O mercado de trabalho é o lugar onde se condensam (e reproduzem) múltiplas desigualdades sociais, tanto para os que lá permanecem como, sobretudo, para os que dele são excluídos. Assim: - os países do leste da Europa, aos quais se juntam a Áustria e a Alemanha têm como traço distintivo o facto da população empregada ter predominantemente o ensino secundário; Bibliografia AGHION, Philippe e Élie Cohen. (2004), Éducation et Croissance. Paris, La Documentation Française. [2] Limitando as possibilidade de reforma antecipada – muito incentivada nalguns países nos anos 80 e 90 – e aumentando a idade da reforma. [3] Utilizou-se como indicador do emprego precário, o trabalho temporário. Segundo o Eurostat, o trabalho temporário refere-se a um trabalho de duração determinada ou temporário (correntemente designado por trabalho a prazo), se for acordado entre empregador e assalariado que o fim do emprego é determinado por condições objectivas, tais como a definição de uma data precisa para o seu termo, a finalização de uma tarefa ou o regresso de um outro assalariado que tinha sido substituído temporariamente. [4] Estas taxas são calculadas separadamente por tipo de contrato (permanent or temporary) e com base no quociente entre o nº de trabalhadores em cada ISCED e o total de trabalhadores com contrato efectivo ou o nº de trabalhadores com contrato precário. Obervatório das Desigualdades
Para a população activa, a maior das desigualdades é, como sabemos, a do desemprego. Mas a estrutura do desemprego revela-nos, ela própria, grupos sociais diferenciados - segundo o nível de habilitações, o género, a raça e a idade. Há os que terão emprego mais cedo ou mais tarde, no país ou no estrangeiro, e há os que serão excluídos para a inactividade a que tantas vezes se foge por via dos biscates e outras formas clandestinas de ocupação.
Para os que têm emprego persistem as velhas desigualdades de salário, de estatuto, de conteúdo do trabalho, de autonomia, de progressão na carreira, de reconhecimento profissional e, transversal a todas elas, as discriminações de género. A estas, juntam-se as novas desigualdades que decorrem das situações de precariedade de emprego que criou uma dualização no colectivo dos trabalhadores: i) de um lado os que têm contrato por tempo indeterminado, com carreiras profissionais asseguradas e os direitos que este tipo de relação salarial confere; ii) do outro, os assalariados da precariedade, para utilizar a expressão de Paugam (2000), de futuro profissional incerto e em que o trabalho e o emprego estão cada vez mais dissociados (Sennett, 2001).
A questão é complexa e encerra vários paradoxos. O primeiro é o de que, liberalizando os despedimentos, o grupo dos que têm contrato por tempo indeterminado, por razões de idade e de níveis de escolarização, será o que terá mais dificuldades em encontrar um novo emprego. Mesmo o caso dinamarquês parece não estar imune a esta situação, embora as taxas de desemprego tenham descido drasticamente e se apresente como um dos países da UE em que esta taxa é mais baixa[1]. É que, como refere Madsen (2002), um dos problemas do modelo dinamarquês é o aumento de pessoas que estão a ser excluídas do mercado. Esta questão constitui aquilo a que chamamos de segundo paradoxo, no sentido em que a liberalização dos despedimentos, tendo como alvo aquele grupo, é contraditória com as políticas de envelhecimento activo (OCDE 2005 e 2006), que a UE propõe[2] e que visam manter as populações mais tempo no activo, o que permitirá, em princípio, aliviar as dificuldades financeiras da segurança social. O terceiro paradoxo é que as tensões sobre o mercado de trabalho por parte dos mais jovens tenderão a aumentar num quadro de crise económica como a que vivemos e reforça as situações de desigualdade e de injustiça relativa (Dubet, 2006) entre cidadãos e entre gerações. Acresce que as gerações mais jovens são também as que têm níveis mais elevados de escolarização, o que leva à interrogação sobre o retorno do investimento no chamado capital humano a nível individual e colectivo e os efeitos de uma tal situação no desenvolvimento, dando por adquirida a tese do efeito positivo da educação no crescimento das economias (Aghion; Cohen, 2004).
