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08/05/2009

A pobreza em Portugal

Foi recentemente publicado um estudo denominado «Novos factos sobre a pobreza em Portugal,» da autoria do economista Nuno Alves, do Departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal, o qual teve o cuidado de esclarecer que as opiniões expressas neste estudo são da sua inteira responsabilidade e não coincidem, necessariamente, com as do Banco de Portugal. Obviamente!

De facto, o Dr. Vítor Constâncio, em concordância com o Compromisso Portugal, com o Dr. Silva Lopes, com o Dr. Fernando Ulrich, com o Dr. Vítor Bento e outros similares, sempre se pautou pela redução do salário real dos trabalhadores, pelo que, coerentemente, não poderia fazer suas as palavras de quem confirmou, mais uma vez, haver em Portugal, cerca de 2 milhões de pobres, dos quais cerca de 300 000 são crianças, 596 000 são reformados e cerca de 586 000 são trabalhadores por conta de outrem, valores calculados na base das respectivas despesas familiares.
O estudo, baseado em inquéritos realizados pelo INE em 2005/6, confirma que a pobreza é uma realidade persistente e transversal a todo o território nacional, atingindo, sobretudo, aqueles que, trabalhando, ganham salários de miséria e aqueles que, tendo no passado trabalhado, usufruem, hoje em dia, pensões miseráveis. Acrescentemos a estes dois grupos sociais as crianças e os desempregados e estaremos a falar de 81% dos pobres, isto num país que tem as mais elevadas assimetrias nos rendimentos dos 20% da população mais rica, comparativamente aos 20% da população mais pobre.
Daqui resulta que a pobreza não tem aquela conexão que se pretende dar, associando-a à chamada exclusão social. A pobreza em Portugal é, na sua maior expressão, a pobreza dos baixos salários, das baixas reformas, do desemprego, das reduzidas prestações sociais, a que junta parte significativa de famílias numerosas, de famílias monoparentais e de agregados familiares constituídos por apenas um elemento.
A gravosidade da situação, como o PCP tem vindo a insistir, tende a acentuar-se em função:
– do aumento do desemprego, da redução laboral enquadrada formalmente no lay-off, da precariedade e do agravamento das condições de trabalho;
– da tentativa por parte do patronato, coadjuvado pelas habituais «vozes do dono», de impor, quer uma redução da sua comparticipação para a segurança social quer a transferência de uma parte das reservas financeiras da segurança social para financiar a crise do sistema, quando tais reservas são propriedade dos trabalhadores, destinadas a colmatar eventuais dificuldades no pagamento das pensões de velhice, invalidez e sobrevivência.

A pobreza em termos regionais

De acordo com o estudo em apreço, o Diário de Notícias de 16 de Abril salientava que as regiões mais pobres são, na base da respectiva população residente, a Madeira, com 29,8%, os Açores, com 26,4% e o Alentejo, com 26%.
Seguem-se a Região Centro, com 23,2%, a Região Norte, com 18,5% e o Algarve, com 15,5%.
A Região de Lisboa, com 11%, é aquela onde a incidência da pobreza, relativamente, à população residente, é a mais baixa do País.
Estes dados são, passados cinco anos, relativamente diferentes das conclusões encontradas por uma equipa de especialistas ligada ao ISCTE, coordenada por Luís Capucha, que, com base nos rendimentos familiares de 2000, concluiu que as 3 regiões com maior número de pobres, em termos percentuais, eram, na altura, os Açores, com 35%, a Madeira, com 33% e o Algarve, com 23,5%.
Imediatamente a seguir estavam o Alentejo, com 22%, a Região Centro com 18,5%, a Região Norte, com 18% e Lisboa, com 12,5%.
Neste espaço temporal de 5 anos há, pois, alterações, embora se confirme que as regiões autónomas continuam a ser as regiões com maior volume percentual de pobreza, de que se destaca Madeira com cerca de 73 000 pobres, cujo presidente desvaloriza os cálculos do Dr. Nuno Alves, classificando-o de comunista, a fazer lembrar a técnica inquisitorial típica dos próceres do regime fascista, a que o Dr. Alberto João Jardim esteve ligado.
Há, também, oscilações no nível de pobreza nas Regiões Norte (mais 0,5 pontos percentuais) e em Lisboa (menos 1,5 pontos percentuais).
As grandes alterações, tendo em conta o já referido estudo de investigadores ligados ao ISCTE, baseado em dados relativos a 2000 e o recente estudo baseado em dados relativos a 2005/6 têm a ver com a descida da dimensão da pobreza verificada no Algarve e, em contrapartida, as pronunciadas subidas na Região Centro e no Alentejo.
Embora nada tenhamos a dizer sobre os recentes cálculos relativos à dimensão e localização da pobreza em Portugal, bem como às oscilações verificadas nos últimos cinco anos, julgamos, no entanto, oportuno fazer uma reflexão sobre as variáveis que condicionam a pobreza na perspectiva do rendimento, ou seja, os salários dos trabalhadores por conta de outrem do sector privado da economia e as reformas, sem esquecer outras variáveis como sejam, os salários dos trabalhadores por conta própria, os rendimentos não monetários e outros rendimentos não enquadráveis nos atrás referidos, bem como o índice de poder de compra.

