Juanco sobe, como todos os dias, à carrinha, preparado para percorrer Madrid em busca de ferro-velho, sabendo que, mais do que nunca, também nisto se nota a crise em Espanha.
“Chatarrero, chatarrero. Recolhemos electrodomésticos, ferro, tudo”, vai gritando pelo megafone em ruas onde outrora, especialmente nos últimos anos, se encontrava sempre um móvel, uma televisão velha, um resto de uma limpeza de garagem.
Cheia a meio do dia, há apenas dois anos, a carrinha volta agora a casa, meio vazia, depois de longas horas pelas zonas mais ricas e afluentes de Madrid. “Nem ferro velho há”, lamenta Juanco.
“Isto da crise está mesmo mal. As pessoas não compram novo e não deitam fora o velho”, explica quem anda com a mulher ou com um irmão na recolha do ferro-velho.
Como muitos companheiros de profissão, Juanco vive na Cañada Real, uma das zonas de maior concentração de pobreza nos arredores de Madrid, zona de barracas, "chabolas" e habitação precária, que servem de casa a imigrantes legais e ilegais, a ciganos e espanhóis mais carenciados.
Cañada Real é um dos rostos da pobreza em Espanha mas, claramente, não o único nem o mais recente.
Os mais recentes encontram-se, por exemplo, nas vinhas da zona de La Rioja ou nos campos agrícolas de Múrcia, outrora procurados por imigrantes ilegais, mão-de-obra intensa e barata sem outro recurso que não as colheitas.
Muitos do mais de um milhão de espanhóis que perderam os postos de trabalho no último ano voltaram às terras, tirando o lugar aos imigrantes ilegais, que acabam em acampamentos improvisados, em bosques e matas, nas margens das grandes quintas.
Organizações de apoio social, como a Cáritas, estimam que, a aplicar-se o critério europeu para definir a pobreza - viver com menos de metade do rendimento médio nacional disponível -, haja em Espanha quase 2,2 milhões de famílias nessa condição, ou seja, mais de oito milhões de pessoas.
Uma situação que se agrava progressivamente, numa altura em que o desemprego já ultrapassou os 18 por cento e pode continuar a crescer até finais de 2010.
Em meados de 2009, quase 6,5 por cento das famílias espanholas tinham todos os seus membros no desemprego e 470 mil famílias não recebiam rendimento de qualquer espécie.
As contas das organizações de solidariedade referem que entre 560 e 675 mil famílias vivem em pobreza extrema, com graves carências de emprego, habitação, educação e saúde.
A própria Comissão Europeia advertiu Espanha, em Março, de que era necessário fazer mais para combater a pobreza no país, que atinge 20 por cento da população - o segundo valor mais alto do espaço europeu.
O índice dos pobres não baixou apesar da bonança económica e Espanha continua a ter um valor de trabalhadores pobres acima da média (11 contra 8 por cento).
E estes dados reportam a 2007, ou seja, antes da crise, quando Espanha registava um excedente nas contas públicas e um crescimentos de mais de três por cento do PIB por ano.
Organizações como a Cáritas queixam-se de falta de apoio, ou de excessiva morosidade, por parte de autarquias e outras entidades oficiais, chegando as ajudas a demorarem três meses a ser concedidas.
Os recursos para apoiar os mais pobres não aumentaram de 2007 para 2008 e as organizações apontam o dedo à debilidade do Sistema de Garantias de Rendimentos Mínimos, que apenas tem um valor médio de 208 euros por mês.
Pouco num país onde a disparidade social é evidente e onde os pobres são cada vez mais.
Público.pt - 16.10.09
À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.
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