O número é gordo: 810 891 euros. Foi este o salário médio que cada administrador executivo, de dez das maiores empresas portuguesas cotadas em bolsa, ganhou ao longo de 2008. Um rendimento 136 vezes superior ao de uma pessoa que tivesse auferido o salário mínimo em vigor durante o mesmo ano. Veja as contas: 14 meses x 426,5 euros = 5 971 euros. E um português que ganhe um salário médio estimado em torno dos mil euros necessitaria de duas vidas para conseguir um rendimento igual ao que um daqueles gestores aufere num ano.
Mesmo assim, este valor ficou abaixo dos 861 958 euros que os mesmos executivos receberam, em média, em 2007. Uma descida que parece ir ao encontro do que tem sido um dos temas mais mediáticos de toda a actual crise: a moderação dos níveis salariais dos gestores de topo das grandes empresas.
Ainda recentemente, numa reunião dos ministros das Finanças da Zona Euro, foi admitido existirem salários "escandalosos", em empresas da União Europeia.
O ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, disse estar "preocupado com a dimensão desproporcionada" dos salários dos gestores e também apelou à moderação dos salários dos altos quadros das empresas.
O presidente do BPI, Fernando Ulrich, por seu turno, considerou que defender o limite dos salários dos gestores é "politiquice barata e reles". Mas o banco por si liderado, o BPI, baixou o rendimento da sua comissão executiva, Ulrich incluído, em 41% de 2007 para 2008.
E o que podem os governos fazer além de lançarem apelos? Muito pouco. A solução pode estar na via fiscal. Salários desta grandeza são tributados à taxa máxima de IRS, de 42 por cento. "No máximo, o que o Governo pode fazer é criar um imposto especial para indivíduos que ganhem mais que um determinado montante", esclarece Diogo Leite Campos. O fiscalista faz questão de esclarecer, contudo, que tal medida apenas seria aplicada aos rendimentos futuros, pois a lei fiscal, sublinha, "não é retroactiva".
O problema não é de agora, apenas ganhou maiores proporções devido à crise e à injecção de dinheiro que os Estados, um pouco por todo o mundo, estão a fazer nas empresas.
Mas como é que tantos gestores conseguiram atingir tais patamares de rendimento? A resposta óbvia seria algo do género: "São uma consequência natural do capitalismo." Mário Parra da Silva, presidente da Associação Portuguesa de Ética Empresarial, tem uma visão diferente. "O que aconteceu é que foram atraiçoados alguns dos princípios básicos do capitalismo, um modelo que se baseia na propriedade e não na gestão." O capitalismo, acrescenta, assenta, ainda, na "ideia de que quem gere mal a sua empresa, arrisca-se a perder o seu património ". Era assim quando os gestores eram os donos do capital. Entretanto, tudo mudou.
Segundo Mário Parra da Silva, assistimos a uma tomada de posição de poder dentro das corporações: "O jogo tornou-se perverso.
As empresas passaram a ser controladas por pessoas que, na verdade, não as possuem.
O princípio de que o capitalista tem de correr o risco de perder o seu património foi deturpado. De uma lógica de preservação de património para as gerações futuras, passou-se a uma lógica de rendimento mais alto possível e mais depressa possível." Por outras palavras, ganhar o máximo hoje, sem olhar para o amanhã.
O paradigma deste tipo de capitalismo "deturpado" é o gigante segurador AIG. À beira da falência, a empresa foi alvo de uma injecção de dinheiros públicos 173 milhões de dólares, no âmbito do programa de apoio ao relançamento da economia, nos EUA. E o que é que a gestão da companhia fez, alguns meses mais tarde, com esses montantes? Autocompensou-se. A cúpula directiva da AIG atribuiu a si própria um bolo salarial no valor de 165 milhões de dólares.
Ou seja, em vez de servirem para endireitar as contas da AIG, os dinheiros dos contribuintes premiaram os responsáveis pelo descalabro da seguradora.
O caso chocou a opinião pública e obrigou à intervenção directa do Presidente dos EUA, Barack Obama, que acabou por cobrar em impostos parte dos salários que estes executivos tinham recebido.
OS CASOS PORTUGUESES
Por cá, durante a apresentação das contas de 2008, entre Março e Abril, empresas como a Sonae, Millenniumbcp, Banco Espírito Santo, Impresa, entre outras, anunciaram uma redução ou congelamento dos pagamentos aos altos quadros, medidas que estarão em vigor em 2009, independentemente da dimensão ou desempenho empresarial da empresa.
No entanto, apesar da diminuição de alguns dos rendimentos dos gestores de topo, esta não foi regra única para os salários de 2008. Num grupo de dez grandes grupos analisados pela VISÃO, apenas quatro optaram por baixar os salários dos executivos. A Portugal Telecom foi a empresa onde se registou uma maior descida. No entanto, em 2007 os seus gestores beneficiaram de um pagamento extraordinário, no valor de 4,9 milhões de euros, atribuídos a título de rendimento variável. Foi o prémio por terem conseguido cerrar fileiras e bloquer a OPA lançada pela Sonae. E este acréscimo extraordinário, em 2007, é, também, uma das principais razões da queda, igualmente extraordinária, registada em 2008, dos salários de topo, naquela empresa.
Contas feitas, o ordenado médio dos administradores executivos da PT 890 mil euros por ano mantém-se acima da média das restantes grandes empresas nacionais por nós analisadas.
Onde os salários vêm registando uma acentuada derrapagem, mais em linha com os resultados e a cotação bolsista, é no Millenniumbcp.
