opiniões (BVA), publicada uma semana após os protestos, aponta que 59% dos franceses esperam que os sindicatos continuem com as mobilizações. Outro elementos desse cenário é que, contando com um número maior de participantes do que a mobilização que ocorreu no final de janeiro, a manifestação se estendeu também por várias regiões do território francês, totalizando 219 atividades, particularmente nas cidades mais importantes.

Essa amplitude é resultado da capacidade organizativa das 8 centrais sindicais que atuam no país: CFDT, CFE-CGT, CFTC, CGT, FSU, FO, Solidaires e UNSA. Mas, apesar destes avanços, as centrais ainda encontram dificuldades para determinarem a continuidade das mobilizações. Após os protestos, representantes sindicais se reuniram para definir um calendário comum de luta, mas não chegaram a um consenso. Mas outra reunião foi marcada para acertar jornada unitária para o dia 1 de maio, que é um marco histórico no sindicalismo francês mas que há décadas tem desenvolvido apenas atividades individuais. O mês de abril também foi indicado como período de manifestações.

Crise no mundo do trabalho

Uma das inquietações que se manifesta na França - assim como em outros países da Europa - é a enorme disparidade entre os planos que os governos vem implementando para salvar o sistema financeiro e as grandes indústrias, e a ausência ou insuficiência de políticas que contenham o impacto da crise para os trabalhadores. O governo francês anunciou um pacote de 300 bilhões de euros contra 26 bilhões para as políticas sociais.

Na França, a crise se revela no aumento do número de desempregados. Em janeiro, 90 mil pessoas perderam o emprego. Em fevereiro foram mais 79.900, totalizando 2.384.800 pessoas sem trabalho no país, segundo o Pôle Emploi. A alta do desemprego é contínua a dez meses. De acordo com a União Nacional Interprofissional para o Emprego na Indústria e Comércio (UNEDIC), este ano o número de demissões pode chegar a 450 mil. Desde setembro de 2008, mais de 25 empresas anunciaram demissões mínimas de 500 funcionários. Os patrões também passam a adotar as dispensas temporárias (chômage partiel).

Manifestações crescentes

O desemprego tem sido a base para as manifestações no país. Alguns casos tem se tornado simbólicos. Um deles é o dos trabalhadores da empresa Renault. A gigante francesa do setor automotivo anunciou cortes de 4.900 funcionários. Na unidade de Sandouville, em outubro do ano passado, um encontro entre o presidente Nicolas Sarkozy e um dos diretores da empresa, Carlos Chosn, foi marcado pela invasão na empresa por mais de 300 policiais para impedir que grevistas tivessem acesso ao local da reunião.

A empresa Continental se configurou com um dos símbolos maiores da última manifestação. Em 2007, os empregados da empresa alemã aceitaram aumentar sua jornada de trabalho semanal para 40 horas, como uma forma de manterem os empregos. Em março deste ano, o diretor Louis Forzy anuncia que “nenhuma decisão havia sido adotada” e declara o fechamento da unidade da empresa. O sentimento de traição foi evidente e os 1.120 funcionários que serão despedidos iniciaram uma grande manifestação, ocupando a empresa, que contou com forte solidariedade da sociedade. Um encontro com um dos diretores da empresa foi interrompido ao discutirem o 15° ponto de uma pauta de 50. Um grupo de manifestantes atiraram ovos e garrafas contra o diretor.

Em uma filial da empresa Sony instalada em Landes, os trabalhadores foram ainda mais ousados. Com uma barricada com árvores, mas de 300 empregados impediram que Serge Foucher, o diretor da Sony, pudesse sair da empresa, depois de confirmado o fechamento da unidade para o mês de abril. O diretor dormiu na sala de reuniões e no dia seguinte o prefeito da região se dirigiu à empresa para negociar com os empregados.

Segundo dados fornecidos pelo Le Monde, somente entre as empresas que farão demissões superiores a 500 empregados, os números nos fazem prever um agravamento da situação. No setor eletrônico, a Hewlett-Packard anunciou 580 e a STMicroelectronics mais 500. Com uma previsão de redução de 30% de sua produção, a PSA Peugeot Citroën anunciou desemprego temporário em todas suas unidades de Europa (medidas adotadas também pela Renault) e a demissão, na França, de 3.550 funcionários. No setor farmacêutico serão mais de 3.424 os postos reduzidos, 1.235 no setor de minas e energia, 1.400 na siderurgia e 3.492 no comércio.

Convergência de forças

Há mais de 8 semanas, os pesquisadores e professores da principais universidade do país, apoiados por uma parte dos estudantes, estão em greve. Na semana passada, as manifestações reuniram mais de 15 mil pessoas contra a reforma proposta pelo ministro da educação Xavier Darcos. Conhecida como Reforma Darcos, ela propõe a redução de postos nas universidades que será da ordem de 1030 para este ano. Os professores pesquisadores teriam que cumprir uma carga horária de 192 horas de ensino por ano mas, com a redução do número de professores, eles tem feito no mínimo 230 horas, o que compromete a pesquisa. O sistema de formação de professores, que atualmente passa por um ano de curso de master, divididos entre estágios e formação, seria suprimido, tendo como consequência o início de atividades de professores que não teriam feito um estágio mínimo de formação.

A reforma fiscal imposta por Sarkozy tem gerado críticas mesmo entre os setores do seu partido. Estipulando um teto para o montante dos impostos pagos, esta medida acabou privilegiando principalmente aqueles que tem rendimentos mais altos. Em 2008, 834 contribuintes receberam um montante de 368 mil euros, o que corresponde a 30 anos de salário mínimo na França. No plano fiscal, Sarkozy também implementou um sistema de redução de impostos sobre as horas extras, o que tem, segundo os sindicatos, contribuído para a redução da criação de novos postos de trabalho.

As novas lutas marcadas para o 1 Maio são mais um passo na articulação entre os sindicatos e setores da sociedade, que se mostram cada vez mais preocupados com a cris e suas consequencias. Este Dia do Trabalho - com a presença de todas as centrais sindicais, depois de mais de 50 anos de atividades autônomas - pode contribuir para que os protestos ganhem ainda mais fôlego e assim, ter força suficiente para intervir e exigir transformação.
Brasil de Fato - 02.04.09

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