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07/05/2009

PROJECTO DE DECRETO-LEI QUE ALTERA O CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO

APRECIAÇÃO DA CGTP-IN

O presente Projecto visa alterar o Código de Processo do Trabalho, de modo a adaptar este diploma às novas disposições introduzidas em matéria de impugnação do despedimento pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprova a revisão do Código do Trabalho.

Neste quadro, o Projecto incide sobretudo na criação de uma nova espécie de acção laboral, designada «acção de apreciação da regularidade e licitude do despedimento», que passa a ser a acção através da qual o trabalhador pode suscitar a apreciação judicial do despedimento, nos termos do artigo 387º do Código do Trabalho revisto.

Para além desta inovação, o Projecto introduz também um conjunto de outras alterações de carácter pontual, visando frequentemente a adaptação ao Código de Processo Civil. Aliás, constatamos que, na mesma linha de assimilação à lei civil que tem vindo a ser adoptada nas revisões da legislação laboral substantiva, também no domínio processual se procura uma maior aproximação entre as regras do processo laboral e do processo civil, em prejuízo da autonomia e especificidade do processo laboral.

Concluímos, portanto, que não estamos perante uma reforma do processo laboral destinada a conferir maior eficácia e celeridade à efectivação dos direitos dos trabalhadores, mas perante meras alterações pontuais, destinadas a acomodar quer as alterações da lei substantiva, quer as alterações do processo civil.

Na especialidade

  • Artigo 5º Legitimidade das associações sindicais e outras estruturas de representação colectiva

No que toca à legitimidade das associações sindicais, verificamos que a actual redacção do artigo 5º do Código de Processo do Trabalho não é alterada.

Considerando que esta redacção tem levantado sérios problemas de interpretação, a CGTP-IN entende que esta questão deveria ser definitivamente resolvida através da adopção de uma redacção mais clara, que supere a jurisprudência restritiva que se tem formado com base na norma actual. Uma redacção semelhante à que consta do nº2 do artigo 310º da Lei 59/2008, de 11 de Setembro, que aprova o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, segundo a qual «É reconhecida às associações sindicais legitimidade processual para a defesa dos direitos e interesses colectivos e para a defesa colectiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representem», seria suficiente para resolver o problema.

Ainda no âmbito do artigo 5º, o Projecto introduz um novo número neste artigo atribuindo aos representantes dos trabalhadores para a segurança e saúde no trabalho legitimidade activa nas acções em que estejam em causa a qualificação das informações como confidenciais ou a recusa de prestação de informação ou de realização de consultas por parte do empregador, em matéria de segurança e saúde no trabalho.

Este novo dispositivo levanta duas questões:
1º A atribuição de legitimidade activa aos representantes dos trabalhadores para a segurança e saúde no trabalho não deve ficar circunscrita às acções mencionadas, mas estender-se a outras acções em que estejam em causa a segurança e saúde no trabalho;
2º Atendendo a que as acções mencionadas neste nº7 do artigo 5º também podem, nos termos do artigo 413º do Código do Trabalho, ser intentadas por outras estruturas de representação colectiva, entendemos que a legitimidade aqui atribuída no âmbito restrito da segurança e saúde no trabalho, deve ser estendida às outras estruturas de representação colectiva nas matérias da sua competência, designadamente às comissões de trabalhadores e conselhos de empresa europeus.

  • A nova acção de apreciação judicial da regularidade e licitude do despedimento

Em primeiro lugar, entendemos que a designação atribuída a esta nova espécie de acção não é a mais feliz, na medida em que suscita logo à partida a ideia que estamos perante uma acção de mera apreciação – e sendo as acções de mera apreciação normalmente destinadas a obter sentença sobre a existência ou não de um facto ou direito, pode levar à conclusão de que, neste caso, está em causa apenas declarar se o despedimento é licito ou ilícito e não uma verdadeira impugnação do despedimento com as legais consequências previstas na lei substantiva, em caso de reconhecimento da ilicitude.

Por outro lado, a própria tramitação da acção e os articulados previstos não ajudam a clarificar o tipo de acção que está em causa, já que a acção se inicia com a apresentação de um requerimento-formulário no qual o trabalhador só tem que manifestar a sua oposição ao despedimento, prossegue com a marcação de uma audiência de partes e, se nesta audiência não houver conciliação, deve o empregador apresentar um articulado em que demonstra os motivos do despedimento, apresenta rol de testemunhas e requer outras provas; por sua vez, o trabalhador deve contestar, deduzindo excepção ou reconvenção, havendo ainda lugar a resposta do empregador. Ora, toda esta tramitação levanta a questão de saber em que momento e/ou através de que articulado é que o trabalhador formula o seu pedido, visto que, ao contrário do que é habitual, não existe petição inicial.

