Uma das formas clássicas de manipulação da opinião pública é tomar como a totalidade de uma noticia apenas uma parte dela, por vezes uma parte acessória, e depois, como a opinião não tem a acesso à totalidade e por isso não a pode controlar, divulgar essa parte como fosse a totalidade, escondendo desta forma o essencial da noticia. É isso precisamente o que tem acontecido nas últimas semanas em Portugal a propósito da redução do direito aos apoios sociais e em relação ao subsidio de desemprego, cujo direito e valor foram também reduzidos.
O governo lançou uma gigantesca operação de manipulação da opinião publica com o objectivo de convencer esta, que a legislação que publicou recentemente (Decretos Lei 70/2010; 72/2010, e 77/2010), visa apenas introduzir maior rigor na atribuição dos apoios sociais excluindo apenas aqueles que não necessitam e não têm direito a eles. E a campanha, que assentou em múltiplas declarações de membros do governo, nomeadamente do Ministério do Trabalho, centrou-se fundamentalmente na obrigação agora dos beneficiários, para terem direito a esse apoio, de autorizar o acesso às contas bancárias e de passarem a serem considerados a totalidade dos seus rendimentos. Muitos órgãos de informação, intencionalmente ou por não terem estudado a legislação publicada, acabaram por participar nesta campanha de manipulação da opinião pública ao reduzirem a noticia apenas a este aspecto referido pelo governo, "esquecendo" de acrescentar também na noticia que divulgavam, as alterações mais graves constantes dos Decretos-Lei 70/2010, 72/2010 e 77/2010. E as alterações mais graves introduzidas pelo governo na legislação que estava em vigor não são as mencionadas pelo governo e por muitos órgãos de informação de uma forma repetida.
A nível de apoios sociais a alteração mais grave foi aquela que o governo introduziu (e isso tem sido sistematicamente silenciado) no cálculo da chamada "condição de recursos" que determina que se tenha ou não direito ao apoio social. E essa alteração feita pelo governo visa aumentar artificialmente o rendimento "per capita" familiar para assim excluir dezenas de milhares de portugueses do acesso aos apoios sociais. Para se ter uma ideia da dimensão da exclusão basta dizer que o próprio governo prevê, com esta alteração e não com o aumento do "rigor", obter uma "poupança" de 200 milhões de euros por ano com as alterações que introduziu na legislação que estava em vigor.
Para conseguir isso o governo alterou duas condições fundamentais utilizadas no cálculo do rendimento "per capita" familiar. E essas duas condições são as seguintes: Diferentemente do que sucedia antes, passou a ser considerado no seu cálculo o rendimento de pessoas que antes não eram consideradas como as pensões dos avós e as remunerações dos filhos maiores que, sob o ponto de vista fiscal, são considerados como contribuintes autónomos. E, em segundo lugar, com excepção do primeiro adulto, que corresponde ao coeficiente "1", o coeficiente aplicado aos restantes adultos é apenas de "0,7" por cada, e aos filhos menores apenas "0,5". Por exemplo, uma família com os 2 progenitores e dois filhos menores que antes eram considerados 4 pessoas, por isso o rendimento familiar era até aqui dividido por 4 para se obter um rendimento "per capita", que determina que se tenha direito ou aos apoios sociais, agora com a alteração aprovada pelo governo, os mesmos dois adultos e duas crianças só contam como 2,7 (1+0,7+0,5+0,5=2,7) e, consequentemente, o rendimento familiar é dividido não por 4 mas apenas por 2,7, o que faz subir artificialmente o rendimento "par capita" familiar sendo excluído, desta forma, dezenas de milhares de portugueses do direito a apoios sociais mesmo que estejam no limiar da pobreza (358€/mês). Se se incluir as pensões dos avós e as remunerações dos filhos maiores independentes a situação ainda se agrava mais pois o coeficiente atribuído a cada um é apenas 0,7. Ora tudo isto tem sido "esquecido" sistematicamente quer pelo governo quer por alguns dos grandes media na sua campanha de manipulação da opinião pública.
