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04/05/2009

Como garantir a sustentabilidade da Segurança Social sem ser à custa de pensões de miséria

Eugénio Rosa - Economista

A Comissão Europeia acabou de publicar o seu "Relatório de 2009 sobre o envelhecimento da população" onde analisa a evolução das despesas com pensões nos diferentes países da União Europeia. E elogia o governo de Sócrates pela sua "reforma da Segurança Social" que está a determinar que as despesas com as pensões cresça muito menos do que na generalidade dos países da União Europeia. Semelhante atitude têm os media portugueses. Por ex., o Jornal de Negócios de 30/04/2009 escrevia mesmo: "A reforma do sistema das pensões recebe nota positiva da Comissão Europeia". E uma outra jornalista, com um comentário pessoal, não se coibiu de reforçar acrescentando o seguinte: " E ainda mais sobre o factor de sustentabilidade. E aí reside o segredo do sucesso. Isso mesmo veio a Comissão Europeia ontem comprovar".

No entanto, interessa saber quem está a suportar os custos dessa "reforma" tão elogiada pela Comissão Europeia e por toda a direita em Portugal e mesmo pelos media, e se não existe uma forma de garantir a sustentabilidade da Segurança Social com muito menores custos para os reformados cuja maioria continua a receber pensões de miséria. São estas questões importantes que, com este estudo, se procura responder, dando um contributo para o seu esclarecimento. Naturalmente de uma forma diferente da defendida pelo pensamento económico único.

AO FIM DE QUATRO ANOS DE GOVERNO DE SÓCRATES, AS PENSÕES EM PORTUGAL CONTINUAM A TER VALORES SOCIALMENTE INACEITÁVEIS

O quadro seguinte, construído com dados divulgados pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade em Março de 2009, mostra os valores extremamente baixos das pensões que os reformados da Segurança Social continuam a receber.

Tabela 1.

Em Março de 2009, existiam em Portugal 2.817.520 reformados, recebendo uma pensão média de apenas 333,29 euros por mês.

Se a análise for feita por tipo de pensões, conclui-se que os reformados por velhice eram 1.830.651 e recebiam uma pensão média de apenas de 385,63 euros por mês; os com pensão de sobrevivência eram 685.226 e tinham uma pensão média de somente 196,58 euros por mês; e os com pensão de invalidez eram 301.643 recebendo uma pensão média de apenas 301,16 por mês.

Se desagregarmos os pensionistas de velhice por regimes, constatamos que existiam, em Março de 2009, 1.601.678 pensionistas do Regime Geral com uma pensão média de 409,45 euros por mês; 194.773 pensionistas do Regime Regulamentar Rural com uma pensão média de 224,62 euros por mês; 26.981 do Regime de Pensão Social recebendo apenas 187,18 euros por mês; e 7.219 reformados do Regime Rural Transitório recebendo também uma pensão de 187,18 euros por mês.

É precisamente à custa de reformados com este nível de pensões que o governo de Sócrates, aprovou uma "reforma da Segurança Social" que está determinar que o crescimento das despesas com pensões seja inferior ao verificado na generalidade dos países da U.E., de que tanto se ufana, e que é tão elogiado pelo Comissão Europeia e por toda a direita em Portugal.

EM 2010, SE A LEI DESTE GOVERNO NÃO FOR ALTERADA, O VALOR NOMINAL DAS PENSÕES EM EUROS DIMINUIRÁ

A "reforma" da Segurança Social do governo de Sócrates, para além de provocar a diminuição das pensões dos trabalhadores que se reformam, através da alteração da formula de cálculo da pensão que aprovou e do chamado "factor de sustentabilidade", que é um factor de redução continua das novas pensões que introduziu; repetindo, para além disto tudo, a "reforma" do governo PS também não garante qualquer melhoria nas pensões dos reformados, determinando mesmo a redução do poder de compra de muitas delas.