Concluímos, assim, que não estamos apenas perante uma nova espécie de acção, mas perante uma acção cuja tramitação corresponde a uma inovação no domínio do nosso direito processual, o que certamente irá suscitar muitas dúvidas de interpretação a todos os intervenientes, desde advogados aos próprios tribunais. Neste sentido, a CGTP-IN entende que todo o normativo correspondente a esta acção deve ser expresso, claro e o mais completo possível, de modo a não deixar espaço para interpretações divergentes que dificultem a aplicação da lei e constituam obstáculo suplementar à protecção dos direitos dos trabalhadores.

Ainda no que toca a esta acção, consideramos fundamental esclarecer os conceitos de «despedimento precedido de procedimento instrutor», bem como de «processo instrutor» e «procedimento instrutor», nomeadamente por oposição aos conceitos de «despedimento precedido de procedimento disciplinar» e de «processo disciplinar».

Note-se que, ao contrário do procedimento ou processo disciplinar, que é um conceito conhecido e claramente definido na lei substantiva, o de procedimento ou processo instrutor não está definido e, portanto, o intérprete não dispõe à partida desta noção, o que abre o campo às mais diversas interpretações. Neste sentido, é necessário esclarecer os conceitos e estabelecer as distinções entre eles.

Finalmente, apesar de, a partir de várias disposições, ser possível inferir que tanto a suspensão preventiva do despedimento como a nova acção especial de apreciação judicial da regularidade e licitude do despedimento passa a ser aplicável não só ao despedimento individual com justa causa, mas também às outras formas de cessação do contrato de trabalho, é necessário que a lei o diga claramente.

  • Artigo 34º, nº4 – O efeito cominatório aqui previsto mostra-se manifestamente excessivo, devendo em nosso entender ser substituído pelo conhecimento oficioso ou, pelo menos, que o requerente seja convidado a formular o pedido da dita apreciação da regularidade e licitude do despedimento.
  • Artigo 37º, nº 2 – desta disposição parece resultar que, quando o requerido não comparece à audiência final nem se faz representar por mandatário, mas tenha dado cumprimento aos nºs 2 e 3 do artigo 34º (isto é, apresentação do processo disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas nos casos de despedimento por razões objectivas), o juiz apenas poderá decidir com base nos elementos constantes dos autos e na prova que oficiosamente haja determinado – significa isto que a prova oferecida pelo requerente, nomeadamente a testemunhal, não pode ser produzida nem tida em conta? Não parece adequado, pelo que deve acrescentar-se a expressão «sem prejuízo da produção de prova do requerente».
  • Artigo 37º, nº4 – Esta disposição parece manifestamente excessiva no que respeita à cominação aqui prevista, uma vez que, com a remissão feita para o disposto nos artigos 98ºG e 98ºH, a falta dele importará automaticamente a própria absolvição do pedido. Em nosso entender, tendo o Código de Processo Civil eliminado todas as formas de cominação plena, não faz qualquer sentido reintroduzir este tipo de cominação no Código de Processo do Trabalho e designadamente em relação ao trabalhador.
  • Artigo 60ºA – oposição à reintegração do trabalhador – esta disposição está integrada no processo comum mas, no âmbito da proposta, a impugnação do despedimento, seja qual for a sua causa, parece ser sempre feita em acção especial. Tendo em conta que a oposição à reintegração só pode emergir de uma acção de impugnação de despedimento, não se vê qual a utilidade de prever este instituto também na acção comum. Ou será que o trabalhador pode escolher a forma comum para impugnar o despedimento, sem recorrer à nova acção especial? Este aspecto carece de ser esclarecido, nomeadamente tendo em conta o disposto no nº3 do artigo 98ºI.
  • Artigo 68º, nº3 – A necessidade de ambas as partes o requererem torna a intervenção do tribunal colectivo praticamente impossível.
  • Artigo 77º, nº2 – O disposto neste artigo parece obrigar a recorrer da sentença, mesmo quando a parte recorrente concorde com ela, sempre que pretenda arguir alguma nulidade, o que parece excessivo.
  • Artigo 98ºN – O pagamento dos salários intercalares pelo Estado sempre mereceu a discordância da CGTP-IN, pois entendemos que se trata de uma medida claramente facilitadora dos despedimentos.

Para além disso, o seu pagamento através do Fundo de Garantia Salarial levanta, a nosso ver, grandes dúvidas, em primeiro lugar porque o Fundo de Garantia Salarial tem objectivos legalmente definidos entre os quais não se conta o aqui previsto, importando uma alteração prévia do respectivo regime; por outro lado, no que toca ao financiamento, consideramos que a disposição do nº4 deste artigo é injusta – o reforço do financiamento do Fundo de Garantia Salarial deve ser feita através do aumento das contribuições das entidades empregadoras e não por recurso a receitas gerais de impostos.

Lisboa, 7 de Maio de 2009

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