Sónia Balasteiro
Há médicos a passar altas demasiado cedo às vítimas de acidentes profissionais, «obrigando-as» a regressar ao trabalho antes de estarem recuperados. Estas acusações partem de vários doentes que viram a sua saúde deteriorar-se por, garantem, não terem sido devidamente acompanhados.
A denúncia surge numa altura em que a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) acaba de revelar que, em 2010, 130 pessoas perderam a vida em situação profissional. O documento sublinha ainda que as doenças de trabalho continuam ««a ser um pesado fardo económico e social» para o país.
«Todos os dias, chegam-nos pessoas desesperadas com a má qualidade dos serviços das companhias de seguros», afirma, por seu lado, o presidente da Associação Nacional dos Deficientes Sinistrados no Trabalho (ANDST), Luís Machado. Médicos que se negam a realizar exames de diagnóstico e dificuldade no acesso à informação sobre os seus direitos são outras das queixas mais recorrentes das vítimas de trabalho com que o SOL falou.
‘Descarregou em mim’
João, de 20 anos, trabalhador rural – um dos sectores mais afectados por acidentes –, nunca imaginou o tormento que o esperava quando, em Dezembro de 2009, escorregou durante a poda das videiras, caindo sobre um joelho. «Accionámos logo o seguro», recorda o agricultor ao SOL. A Lusitânia Seguros encaminhou João para o British Hospital, onde foi operado a uma ruptura de ligamentos. A intervenção foi considerada um sucesso pelo médico que o acompanhava e João iniciou a fisioterapia. Mas, pouco depois, começaram os problemas. «As dores nunca passaram. Sentia-me cada vez pior, não conseguia andar, quanto mais trabalhar», desabafa. Em Fevereiro de 2010, Nuno Ribeiro, o médico assistente, encaminhou o jovem para o seu superior, José Branco, responsável clínico do hospital pela avaliação da alta.
«Naquele dia, ele (José Branco) devia estar mal disposto e descarregou em mim», lembra o agricultor. Perante as suas queixas de que não movia a perna, e portanto não conseguia trabalhar, o médico ter-lhe-á dito que «o que queria era viver às custas do seguro». João insistiu , e pediu uma ressonância magnética ao joelho. Sentia que algo não estava bem. Mas, recorda, «o Dr. José Branco limitou-se a fazer uma ecografia, disse, que não tinha nada, e deu-me alta definitiva».
Uma situação que, conta, lhe saiu caro. Tem poucas esperanças de voltar a andar sem a ajuda de muletas, o que significa perdas acentuadas no seu rendimento. «No campo há muitos trabalhos pesados. Eu só consigo operar máquinas». O caso está neste momento do Tribunal do Trabalho.
O mesmo hospital e o mesmo médico originaram também uma queixa por parte de Manuela Rodrigues, técnica de contabilidade de 40 anos. Em Janeiro do ano passado, estava a chegar ao emprego, quando caiu num buraco na passadeira, na baixa de Lisboa.
Depois de ser operada ao pé no Hospital de São José, ficando com um parafuso compressivo, Manuela foi encaminhada pela Lusitânia para o British Hospital. Em Junho, numa consulta para a avaliação da alta, o médico, acusa, ignorou as suas queixas de que não conseguia assentar o pé no chão e que não estava preparada para regressar ao trabalho. «Disse-me: ‘Tome um benuron que isso passa’». E Manuela teve de voltar ao emprego. Mas por pouco tempo: não conseguia mover o pé. Em Janeiro deste ano, Manuela foi de novo operada, e voltou para casa. «Na seguradora nunca me informaram daquilo a que teria direito, nomeadamente a mudar de médico», revolta-se esta técnica de contabilidade que também meteu o caso no Tribunal de Trabalho.
Reclamou também à Lusitânia e apresentou queixa no Instituto de Seguros de Portugal – 5€% das situações reportadas ao organismo referem-se a sinistros de trabalho.
Questionado pelo SOL, Virgílio Lima, administrador da Lusitânia, não comentou o caso, garantindo que «o regime de reparação é escrupulosamente cumprido» pela companhia.
Pedro Rosado, de 42 anos, que ficou sem uma perna depois de levar um tiro na virilha à porta da sua tabacaria, também garante que erros na atribuição da alta lhe transformaram a vida num inferno. Em Dezembro do ano passado, os médicos do Hospital da Boavista, no Porto, prestador de serviços da sua seguradora, consideraram que não havia mais nada a fazer pelo doente – estava pronto para ir para casa.
Na alta, atribuíram-lhe um grau de incapacidade de 80%, reduzindo-lhe a pensão de 375 pra 200 euros mensais. Além disso, diminuíram o valor pago pela seguradora à mulher de Pedro para o acompanhar. É que o doente incapacitado tem direito a indicar alguém para o ajudar no dia-a-dia e ele escolheu a companheira, que se teve de despedir do emprego que tinha. «Pagavam-lhe oito horas, mas depois os médicos consideraram que eu só preciso de ajuda durante quatro horas por dia».
Hoje vivem afundados em dificuldades financeiras e problemas psicológicos. Pedro Rosado, que já reclamou junto da Seguradora Fidelidade, aguarda agora a resposta do Tribunal do Trabalho sobre o seu processo.
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