O recém-criado Rendimento Solidário Activo (RSA) está no centro de um debate quente em França, um país que, segundo um inquérito europeu recente, vive o pânico da pobreza.
“A pobreza está a ser cada vez mais estigmatizada em França”, afirmou à Agência Lusa o delegado nacional da ATD Quart Monde, uma organização francesa de militância social que, em 1987, iniciou a jornada contra a pobreza que se assinala sábado em vários países, incluindo Portugal.
Para Bruno Tardieu, os números oficiais sobre a pobreza são insuficientes e “não passam de um exercício de comunicação”, referindo-se à apresentação em Conselho de Ministros, terça-feira passada, do “livro de bordo de acompanhamento da pobreza”.
Em pano de fundo está, do lado do Governo, o sucesso de medidas de reforma como o RSA, generalizado a toda a França metropolitana a 01 de Junho de 2009.
Em Julho, 1,3 de um universo potencial de 1,7 milhões de lares franceses recebia o primeiro RSA, um complemento mensal de rendimento para quem está empregado.
Já para os críticos do modelo, como Bruno Tardieu, o RSA “intervém numa franja próxima do limiar da pobreza (880 euros) mas esquece os que não têm quase nada”.
Às projecções optimistas e ao balanço do RSA, Bruno Tardieu contrapõe “uma avaliação da pobreza que não é apenas monetária”: França tem entre 4,2 milhões e oito milhões de pobres, consoante se adoptar o critério das pessoas que vivem com menos de 50 por cento do rendimento médio (700 euros) ou com menos de 60 por cento desse valor (880 euros).
A taxa de pobreza oscila entre 7,2 e 13,4 por cento, o que significa um aumento anual de 200 mil ou de 600 mil pessoas abaixo do limiar estatístico da pobreza.
Bruno Tardieu refere que as projecções oficiais “não levam em conta o número de pessoas que em França vivem com menos de 450 euros mensais”.
“Muitos franceses não atingem sequer a fasquia dos 40 por cento do rendimento médio”, sublinha.
Mas o dirigente da ATD Quart Monde adianta outros números: há 300 mil crianças “errantes” em França; há um milhão de pessoas sem casa; e 130 mil crianças “saem da escola primária anualmente sem conhecimentos”. Segundo o mais recente relatório sobre insucesso escolar, a percentagem de estudantes que saem do ensino primário sem conhecimentos aumentou de 11 para 15 por cento desde 2007.
O “caderno de bordo”, com cerca de quarenta indicadores, devia concretizar o compromisso assumido em 2007 pelo Presidente da República, Nicolas Sarkozy: reduzir a pobreza para um terço em cinco anos.
“França viveu os ’30 Gloriosos’, como se diz aqui para as décadas de 1960 a 1980”, resumiu o sociólogo Aníbal Almeida, ouvido pela Lusa em Paris.
Aníbal Almeida, provedor da Santa Casa da Misericórdia em França, acrescentou que “o aumento da pobreza foi maior nos últimos cinco anos e agudizou-se com a actual crise”.
“Isso é verdade a nível geral e ao nível da comunidade portuguesa. As duas vão a par”, diz.
Um inquérito de Agosto de 2009 da empresa Ipsos indica que a crise acentuou o medo da pobreza em França. Dos quatro países abrangidos pelo inquérito (França, Reino Unido, Espanha e Polónia), é em França que o pânico de ficar pobre é maior. Por outro lado, 85 por cento dos franceses inquiridos pensam que o risco de pobreza é mais elevado para os seus filhos do que para a sua própria geração.
Público.pt - 16.10.09
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