Uma outra medida com efeitos semelhantes é a que o governo também tomou a nível do subsídio de desemprego sistematicamente esquecida. Com o início da actual crise, com a subida do desemprego, o governo tinha decidido que para ter acesso ao subsídio de desemprego era suficiente ter descontado 365 dias para a Segurança Social nos últimos dois anos. Com a alteração que introduziu agora na lei do subsidio de desemprego passam a ser necessários 450 dias de descontos para a Segurança Social, o que determina que milhares de desempregados com emprego precário, quando sejam despedidos, deixem de ter direito ao subsidio de desemprego, pois não conseguem descontar aquele numero dias para a Segurança Social.
São estas algumas das alterações importantes que foram introduzidas na legislação anterior e que tanto o governo como muitos media têm "esquecido" configurando assim, objectivamente, uma autêntica campanha de manipulação da opinião pública e de falta de objectividade na informação.
Mas a campanha de manipulação da opinião pública não se tem limitado apenas a isto. Nos últimos dias ela abrangeu também os dados sobre o desemprego, com a utilização dos publicados mensalmente pelo IEFP:
CONTINUAM A SER ELIMINADOS DEZENAS DE MILHARES DE DESEMPREGADOS DOS FICHEIROS DOS CENTROS DE EMPREGO SEM QUE SE DIVULGUEM AS RAZÕES
Uma forma de reduzir o desemprego registado nos Centros de Emprego é eliminar, administrativamente, milhares de desempregados dos ficheiros dos Centros de Emprego. É isso o que os responsáveis do IEFP fazem todos os meses sem que se dignem divulgar as razões que os levam a fazer isso. Basta fazer umas contas muito simples para concluir isso.
De acordo com os dados divulgados mensalmente pelo IEFP no dia 1 de Janeiro de 2010 estavam inscritos nos Centros de Emprego 524.674 desempregados. Nos primeiros 6 meses de 2010 inscreveram-se nos Centros de emprego mais 346.995 desempregados e os Centros de Emprego colocaram (arranjaram emprego), durante o mesmo período, apenas a 34.604 desempregados. Portanto, se somarmos aos 524.674 desempregados que existiam em 1.1.2010, os que se inscreveram durante o 1º semestre – 346.995 – e se depois retiramos os que foram colocados – 34.604 – obtém-se 837.065 desempregados. Era este o número de desempregados registados nos Centros de Emprego que devia existir em 30/06/2010. Mas o IEFP divulgou que existiam inscritos no Centros de Emprego, nesta data, apenas 551.868 desempregados. Portanto, faltam 285.197 desempregados que foram eliminados dos ficheiros dos Centros de Emprego por decisão dos responsáveis pelo IEFP, nomeadamente por decisão do seu presidente, cujas razões este se tem recusado divulgar apesar de solicitado. O gráfico seguinte mostra de uma forma clara o numero de desempregados eliminados mensalmente dos ficheiros dos Centros de Emprego em 2010.
Janeiro de 2010 foi o mês em que o número de desempregados eliminados dos ficheiros dos Centros de Emprego foi mais baixo, tendo sido compensado por aumento significativo das eliminações em Fevereiro de 210. Durante o 1º semestre de 2010, foram eliminados em média mensalmente cerca de 47.500 desempregados dos ficheiros dos Centros de Emprego. É também desta forma que são obtidos o numero de desempregados divulgados mensalmente pelo IEFP.
O NUMERO DE DESEMPREGADOS A RECEBER O SUBSIDIO DE DESEMPREGO ESTÁ A DIMINUIR
O número de desempregados a receber o subsidio está a diminuir como mostra o gráfico. E isto antes mesmo de entrarem em vigor as alterações da lei que vai reduzir o acesso ao subsídio.
Em Junho de 2010, o número de desempregados a receber subsidio desemprego era de 352.846, quando em Abril do mesmo ano tinha atingido 368.940, ou seja, mais 16.094 desempregados.
CERCA DE 200 MIL DESEMPREGADOS INSCRITOS NOS CENTROS DE EMPREGO NÃO RECEBEM SUBSIDIO DE DESEMPREGO
A redução do número de desempregados a receber o subsídio de desemprego não resulta do facto de não existirem desempregados inscritos nos Centros de Emprego que não recebam subsidio, como prova o gráfico seguinte construído com os dados divulgados pelo IEFP.
