À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.

15/10/2009

As alterações climáticas e a UE

João Ferreira

As alterações climáticas adquiriram uma inegável centralidade no discurso político dominante.
Na União Europeia, comissão, conselho e parlamento europeu coincidem na importância atribuída ao tema. No parlamento, as alterações climáticas ganharam um relevo significativo, que justificou, por exemplo, a criação de uma comissão especializada temporária. Neste momento, discute-se uma resolução sobre a posição da UE na conferência de Copenhaga, que terá lugar em Dezembro, e onde se pretende atingir um novo acordo internacional que substitua o protocolo de Quioto a partir de 2012, quando terminar a sua vigência.
A UE proclama a intenção de reduzir a emissão de gases com efeito de estufa, comprometendo-se desde já com uma redução unilateral de 20% nas suas emissões até 2020, dispondo-se a subir a parada para os 30% se os restantes países industrializados assumirem idêntico compromisso. Ao mesmo tempo, comissão e conselho afirmam enfaticamente a intenção de transição para uma economia «eco-eficiente», uma «economia verde», promessa de um futuro próspero e ambientalmente «sustentável».

Um resquício de «racionalidade»

Durante décadas, o capitalismo esforçou-se por ocultar as consequências para o ambiente de um modo de organização económica e social que se funda na exploração praticamente irrestrita da Natureza e dos seus recursos. Procurou atrasar, nas massas, a percepção dos problemas ambientais, a tomada de consciência da incompatibilidade entre este sistema e a conservação dos equilíbrios naturais do nosso planeta; da estreita ligação entre o carácter predatório do capitalismo e a degradação ambiental.
A que se deve então este súbito interesse pela problemática ambiental e, de modo tão particular, pelas alterações climáticas? Estaremos perante algum resquício de «racionalidade» do sistema, confrontado que está com a dimensão dos estragos que vem provocando? Perante a percepção dos limites físicos impostos ao crescimento capitalista por uma Terra que é abundante em recursos mas finita? Perante os factos, será razoável pensarmos que não. A questão será, na realidade, bem diversa…

Capital e ambiente

Para além da, em geral, bem engendrada propaganda, que procura aproveitar justas e fundadas preocupações dos cidadãos (e com frequência manipulá-las), as soluções avançadas são, em si mesmas, elucidativas quanto aos reais intentos e consequências da abordagem capitalista à problemática ambiental. A abordagem às alterações climáticas é paradigmática. Porque truncada de aspectos essenciais, lacunar e enviesada pelos «instrumentos de mercado».
A braços com a erupção de uma monumental crise económica e social há muito latente, cujas causas fundas mergulham nas contradições intrínsecas do sistema, o capitalismo ensaia como resposta uma fuga para a frente, procurando forçar um novo ciclo de acumulação à custa de uma intensificação da sua natureza predatória, opressora e exploradora – do homem, como da Natureza.
A criação de um mercado de emissões de carbono e os esforços da UE, a que se somam os de instituições como o Banco Mundial para o incrementar e alargar, traduzem uma resposta em linha com a encontrada nos últimos anos para contrariar, por todos os meios, a baixa tendencial da taxa de lucro – ou seja, em linha com a financeirização da economia. Um passo mais na direcção da criação de capital fictício. Seja através dos «produtos» financeiros edificados sobre dívidas, seja a partir da própria atmosfera. Do ar! Literalmente...
Ao mesmo tempo, a criação deste mercado configura uma forma mais de apropriação privada da Natureza e dos seus recursos, dos serviços que esta naturalmente nos presta. A somar à água, ao solo fértil e a outros, agora também a capacidade da Terra reciclar o carbono e, por essa via, regular o clima (1).
As questões ambientais constituem hoje uma importantíssima área de confronto e de luta ideológica. Aqui se concentra uma parte considerável dos esforços de reabilitação de um capitalismo desacreditado aos olhos de cada vez mais amplas camadas da população. Os problemas ambientais com que a humanidade hoje se confronta são múltiplos e diversificados. São também graves, ao ponto de ameaçarem mesmo a existência de vida sobre a Terra tal como a conhecemos. Mas dificilmente encontrarão solução no quadro do sistema que os gerou. Antes exigem uma superação revolucionária desse sistema, que garanta um desenvolvimento justo, equitativo e compatível com a manutenção dos equilíbrios naturais que regulam o nosso planeta.

(1) Ver, a este respeito, o artigo de Rui Namorado Rosa “Alterações climáticas: Mitos e realidades e acção política” na revista “Portugal e a UE” de Outubro de 2009.
Avante - 15.10.09

Sem comentários:

Related Posts with Thumbnails