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15/02/2009

SÓCRATES SÓ AGORA DESCOBRIU QUE EXISTE INJUSTIÇA FISCAL EM PORTUGAL

Eugénio Rosa - Economista - 15.02.09

Uma das propostas que Sócrates apresentou durante a recente campanha para a eleição a secretário geral do PS, segundo os órgãos de informação, muito mediatizada, foi a de que, se formar governo na próxima legislatura, iria implementar em Portugal uma maior justiça fiscal. E a medida que se propõe tomar, segundo os media, consistiria apenas em reduzir as deduções na saúde, na educação, etc., a nível do IRS, dos contribuintes com rendimentos mais elevados. Com a poupança assim obtida, afirma Sócrates, iria reduzir a carga fiscal que incide sobre a “classe média” implementando assim uma maior justiça fiscal em Portugal.

Alguns órgãos de comunicação, no seu entusiasmo pelo 1º ministro, até lhe chamaram o novo Robin dos Bosques, pois iria tirar aos ricos para dar aos pobres. Este entusiasmo faz lembrar a chamada “taxa Robin Bosques” que ele também anunciou sobre os lucros especulativos das petrolíferas. Desta taxa ninguém mais ouviu falar e, durante o debate do Orçamento do Estado para 2009, o próprio governo foi incapaz de informar a Assembleia da República de qual era o montante de receita obtida. Mas a medida foi importante para a propaganda governamental.

SÓCRATES RECUSA-SE MEXER NOS BENEFICIOS FISCAIS UMA CAUSA DA INJUSTIÇA

Sócrates recusa-se a alterar os elevados benefícios fiscais que são uma das principais causas da injustiça fiscal em Portugal. O quadro seguinte, construído com dados constantes dos Relatórios dos OE deste governo, no período 2005-2009, revela que a maior parcela da receita fiscal perdida pelo Estado se deve aos benefícios concedidos às empresas e não às famílias.

QUADRO I – Receita fiscal perdida devido aos benefícios fiscais concedidos pelo Estado

IMPOSTOS

2005

2006

2007

2008

2009

2005-09

% TOTAL

Milhões €

Milhões €

Milhões €

Milhões €

Milhões €

Milhões €

2005-09

IRS

382,3

229,8

362,0

323,8

359,5

1.657,4

12,1%

IS

0,2

1,1

0,4

0,2

0,2

2,1

0,0%

IA

56,8

59,6

95,2

143,2

95,5

450,3

3,3%

IVA

99,2

118,3

99,7

88,3

101,2

506,7

3,7%

ISP

210,8

240,1

261,0

274,0

269,3

1.255,2

9,1%

IABA

0,7

0,6

0,6

0,6

0,6

3,1

0,0%

IT

0,5

0,5

0,5

0,6

0,6

2,7

0,0%

SOMA

750,5

650,0

819,4

830,7

826,9

3.877,5

28,2%

IRC

259,0

255,8

238,6

448,0

325,0

1.526,4

11,1%

IRC- Zona Franca Madeira - Isenção

1.326,1

1.356,1

1.683,0

1.970,0

2.000,0

8.335,2

60,7%

SOMA

1.585,1

1.611,9

1.921,6

2.418,0

2.325,0

9.861,6

71,8%

TOTAL

2.335,6

2.261,9

2.741,0

3.248,7

3.151,9

13.739,1

100,0%

FONTE: Relatórios do OE2005, OE2006, OE2007, OE2008 E OE2009


No período 2005-2009, o Estado, devido aos benefícios fiscais concedidos, deverá perder um volume de receita fiscal que se prevê atinja os 13.739,1 milhões de euros, segundo o próprio governo. Deste total, 9.861,6 milhões de euros de receitas perdidas pelo Estado, ou seja, 71,8%, resultam de benefícios fiscais concedidos às empresas, nomeadamente grandes empresas. Só a receita fiscal perdida devido à zona franca da Madeira atinge 8.335,6 milhões de euros no mesmo período, o que corresponde a 60,7% da receita total perdida. E é sabido que a esmagadora maioria das empresas que utilizam o “offshore” da Madeira para não pagar ou pagar muito menos impostos são grandes empresas, incluindo bancos.