Situação do Algarve

Embora as contradições geradas pelo capitalismo, nas suas componentes determinantes, sejam comuns a todos os países e povos, há, quer pelo contexto do modelo de desenvolvimento quer pela natureza e titularidade da propriedade, especificidades que importa, no plano da acção política, ter em consideração.
Esta evidência aplica-se às várias regiões do País e, especialmente, ao Algarve
Vejamos: O Algarve é, a seguir a Lisboa e à Madeira, a região com o mais elevado PIB per-capita, acima da média nacional em cerca de 5,4%.
Não obstante, o distrito de Faro estar, «do ponto de vista relativo», bem colocado no que concerne à riqueza criada, o facto é que detém cerca de 66 000 pobres, realidade muito influenciada por situações gravosas de que se destacam os baixos salários e as baixas reformas, uns e outras inferiores à média nacional em cerca de 13% e 16%, em relação, respectivamente, aos trabalhadores do sector privado da economia e às pensões de velhice do sistema público de segurança social.
Tais valores determina, que o distrito de Faro, no conjunto dos 18 distritos do continente, ocupe a 7.ª posição no que diz respeito aos salários e a 12.ª posição no que diz respeito ao valor das reformas por velhice.
Este é um lado pelo qual podemos visualizar o Algarve.
Há, contudo, um outro lado que importa salientar e que é o seguinte:
O distrito de Faro, no conjunto das cinco regiões do continente, é aquele onde os rendimentos do trabalho por conta própria são os mais elevados, cerca de 30% relativamente à média nacional.
Quanto ao rendimento não monetário e a outros rendimentos o Algarve está, também, na chamada linha da frente, com valores superiores à média nacional em cerca de 20% e 15%, respectivamente.
Tudo isto para dizer o quê?
Para dizer que estamos numa região profundamente assimétrica, região que ocupa o 1.º lugar no que concerne ao rendimento do trabalho por conta própria, ao rendimento não monetário e a outros rendimentos, tudo isto a par de situações de pobreza geradas, fundamentalmente, pela existência de milhares de trabalhadores por conta de outrem com baixos salários e, igualmente, de milhares de reformados com baixas reformas.

Situação do Alentejo

O Alentejo, aqui considerado sob o ponto de vista estatístico, corresponde ao âmbito dos distritos de Beja, Évora e Portalegre, acrescido dos concelhos a Sul da Península de Setúbal e da Lezíria do Tejo que, no passado, fazia parte da Região de Lisboa e Vale do Tejo.
Trata-se de uma região com um PIB per capita superior às médias atribuídas quer à Região Norte quer à Região Centro, mas inferior à média nacional em cerca de 5%.
Em termos salariais, os valores médios praticados no sector privado da economia na Região do Alentejo, embora reconhecidamente baixos, são, contudo, superiores aos valores médios praticados nos 2 distritos do Minho, nos 2 distritos de Trás-os-Montes e nos 3 distritos da Beira Interior.
No plano das reformas por velhice do sistema público de segurança social os valores vigentes no Alentejo são superiores aos verificados em Trás-os-Montes e na Beira Interior.
Não obstante estes dados, a verdade dos factos é que o nível de pobreza no Alentejo, em termos percentuais, é superior ao estimado para a Região Norte e para a Região Centro.
A explicação, quanto a nós, residirá em múltiplos factores de que destacamos:
– o facto de os dados relativos às Regiões Norte e Centro estarem muito agregados, incluindo as sub-regiões menos desfavorecidas, como seja a faixa litoral que vai desde o Norte do distrito de Lisboa até ao concelho do Porto e zonas limítrofes. Se autonomizássemos o Minho, Trás-os-Montes, a Beira Interior e as regiões menos litoralizadas dos distritos do Porto, Aveiro, Coimbra e Leiria, os resultados seriam bem diferentes e melhor esclarecedores quanto à dimensão da pobreza nestas últimas sub-regiões, eventualmente superiores às estimadas para o Alentejo;
– o facto de o Alentejo usufruir os valores mais baixos do País no que concerne aos rendimentos do trabalho por conta própria, aos rendimentos não monetários e aos outros rendimentos não incluídos no âmbito do trabalho, factores que, presumimos, estão ligados quer à natureza e à titularidade da propriedade quer às características do modelo de desenvolvimento económico da região;
– o facto de a estrutura demográfica do Alentejo assentar numa população bastante envelhecida que, embora, usufruindo de pensões relativamente mais elevadas do que as praticadas no Norte, acabam por influenciar o nível de pobreza, por duas razões: pela dimensão do número de reformados do sistema público de segurança social, cerca de 160 000 e pela a magreza do valor das pensões, balizadas, no caso da pensão de velhice, entre um valor médio de 272 euros no distrito de Portalegre, atribuídas às mulheres, até a um valor médio de 414 euros no distrito de Évora, atribuídos aos homens;
– o facto de o nível de desemprego ser muito elevado e de uma parte significativa não ter direito ao respectivo subsídio.
No Alentejo, tendo em conta o âmbito geográfico já trás referido, deverá haver cerca de 200 000 pobres, cuja pobreza foi incrementada pela contra-revolução e pelo retrocesso nas demais conquistas da Revolução levadas a cabo por essa tríade (em sentido literal e conotativo) formada pelo PS e PSD, acolitados pelo CDS.
O Alentejo, não só para erradicar a pobreza como para potenciar o desenvolvimento do País, no seu todo, precisa de uma transformação da sua estrutura produtiva, alicerçada numa nova Reforma Agrária, sem esquecer o aproveitamento criterioso dos seus recursos mineiros e a instalação de indústrias agro-pecuárias que desenvolva o nosso mercado interno e minimize a nossa dependência relativamente ao estrangeiro no que diz respeito à importação de alimentos.