De acordo com a Lei 53-B/ 2006 aprovada por este governo, enquanto o crescimento económico (PIB) não for superior a 2% (e esta é a situação da economia portuguesa), as pensões dos reformados são actualizadas da seguinte forma : (a) Pensões inferiores a 628 euros são aumentadas de acordo com a subida verificada no Índice de Preços no Consumidor no ano anterior, portanto não têm qualquer aumento no seu poder de compra; (b) Pensões de valor igual ou superior a 628 euros mas inferiores a 2.513 euros são actualizados de acordo com a taxa de inflação do ano anterior menos 0,5 pontos percentuais, portanto sofrem redução do poder de compra; (c) Pensões de valor igual ou superior a 2.513 euros e inferiores a 5.012 euros serão actualizados de acordo com o IPC menos 0,75 pontos percentuais, portanto também sofrem uma redução do poder de compra; (d) As restantes são congeladas.

Esta formula de actualização das pensões de reforma para além de impedir qualquer melhoria no poder de compra das pensões, mesmo as de valores mais baixos, determina situações absurdas e socialmente inaceitáveis. Segundo o Banco de Portugal, a taxa de inflação em 2009 será negativa de -0,2%. Se esta previsão se verificar, e se for aplicada a Lei 53-B/2006 deste governo, as pensões inferiores a 628 euros diminuirão, em euros, 0,2%; as de valor compreendido entre 628 euros e 2.513 euros baixarão 0,7%; e as de valor entre os 2.513 euros e 5.016 diminuirão, em euros, -0,95%; só as pensões de valor superior a 5016 euros é que manterão o mesmo valor em euros. É evidente que é uma situação socialmente inaceitável, que só uma lei absurda e um governo sem sensibilidade social podia criar.

AS RECEITAS PERDIDAS PELA SEGURANÇA SOCIAL EM 2008, DEVIDO À FUGA, A EVASÃO CONTRIBUTIVA, E A ISENÇÕES VARIA ENTRE 1.884 MILHÕES DE EUROS E 4.771 MILHÕES DE EUROS

Uma medida importante para garantir a sustentabilidade financeira da Segurança Social, sem ter de impor a degradação das condições de vida dos reformados cuja esmagadora maioria continuam a receber pensões de miséria, seria eliminar as múltiplas isenções e taxas contributivas inferiores à Taxa Social Única que continuam a gozar muitas entidade, e que o projecto de Código Contributivo apresentado pelo governo não elimina ( pelo contrário até aumenta), assim como desenvolver um combate muito mais eficaz do que o deste governo contra a evasão e fraude contributiva, como provam os dados constantes do quadro seguinte.

Tabela 2.

O número de trabalhadores por conta de outrem, sem incluir os trabalhadores da Administração Pública que estão inscritos e descontam para a CGA era, em 2008, de 3.449,7 mil. Segundo o Ministério do Trabalhado e da Solidariedade Social (Boletim Estatístico de Fevereiro de 2009), em Abril de 2008, em Portugal, a remuneração base média mensal era de 891,4 euros e o ganho médio mensal era de 1.063,4 euros. Se calcularmos a massa salarial recebida pelos 3.449,7 mil trabalhadores com base na remuneração media mensal (891,4€) e com base no ganho médio mensal (1.063,4€) e a partir dos valores assim obtidos calcular as contribuições potenciais para a Segurança Social, que se obtêm multiplicando aqueles valores por 34,75 % obtemos respectivamente 14.960 milhões de euros e 17.847 milhões de euros. Em 2008, de acordo com a Direcção Geral do Orçamento do Ministério das Finanças, as receitas da Segurança Social que tiveram como origem as contribuições das empresas e os "descontos " dos trabalhadores foram apenas 13.067 milhões de euros. Portanto a perda de receita pela Segurança Social atingiu, em 2008, 1.884 milhões se se utilizar como base de cálculo a remuneração media mensal ou 4.771 milhões de euros se se utilizar com base de cálculo o ganho médio mensal. É uma montante muito elevado que poderia ser recuperado se se aumentasse a eficácia do combate à evasão e fraude contributiva à Segurança Social, que continua a ser enorme e este governo nada tem feito para alterar verdadeiramente essa situação (o numero de inspectores da Segurança Social e da IGT continua a ser manifestamente insuficiente), e se se eliminasse as múltiplas isenções e taxas de contribuição inferiores à TSU de que continuam a gozar muitas entidades.