A receita fiscal perdida devido a todos os outros benefícios fiscais concedidos pelo Estado representa apenas 28,2% da receita perdida pelo Estado naquele período e, no âmbito do IRS, somente 12,1%. Se a análise se limitar a 2009, conclui-se que se observa até um agravamento da situação, pois a receita fiscal que se prevê que o Estado perca deverá atingir 3.151,9 milhões de euros, representando a parcela das empresas 73,8% do total de receita perdida pelo Estado devido aos benefícios fiscais e os restantes benefícios somente 26,2%, sendo os no âmbito do IRS apenas 11,4%. É evidente que a medida anunciada por Sócrates, a concretizar-se, embora podendo afectar alguns rendimentos elevados não atinge o núcleo duro dos grandes benefícios fiscais que determinam que o Estado perca, todos os anos, um montante muito elevado de receita fiscal e que são uma das mais importantes causas da injustiça fiscal em Portugal.

OS BANCOS DEDUZIRAM EM TRÊS ANOS 1.762,9 MILHÕES DE EUROS DE PREJUÍZOS O QUE CONTRIBUIU PARA QUE TENHAM PAGO UMA TAXA DE IRC INFERIOR À TAXA LEGAL DE 25%

Para além dos elevados benefícios fiscais de que gozam as empresas, nomeadamente as grandes empresas, estas também conseguem reduzir significativamente o IRC que têm de pagar, através da dedução dos prejuízos que eventualmente tenham tido em anos anteriores.

De acordo com o artº 47º do Código do IRC “os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais exercícios posteriores”. Portanto, se uma empresa teve prejuízos num ano, poderá deduzir esses prejuízos nos lucros dos seis anos seguintes, e assim reduz o IRC que tem pagar ao Estado.

O quadro seguinte, construído com dados fornecidos pelo Ministério das Finanças, dá bem uma ideia da perda de receita que o Estado tem devido a este facto.

QUADRO II – Prejuízos fiscais apresentados pelas empresas e prejuízos deduzidos nos lucros constantes da Declaração de Resultados (Modelo 22) apresentadas pelas empresas às Finanças, e estimativa de receita perdida pelo Estado no período 2005-07

DESIGNAÇÃO

PREJUÍZOS FISCAIS CONSTANTES MODELO 22 DAS EMPRESAS - Milhões euros

RECEITA FISCAL PERDIDA E A PERDER – Milhões euros

2005

2006

2007

SOMA

Já Perdida

A perder Futuro

Prejuízos fiscais apresentados

9 461

8 898

7 738

26 096

Prejuízos fiscais deduzidos nos lucros das empresas

3.946

3.926

3.748

11 620

2.905

3.619

FONTE: Ministério das Finanças e Administração Pública – Informação `a Assembleia da Republica



De acordo com dados fornecidos pelo Ministério das Finanças, os prejuízos apresentados pelas empresas, só no período 2005-2007, totalizaram 26.098 milhões de euros, e os prejuízos deduzidos nos lucros, no mesmo período, somaram 11.620 milhões de euros. Isto significa que o Estado perdeu, apenas neste período e devido à dedução dos prejuízos, um montante de receita fiscal que estimamos em 2.905 milhões de euros e, no futuro, perderá, se se mantiver a mesma disposição do Código do IRC, mais 3.619 milhões de euros de receita fiscal, apenas referentes a prejuízos declarados pelas empresas relativos ao período 2005-2007.