Situação da Região Centro

A Região Centro, como o Alentejo, viu também engrossar o número de pobres, tendo os 18,5% calculados na base dos dados de 2000, subido aos 23,2% de acordo com os recentes dados disponíveis.
Estamos perante cerca de 554 000 pobres, dispersos por uma centena de concelhos, embora não de uma forma equitativa, cujos salários médios são dos mais baixos do País conforme a seguir se evidencia:
– ganho médio superior a 1.000 euros mensais: apenas 2 concelhos (Vila Velha de Ródão e Constância);
– ganho médio entre 900 e 1.000 euros: apenas 8 concelhos (Aveiro, Estarreja, F. Foz, Marinha Grande, Alenquer, Abrantes, Entroncamento e Torres Novas);
– ganho médio entre 800 e 900 euros: 13 concelhos.
Daqui resulta que em 77% dos concelhos da Região Centro os respectivos trabalhadores do sector privado da economia recebiam, em 31/10/2006, salários inferiores a 800 euros, havendo, inclusive, sub-regiões com ganhos médios inferiores a 700 euros, como eram os casos das zonas do Pinhal Interior Norte, Pinhal Interior Sul, Serra da Estrela e Cova da Beira, a que acrescem concelhos com médias inferiores a 600 euros, designadamente em Fornos de Algodres e Pampilhosa da Serra.
Embora os concelhos com as médias salariais mais altas estejam localizados em dois pequenos concelhos no interior da região (Vila Velha de Ródão e Constância) a realidade é aquela que já conhecemos desde há muito tempo, ou seja, os salários mais elevados correspondem, com algumas excepções, a concelhos junto ao litoral e os salários mais baixos correspondem aos concelhos do interior, nas zonas atrás referidas, bem com a todos os concelhos que fazem fronteira com a Espanha.
Se o Governo quiser resolver o problema da pobreza na Região Centro pode escolher este itinerário, sem perder de vista todos os restantes concelhos, sobretudo os localizados nos distritos Viseu, Guarda e Castelo Branco onde, a par dos baixos salário, predominam as baixas pensões de velhice que no caso das mulheres vão desde os 263 a 266 euros, valor que, no caso dos homens, vão desde os 323 euros na Guarda, aos 357 euros em Castelo Branco, passando pelos 337 euros em Viseu.
Este itinerário leva-nos a sugerir que os estudiosos destes assuntos, designadamente aqueles que quantificam a dimensão da pobreza, façam tais estudos desagregando, no caso da Região Centro, as sub-regiões do Baixo Vouga (onde se localiza o concelho de Aveiro), do Baixo Mondego (onde se localiza o concelho de Coimbra) e o Pinhal Litoral (onde se localiza o concelho de Leiria), desagregação, dizíamos nós, ao serviço do conhecimento mais detalhado da localização e dimensão da pobreza.
Se assim for feito, a percentagem de 23,2% atribuída à Região Centro desceria, eventualmente, nas sub-regiões atrás referidas mas, seguramente, subiria nas sub-regiões do interior, designadamente no território conhecido pelo «cavaquistão». Dava mais trabalho mas ganhava-se em conhecimento.