Mas, em que medida podemos falar em generalização do trabalho precário em todos os países da UE? Tratar-se-á de um fenómeno de natureza conjuntural ou, pelo contrário, estamos perante um traço que induz uma reconfiguração estrutural dos mercados de trabalho (Auer, Gazier, 2006)? Esta reconfiguração marca, de facto, uma dualização dos mercados entre gerações ou é um fenómeno que se alastra a todas as classes de idade?
A análise da precarização do emprego[3] – feita a partir de dados do Eurostat (Labour Force Survey) – na Europa revela que este é um fenómeno comum a todos os países, embora o seu peso relativo na população empregada seja diferenciado. Assim, a Espanha apresenta a taxa mais elevada de emprego precário, seguida da Polónia e de Portugal. Países como a Dinamarca, Irlanda e Reino Unido apresentam, ao contrário, as taxas mais baixas de emprego precário, se exceptuarmos os países de leste.
Os dados mostram ainda que a tendência de precarização do emprego na Europa é de natureza estrutural em grande parte dos países, por oposição a outros em que este fenómeno é relativamente reduzido e estabilizado nos últimos vinte anos. Com efeito, há países em que, ao contrário da tendência geral, o uso de contratos a prazo tende a diminuir, como são os casos da Dinamarca, Grécia, Reino Unido e Irlanda.
A questão que se coloca é então a de saber o que se passa nos países que fazem excepção a este modelo de aumento sustentado da expansão do emprego precário. Uma hipótese bastante plausível é a de que os países com uma política mais liberal dos despedimentos – de que os casos da Dinamarca e do Reino Unido são paradigmáticos – não precisam de recorrer ao emprego precário como medida de ajustamento do volume de emprego, face às necessidades das empresas. Isto explicaria que nos países onde as barreiras jurídicas aos despedimentos são mais fortes, sejam os países onde o trabalho precário tende a expandir-se. Nestes casos, os empregadores tendem a recorrer a formas precárias de contratação, como um mecanismo de liberalização controlada, digamos assim. Este é claramente o caso de Portugal, que aumentou a precarização do emprego nos últimos 20 anos, em todos os grupos etários.
Do ponto de vista do efeito geracional, concluiu-se que a geração dos mais jovens é a mais afectada pelo trabalho precário em todos os países europeus sem excepção. Estes dados devem ser interpretados com precaução uma vez que na faixa etária dos 15 aos 24 anos é plausível admitir que muitos jovens poderão estar ainda na escola ou em processos de inserção profissional que, como se sabe, tendem a prolongar-se no tempo. O mesmo tipo de raciocínio se aplica ao escalão etário dos 50 aos 65 anos, seja porque estão em fase de transição para a saída do mercado, tendo beneficiado de mecanismos de reforma antecipada, ou outros de natureza semelhante muito utilizados pelas empresas nos anos 80 e 90. Por estas razões, a diferenciação entre países parece fazer-se com maior acuidade na geração dos 25 aos 49 anos. Neste grupo, o trabalho precário tem vindo a alastrar de geração para geração – tal como nos outros grupos etários – embora de forma mais lenta que nos jovens e com variações assinaláveis entre países. Portugal é o país que, a seguir à Espanha (32,1%), apresenta a maior percentagem (18,0%) de trabalho precário nesta geração, com uma diferença importante: enquanto a Espanha apresenta sinais de retrocesso, Portugal duplicou a percentagem de trabalho precário na última década, tendo-se agravado significativamente as condições de inserção profissional da população adulta, entre gerações.
Mas, em que medida a precarização do emprego está associada aos níveis de escolarização dos trabalhadores?
Para respondermos a esta questão convém ter presente que a escolarização da população empregada é muito diferenciada entre os países da UE. Há países que se distinguem pela grande mancha de pessoas com os níveis mais baixos de escolaridade (Portugal, Espanha e Itália). No entanto, a Espanha apresenta, em simultâneo, uma das taxas mais elevadas de pessoas com o ensino superior, a par da Irlanda, da Finlândia e da Bélgica. A especificidade de Portugal reside no facto de ser o país com as taxas mais elevadas de ensino básico e as mais baixas de ensino de nível secundário e superior.