Interessa ainda referir que os próprios bancos, que têm apresentado todos os anos elevados lucros, também têm utilizado o mesmo expediente para reduzir o IRC que têm de pagar, deduzindo prejuízos. Assim, de acordo com uma informação fornecida à Assembleia da República como resultado de um requerimento que fizemos, só no período 2005-2007, os bancos deduziram nos seus lucros 1.762,9 milhões de euros de prejuízos, naturalmente de outras empresas do grupo pois os bancos não têm tido prejuízos, e as empresas de seguros também deduziram um montante de 351,2 milhões de euros de prejuízos nos lucros obtidos, pagando assim menos IRC.

Durante o governo de Guterres, Pina Moura, que era o seu ministro das Finanças, aumentou o período em que as empresas podem deduzir prejuízos de 5 anos, que era o período que vigorou até a essa data, para 6 anos, o que significou mais um beneficio importante para as empresas. Bastava reduzir esse período para 4 anos e introduzir limites, para o Estado obter um acréscimo de receita fiscal que estimamos em 1.450 milhões de euros por ano, que seria mais que suficiente para actualizar adequadamente os escalões do IRS e as deduções que beneficiariam os trabalhadores e a “classe média” de que se lembrou agora o 1º ministro, e reduzir a grave injustiça fiscal existente. No entanto, esta redução do período de dedução do IRC dos prejuízos de 6 anos para 4 anos, fazendo-a coincidir com o número de anos (para trás) que as Finanças, por lei, podem analisar as contas das empresas, o governo de Sócrates sempre se opôs.

COM SÓCRATES OS BENEFICIOS FISCAIS ÁS GRANDES EMPRESAS ATÉ AUMENTARAM E A CLASSE MÉDIA NEM OBTEVE AUMENTOS DOS ESCALÕES DO IRS IGUAL À SUBIDA DE PREÇOS

Em 6 de Março de 2008, este governo aprovou a Resolução do Conselho de Ministros nº 55/2008, que concedeu à GALP uma elevado benefício fiscal. De acordo com o nº2 dessa resolução, como “premio” pelo investimento que esta empresa está a realizar na modernização das refinarias de Sines e Matosinhos, foram concedidos à GALP, pelo governo de Sócrates, “ os benefícios fiscais em sede de IRC que constam do contrato de investimento e do contrato da concessão de benefícios fiscais, sob proposta do Ministro de Estado e das Finanças, atento o disposto do artº 39 do Estatuto de Benefícios Fiscais, tendo, em sede de IRC, sido atribuída pelo conselho de Ministros a majoração de relevância excepcional do projecto para a economia nacional”, ou seja, um crédito de imposto correspondente a 20% do valor do investimento que a empresa realizará, o que determinará uma redução de 221,8 milhões de euros no valor do IRC que esta empresa terá de pagar. Portanto, um quinto de todo o investimento que a a GALP está a realizar neste momento nas suas refinarias será pago com o IRC que deixará de pagar, ou seja, com dinheiros públicos, revertendo depois o investimento realizado na sua totalidade para os seus accionistas. E isto em relação a uma empresa que, devido à inexistência de qualquer controlo efectivo de preços no mercado de produtos petrolíferos em Portugal, tem imposto preços dos combustíveis superiores aos preços médios da União Europeia, embolsando assim elevadíssimos lucros à custa dos consumidores.

E não se pense que é apenas a GALP que tem sido beneficiada com estas benesses do governo de Sócrates dadas através de resoluções dos conselhos de ministros, ou seja, de decisões individuais do governo. Em 2008, só até Outubro, de acordo com uma pesquisa que fizemos no Diário da República, encontramos 18 resoluções de conselho de ministros que concederam benefícios fiscais e outros às empresas Amorim Industrial, Labosal, Euroglava, Solar Plus, Faurecia, Estradas de Portugal, SAFEBAG, Lear, NOKIA, EMBRAER, LATOGAL, TMG, Quimonda, etc.

Durante o debate do Orçamento do Estado de 2009, pedimos directamente ao ministro das Finanças que informasse a Assembleia da República qual era o custo, em termos de perda de receita fiscal, destas resoluções que concediam benefícios fiscais nomeadamente a grandes empresas, mas ele recusou-se a responder.