Quando a equipa de Carlos Santos Ferreira iniciou uma nova era na gestão daquele que é o maior banco privado português criado após o 25 de Abril, as políticas salariais da cúpula de gestão sofreram uma mudança brusca. Um corte radical com o passado da instituição Santos Ferreira foi o primeiro presidente do banco não escolhido ou aceite pelo fundador do Millenniumbcp, Jorge Jardim Gonçalves.
Em 2007 e 2008, os administradores não receberam qualquer rendimento variável.
Esta foi, aliás, a única empresa em análise cujos gestores apenas levaram para casa o rendimento fixo. Em média, os sete admi- nistradores do banco receberam 487 mil euros por ano, quase metade da média do que pagaram as outras empresas. O salário de 2008 também levou um significativo corte em relação ao do ano anterior: menos 27,5 por cento.
No BPI, a política de vencimentos não é muito diferente. Em 2008, cada um dos elementos da equipa de Fernando Ulrich recebeu, em média, 526 mil euros, um montante em que estão incluídos o salário fixo e os prémios de gestão.
ELECTRIZANTE
Já no Banco Espírito Santo a política é outra. A comissão executiva, composta por 11 elementos, recebeu 12,6 milhões de euros, o que equivale a um salário médio superior a um milhão de euros anual para cada gestor.
Mas o recorde das subidas de salários entre 2007 e 2008 pertenceu à Rede Eléctrica Nacional REN. Os gestores desta empresa liderada por José Penedos viram o seu ordenado aumentar 157%, de um ano para o outro. Uma subida impressionante, em tempo de crise. Além do mais, a empresa nem apresentou um desempenho melhor que no ano anterior, pois os lucros baixaram 12,3 por cento. É importante, todavia, fazer uma ressalva: apesar da subida vertiginosa, a média salarial, que é, aqui, de 656 mil euros/ano, continua muito abaixo da média das restantes empresas analisadas pela VISÃO.
A justificação para tão significativos aumentos pode ler-se nos relatórios do governo societário da REN. Verifica-se que, em 2007, a componente do rendimento variável destes gestores foi praticamente inexistente: 7 mil euros para cinco pessoas.
O rendimento fixo ascendeu, nesse ano, a 1,27 milhões de euros. E em 2008, a componente fixa aumentou para 1,87 milhões, o que equivale a um aumento de 47 por cento.
Além disso, a componente variável também foi substancialmente insuflada, passando para 1,4 milhões de euros.
Nos mesmos relatórios, a administração lembra que, deste total, 430 mil euros foram recebidos por administradores de sociedades participadas. Mesmo assim, se retirarmos essa verba, o aumento das remunerações continua a ser de mais de três dígitos: qualquer coisa como 122 por cento.
ACIMA DO MILHÃO
Falámos, até agora, de salários médios das cúpulas directivas. Não sabemos quanto ganhou Ricardo Salgado, nem Santos Ferreira, nem José Penedos em particular. Na EDP, pelo contrário, a transparência chega aí, ao salário do presidente da comissão executiva. António Mexia defende que "os ordenados têm de ser transparentes".
E, de facto, é dos poucos gestores que revela o seu salário. Em 2008, recebeu 686 mil euros de rendimento fixo, exactamente o mesmo que em 2007, e 570 mil de rendimento variável, menos 30 mil euros que no ano anterior. Ou seja, um total de 1,256 milhões de euros. Os restantes seis administradores executivos encaixaram 6,4 milhões, quase 1,1 milhões por cabeça, em média mais 50 mil euros/cada que em 2007. O ano passado foi de crise, os salários aumentaram (salvo o do presidente que até perdeu 30 mil euros) mas os lucros da EDP cresceram mais de 20 por cento.
Paulo Azevedo, o novo "patrão" do grupo Sonae, também não tem problemas em divulgar, no relatório do governo da sociedade, os seus rendimentos. O filho de Belmiro de Azevedo, que tomou as rédeas da empresa em 2007, recebeu, em 2008, 1,06 milhões de euros, menos 9,4% do que os 1,17 milhões recebidos em 2007. Mas os outros três administradores executivos da Sonae SGPS auferiram, em média, mais de 850 mil euros.
Paulo Azevedo garantiu à VISÃO que a Sonae "tem uma política salarial muito ligada ao mercado, mas goza da reputação de ser menos dada a grandes salários que o mercado em geral".
Quanto à descida dos salários dos gestores e à possibilidade de eles diminuírem no grupo Sonae, o líder do grupo esclarece que "se o mercado baixar muito, nós também baixaremos, mas não creio que isso aconteça.
Eu próprio tenho um prémio inferior ao do ano passado, mas isso tem a ver com a performance das empresas. A parte variável, no que se refere aos gestores, tem um peso muito grande, e muito acima do peso do mercado.
Se há menos negócio, há menos salário".
Mas estes dois casos de divulgação dos salários são das poucas excepções que confirmam a regra. Apesar das recomendações da Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários de maior transparência nos salários dos gestores, a grande maioria das empresas apresenta apenas de forma agregada os rendimentos da equipa de gestão.
Diogo Leite Campos diz que esta prática não é da maior transparência, pois "alguns ganham o dobro dos outros e esse valor nunca é divulgado". Além disso, realça o facto de existir outro tipo de prémios, em espécie, que não são mencionados no relatório de governo das sociedades, "um documento onde estas práticas deveriam ser relatadas".
Visão - 30.04.09
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