No fim de Junho de 2010, mesmo depois da "limpeza" feita nos ficheiros dos Centros de Emprego ainda existiam 199.022 desempregados que não recebiam qualquer subsidio.
MAIS DE 100 MIL DESEMPREGADOS RECEBEM O SUBSIDIO SOCIAL DE DESEMPREGO CUJO VALOR É INFERIOR AO LIMIAR DA POBREZA
Como revela o gráfico construído com dados divulgados pelo Ministério do Trabalho no "site" da Segurança Social, cerca de 31% dos desempregados que recebem subsidio de desemprego estão a receber o subsídio social de desemprego cujo valor é inferior ao limiar da pobreza (354,85€/mês para 14 meses), apesar deste ser calculado com valores de 2008, portanto estar perfeitamente desactualizada, facto esse que também não tem sido referido pelos media.
Portanto, em Junho de 2010, estavam a receber subsídio de desemprego apenas 251.156 desempregados e o subsidio social de desemprego (inicial, subsequente e prolongamento), de valor muito inferior (inferior ao próprio limiar da pobreza) como mostra o gráfico seguinte, era recebido por 109.502.desempregados.
Em Junho de 2010, o valor recebido em média por beneficiário, segundo os dados da Segurança Social divulgados pelos Ministério do Trabalho, eram os seguintes: (a) Subsidio de desemprego: 523,91€; (b) Subsidio social de desemprego: 322,51€; (c) Subsidio social de desemprego subsequente: 343,14€; Prolongamento do subsidio social de desemprego: 299,21€. Recorde-se que o limiar da pobreza, mesmo com base em valores desactualizados de 2008, é de 354,85€..
MAIS DE UM MILHÃO E CEM MIL TRABALHADORES PRECÁRIOS EM PORTUGAL
Segundo o comunicado de imprensa do Eurostat, o serviço oficial de estatística da União Europeia, nº 117/2010 de 4 de Agosto deste ano, a percentagem de assalariados com contratos a prazo em Portugal atingia 22% , quando a média na União Europeia era de 13,5%. Tendo em conta que a população empregada em Portugal no fim de 2009 era de 5.008,7 mil segundo o INE, uma taxa de 22% significa que 1.105.170 portugueses têm trabalho precário em Portugal já no fim de 2009. Como o INE divulgou que no fim de 2009 existiam no País 714,5 mil portugueses com contrato a prazo, isto significa que existiam mais 390,7 mil portugueses numa situação de emprego precário que não constavam das estatísticas oficiais de emprego em Portugal. O ministro da Economia confrontado com a gravidade desta situação respondeu, como tivesse feito uma grande descoberta, que isso resultava da utilização de metodologias diferentes, embora não tenha desmentido os dados do Eurostat.
Estes dados do Eusrostat sobre a dimensão da precariedade e da pobreza em Portugal mesmo entre a população empregada (tenha presente que o salário médio de um trabalhador com contrato a prazo corresponde, em média, entre 70% e 80% de um trabalhador com contrato permanente) são extremamente graves, pois estes trabalhadores são facilmente despedidos (mais de 40.000 por mês segundo o IEFP), e quando caiem no desemprego ou não têm direito ao subsidio do desemprego ou caiem na nova "trituradora" do subsidio do desemprego que, de acordo com as alterações à lei do subsidio do desemprego (Decreto-Lei 220/2006) aprovadas pelo governo no fim do 1º semestre de 2010 (Decreto-Lei 72/2010), são obrigados a aceitar um emprego, sob pena de perderem o subsidio que recebem, desde que o salário oferecido seja igual a 75% do salário liquido do emprego anterior. Tendo em conta que o subsidio médio de desemprego naquela data era, em Junho de 2010, de 523,91€, e sabendo que até o subsidio de desemprego correspondia a 65% do salário ilíquido, isto dá um salário médio, sobre os quais os descontos para a Segurança Social foram feitos, de 806 euros. Mas 75% de um salário liquido de 806 euros corresponde apenas 508 euros. E sobre este salário o trabalhador ainda terá de descontar para a Segurança Social e IRS ficando apenas com 442 euros líquidos. É também desta forma concreta, e com a ajuda do governo, que a taxa de exploração dos trabalhadores em Portugal é aumentada, e perpetuado o modelo de "desenvolvimento" baseado em baixos salários.
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