De acordo com o artº 41º do Estatuto de Benefícios Fiscais a possibilidade do governo poder conceder elevados benefícios fiscais às grandes empresas (investimentos superiores a 5 milhões de euros) terminava no ano 2010. No entanto, mesmo antes de terminar, o governo de Sócrates introduziu na Lei do OE 2009 (Lei 64-A/2009) um artigo (106º) em que obteve uma autorização legislativa para alterar aquele artigo do Estatutos de Benefícios com o objectivo de prolongar esses benefícios concedidos às grandes empresas, à custa da redução das receitas fiscais, pelo menos até 2020.

Enquanto Sócrates revela esta preocupação em relação às grandes empresas, em todos os anos da sua governação ele nunca teve a preocupação de aumentar os escalões do IRS e de actualizar muitas outras deduções que beneficiam os trabalhadores e a “classe média” pelo menos de acordo com a subida da taxa de inflação e dos salários, o que contribuiu para o aumento da carga fiscal sobre estes grupos populacionais.

Em 2005, o governo actualizou os escalões do IRS em 2% e a taxa de inflação subiu 2,3%; em 2006 os escalões subiram 2,3% e os preços 3,1%; em 2007, os escalões foram aumentados em 2,3% e a taxa de inflação foi de 2,4%; e, em 2008, os escalões do IRS subiram 2,1% e a taxa de inflação aumentou em 2,6%. Portanto, em todos os anos do governo de Sócrates, os escalões do IRS subiram menos que a taxa de inflação. É evidente que esta actualização insuficiente dos escalões determinou, para muitos milhares de trabalhadores e elementos da “classe media” próximos dos limites dos escalões, a passagem para o escalão seguinte, o que provocou o salto de escalão, ou seja, uma parte do seu rendimento começou a ser sujeito a uma taxa de IRS superior à que tinha sido aplicada no ano anterior. E apesar de alertado quer na Assembleia da República quer fora dela para esta situação que estava a agravar a injustiça fiscal em Portugal, Sócrates nunca se preocupou: Só agora, naturalmente porque as eleições estão próximas, é que se lembrou da “classe média” em relação a uma situação provocada precisamente pela politica do seu governo.

Antes de terminar interessa chamar a atenção para mais uma situação de grave injustiça fiscal que tem sido mantida pelo governo de Sócrates. De acordo com o artº 67º do Estatuto dos Benefícios Fiscais os dividendos de acções de empresas que foram privatizadas estão isentos em 50% do pagamento de IRC e IRS. A esmagadora maioria destas acções pertencem a grandes grupos económicos nacionais e estrangeiros que se apoderaram dessas empresas. Este benefício fiscal injustificável nomeadamente o concedido aos grupos económicos determina uma perda de receita fiscal superior a 5 milhões de euros por ano. Em todos os debates do Orçamento do Estado temos defendido a eliminação deste benefício. O governo de Sócrates tem-se recusado em fazê-lo. Os comentários parecem inúteis perante a evidência dos factos.

A DIVIDA À ADMINISTRAÇÃO FISCAL ATINGIA, EM 2008, 13.344 MILHÕES DE EUROS E AS PRESCRIÇÕES, SÓ EM 2006 E 2007, SOMARAM 1.021 MILHÕES DE EUROS

De acordo com dados fornecidos pelo governo à Assembleia da República, aquando do debate do OE2009, a um requerimento que fizemos, entre o inicio de 2006 e de 2008, as dividas dos contribuintes aumentaram de 12.965 milhões de euros para 13.344 milhões de euros. A subida só não foi maior porque, só em 2006 e 2007, foram anulados 1.021 milhões de euros devido a impostos que prescreveram devido à incapacidade do Fisco. A conclusão imediata que se tira é a que a divida está a aumentar mais rapidamente do que aquilo que o governo consegue recuperar, apesar das campanhas feita sobre a redução da divida. Tudo isto também contribui para o agravamento da injustiça fiscal em Portugal, porque uns pagam impostos e outros não.

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