Globalmente, o traço mais marcante é o peso acentuado da escolarização secundária que existe em todos os países, com as excepções de Portugal e Espanha. Há traços que são comuns aos países do leste europeu, nomeadamente que a maioria da população empregada tem o nível secundário de ensino e que os níveis mais baixos de escolarização, assim como os mais elevados têm pouca expressão. O que significa que quando se fala na fragilidade da posição competitiva de Portugal face aos países do Leste Europeu, com base no deficite português de escolarização, estamos a referir-nos, de facto, ao ensino secundário.
Podemos identificar, grosso modo, três padrões distintos de escolarização da população empregada no espaço europeu, padrões que correspondem até a uma certa disposição geográfica: Europa do leste, a Europa do sul e a Europa do norte, com a Alemanha, a Áustria, a França e a Grécia a resistirem, digamos assim, a este enquadramento geográfico.
- os países do sul da Europa , nomeadamente a Itália, Portugal e, de certo modo a Espanha, em que predominam os níveis mais baixos de escolarização;
- os países do norte da Europa, que têm como traço distintivo o facto de apresentarem as taxas mais elevadas ensino superior, grupo a que a Grécia tende a aproximar-se;
A Espanha e a França diríamos que são casos sui generis, porque têm características que são típicas de grupos diferentes. Ambos partilham com os países do sul taxas elevadas de população empregada nos mais baixos níveis de escolarização. Mas diferenciam-se noutra dimensão: enquanto a Espanha tem em comum com o grupo onde se situam os países nórdicos taxas elevadas de indivíduos com o ensino superior, a França associa-se mais aos países em que o traço dominante é o ensino secundário.
Para indagarmos em que medida os níveis de escolarização estão associados à precariedade de emprego, comparámos as taxas de emprego permanente e de emprego temporário[4] segundo os níveis de escolarização, por país.
Concluiu-se que a relação entre estes padrões de escolarização e os diferentes estatutos de emprego (permanente e temporário) varia segundo os países, mas há uma conclusão geral que se pode retirar. É que a introdução na análise dos indicadores de emprego permanente e de emprego temporário, não alterou substancialmente a configuração dos padrões de educação acima referidos. E isto porque os diferentes níveis de escolarização são sempre “acompanhados” por empregos permanentes e por empregos precários, em cada país, o que permite concluir que os estatutos de emprego são independentes dos níveis de escolarização.
Em síntese geral podemos dizer que a Europa está a passar de uma regulação monopolista dos mercados de trabalho, para uma regulação de tipo neo-concorrencial. As diferenças entre países decorrerem mais dos seus perfis globais de escolarização, que os dotam de maior ou menores potencialidades em capital humano. Mas a dualização dos mercados de trabalho, pela precarização do emprego, é transversal a todos os países, em todas as classes de idade e em todos os níveis de escolarização. Portugal distingue-se de todos os países europeus por apresentar uma taxa relativamente elevada de precarização em todos os escalões etários e em todos os níveis de escolarização, mas sobretudo porque apresenta as mais baixas taxas de escolarização da Europa.
AUER, Peter e Bernard Gazier (2006), L’introuvable Sécurité de l’Emploi. Paris, Flammarion.
DUBET, François. (2006), Injustices, l’expérience des inégalités au travail. Paris, Ed. Seuil.
MADSEN, Per Kongshøj. (2002), The Danish Model of “Flexicurity” – a paradise with some snakes. Paper presented to European Foundation for the improvement of Living and Working Conditions. Brussels.
OCDE. (2005), Ageing and Employment. Paris, OCDE.
OCDE. (2006), Live Longer, Work longer. Paris, OCDE.
Oliveira, Luísa e Carvalho, Helena (2008), “A precarização do emprego na Europa”, Dados, Revista de Ciências Sociais, vol.51, nº 3, pp.541-567.
PAUGAM, Serge. (2000), Le Salarié de la précarité. Paris, Puf.
SENNETT, Richard. (2001), A Corrosão do Carácter: as consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Lisboa, Terramar.
[1] Em 2005, a Dinamarca (4,9%), juntamente com a Irlanda, Luxemburgo, Holanda e Reino Unido apresentavam as taxas mais baixas de desemprego (abaixo dos 5%) nos países considerados.
À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.
20/02/2009
Velhas e novas desigualdades no mercado de trabalho: Portugal no contexto europeu
Luísa Oliveira e Helena Carvalho (2009)
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário