À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.

19/11/2009

Um país de sucesso

Anabela Fino

Os leitores estarão lembrados dos discursos pungentes com que há cerca de um ano, mais coisa menos coisa, os mais altos responsáveis do País instaram os portugueses a cerrar fileiras para combater a «crise», garantindo que a hora era grave, gravíssima, as perspectivas negras como breu, que todos não seríamos demais para salvar Portugal – onde é que a gente já ouviu isto? –, que empresários e trabalhadores tinham de dar as mãos e, sobretudo, que todos, mas todos tínhamos de fazer sacrifícios para não sermos levados no vórtice do descalabro que teve o epicentro nos EUA e se propagou pelo mundo qual tsunami apocalíptico.
A dramatização foi bastante convincente. É um facto que as senhoras e senhores da grande burguesia não vieram para a praça pública despojar-se dos privados bens para salvar a Pátria, mas há que reconhecer, por outro lado, que não houve levantamentos populares quando o Governo anunciou a canalização de milhões do erário público – o dinheiro dos nossos impostos, é bom não esquecer – para a «salvação» da banca e das empresas privadas.
Passados os dias de maior sufoco, segundo rezam os prognósticos, eis que começam a vir a público os resultados do hercúleo esforço nacional para escapar ao buraco: nos primeiros nove meses do ano, os cinco maiores bancos a operar em Portugal registaram lucros na ordem dos 5,1 milhões de euros por dia, arrecadando 1403 milhões de euros de ganhos, ou seja uma subida de 4,2% em relação ao tal ano da «crise»; os lucros das mil melhores Pequenas e Médias Empresas (PME's) cresceram 40,3 por cento no mesmíssimo ano de «crise» (segundo um estudo feito em exclusivo para a “Exame” pela Informa D&B e pela Deloitte); as grandes empresas não se ficaram atrás e vão anunciando lucros de muitos zeros. A única nota discordante é a taxa de desemprego, que no terceiro trimestre já ia nos 9,8 por cento, segundo os dados oficiais, ou seja, em termos reais, bem acima dos 10 por cento. Contingências da vida, claro. Afinal, todos temos de nos sacrificar para Portugal ser um país de sucesso.
Avante - 19.11.09

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