È PRECISO ALTERAR A BASE DE CÁLCULO DAS CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL DAS EMPRESAS PARA GARANTIR A SUSTENTABILIDADE FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL

Uma outra medida importante para garantir a sustentabilidade financeira, que este governo se tem recusado aplicar porque reduziria os lucros das entidades patronais, era alargar a base de cálculo das contribuições das empresas para a Segurança Social, já que as remunerações pagas, que é a actualmente utilizada, representa uma percentagem cada vez mais pequena da riqueza liquida criada pelas empresas como mostra o quadro seguinte.

Tabela 3.

Em 2008,a riqueza liquida criada pelas empresas (não inclui a Administração Pública), ou seja, o VAL (valor Acrescentado Liquido) rondou os 101.539 milhões de euros. As remunerações declaradas à Segurança Social, utilizando como base de cálculo as contribuições cobradas pela Segurança Social em 2008, estimaram-se em 37.629 milhões de euros. Isto significa que 63.910 milhões de euros de riqueza líquida criada pelas empresas em 2008, ou seja, 63% do total, não contribuíram, com nada, para a Segurança Social. Bastaria uma taxa contributiva de 11%, portanto muito inferior aos 23,75% pagos actualmente pelas empresas, aplicada à totalidade da riqueza liquida criada pela empresas em 2008, para a Segurança Social ter obtido uma receita que estimamos em 11.169 milhões de euros em 2008, que é superior em 1.856 milhões de euros ao valor das contribuições pagas pelas empresas nesse mesmo ano (2008). E tinha a vantagem de, fosse qual fosse o número de trabalhadores empregados, e fosse qual fosse o número de trabalhadores despedidos, as empresas pagariam a mesma percentagem da riqueza que criassem em cada ano para a Segurança Social. Este cálculo das contribuições das empresas para a Segurança Social com base na riqueza criada, e não com base nas remunerações que pagam, tinha também outras vantagens. Acabaria com a concorrência desleal que existe actualmente entre as empresas, pois umas contribuem com uma percentagem mais pequena da riqueza que criam para a Segurança Social do que outras (por ex., as empresas do vestuário, por empregarem muitos trabalhadores, contribuem com 18% da riqueza que criam, enquanto as tabaqueiras, por empregarem poucos contribuem apenas com 5,9%). Por outro lado, as empresas deixariam de ser premiadas quando despedem trabalhadores pois passam a pagar menos para a Segurança Social já que as remunerações pagas, que servem de base de cálculo das contribuições para a Segurança Social, diminuem com os despedimentos de trabalhadores. Para além disso deixaria de estar em perigo a sustentabilidade financeira futura da Segurança Social, o que a "reforma" de Sócrates não garante, pois mesmo que diminuísse a percentagem que as remunerações representam do PIB ou do VAL, como as contribuições das empresas deixavam de estar ligadas às remunerações que pagam, e passavam a estar dependente da totalidade da riqueza criada anualmente pelas empresas, quando esta aumenta, o que sucede habitualmente exceptuando os períodos de crise, as receitas da segurança social aumentariam proporcionalmente. É esclarecedor dos interesses de classe que defende o governo de Sócrates o facto de no projecto de Código Contributivo que apresentou ter alargado os descontos dos trabalhadores a praticamente todos os seus rendimentos e não ter feito o mesmo relativamente à totalidade da riqueza liquida criada pelas empresas.

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