Situação da Região Norte

Na Região Norte havia, em 2005/6, cerca de 693 000 pobres, valor decerto, ultrapassado nos dias que correm, em função da perda de rendimentos dos milhares de trabalhadores por via dos despedimentos.
Estamos a falar da região que, em termos absolutos, detém o maior número de pobres.
Estamos a falar de uma região formada por 86 concelhos, por 8 sub-regiões, onde residem cerca de 3 745 000 habitantes, dos quais 18,5% são pobres.
Esta percentagem não deverá ser uniforme a toda a região porque os dados (como os da região Centro) estão muito agregados. Tanto engloba o Grande Porto como, por exemplo, as Regiões do Tâmega e do Douro, zonas totalmente diferentes, quer em termos de rendimentos quer em termos de índice de poder de compra.
Façamos, a propósito deste último indicador, uma pequena análise:
Dos 86 concelhos da Região Norte, apenas o Porto, Matosinhos, São João da Madeira, Maia, Espinho, Braga e Bragança tinham, aquando do estudo em referência, um índice de poder de compra igual ou superior à média do País.
Isto significa que o índice de poder de compra de 92% dos concelhos estavam abaixo da média, com especial destaque para duas das regiões mais pobres do País, as regiões do Tâmega e do Douro.
A sub-região do Tâmega, constituída por 15 concelhos com um índice médio de poder de compra inferior a 38 pontos percentuais da média do País, congrega uma das maiores concentrações de concelhos com um índice de poder de compra inferior a metade da média do País. Estão neste caso os concelhos de Baião, Celorico de Basto, Cinfães, Resende e Ribeira de Pena.
A sub-região do Douro, constituída por 19 concelhos com um índice médio de poder de compra inferior a 32 pontos percentuais da média do País, congrega, igualmente, uma das maiores concentrações de concelhos com um índice de poder de compra inferior a metade da média do País. Estão neste caso os concelhos de Armamar, Carrazeda de Ansiães, Freixo de Espada à Cinta, Sernancelhe e Tabuaço.
O que é que queremos dizer com isto?
Queremos dizer aquilo que já dissemos quanto à Região Centro, ou seja, se na Região Norte desagregarmos os dados, colocando, de um lado, o Grande Porto, muito influenciado pelo concelho do Porto, a zona do Cávado, muito influenciada pelo concelho de Braga e a zona de Entre Douro e Vouga, muito influenciada por São João da Madeira e Santa Maria da Feira e, do outro lado, as restantes sub-regiões, daí, seguramente, resultaria que o nível de pobreza atribuído às zonas do interior e ao Alto Minho seriam bem superiores aos 18,5% atribuídos à Região Norte.

Situação da Região de Lisboa

A região de Lisboa, constituída por 9 concelhos localizados na margem direita da foz do rio Tejo e pelos 9 concelhos da Península de Setúbal é, do ponto de vista do PIB, produto interno bruto, a região mais rica do País e onde, do ponto de vista relativo, apenas relativo, são praticados os salários mais elevados, situação que se reflecte, posteriormente, nas pensões.
Estamos, «do ponto de vista relativo», a falar da região com os mais elevados índices de poder de compra, região que, embora, tendo a percentagem de pobreza mais baixa, a nível do País, cerca de 11%, tem, pasme-se, a mais elevada concentração de pobres em termos territoriais.
E porquê?
Porque na Região de Lisboa, com uma área de 2 935 Km2, há cerca de 309 000 pobres, o que significa 105 pobres por Km2, valor que ultrapassa, em muito, a capitação da Região Norte e das Regiões Autónomas.
Isto faz com que, paradoxalmente, esta região seja aquela com a maior visibilidade de pobreza em todo o País.
Isto significa que haja bairros, ruas e prédios predominantemente habitados por pobres, designadamente nas zonas históricas das grandes cidades, de que Lisboa é um caso exemplar.
Em Lisboa havia, em 31/12/2007, cerca de 121 000 residentes com 65 e mais anos, a maior parte dos quais inseridos no limiar da pobreza. Onde estão? Nos bairros históricos, nos bairros onde até meados do século passado existia uma forte concentração operária e nos bairros degradados na periferia.
Este é um dos itinerário da pobreza, onde, em termos de espaço, por cada 1 000 metros de comprimento, por 1 000 metros de largura, há, tornamos a repetir, para que todos assimilem a dimensão desta agressão aos direitos de cidadania, 105 cidadãos a viver no regime de pobreza.
Será que é difícil encontrá-los?

Fontes:
Novos factos sobre a pobreza em Portugal – Departamento de Estudos Económicos do BdP
Formulação de propostas de concepção estratégica das intervenções operacionais no domínio da inclusão social – ISCTE
Anuários Estatísticos – INE
Diário de Notícias de 16 de Abril
Avante - 08.05.09

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