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17/08/2010

Lei não obriga à integração dos falsos recibos verdes

É impossível forçar uma empresa a integrar nos quadros de pessoal um falso recibo verde. A lei em vigor não protege a parte mais fraca - o trabalhador -, torna a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) ineficaz no combate a esta forma de precariedade laboral, dificulta a prova da existência de um contrato de trabalho dissimulado e possibilita que o infractor demita o funcionário pagando uma indemnização.

De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) e da ACT, citados pelo 'Público', o número de trabalhadores precários tem tido um aumento regular na última década, mas, apesar do aumento significativo do número de inspecções da ACT a empresas nacionais e da detecção de mais trabalhadores irregulares, os números de falsos recibos verdes detectados quase não têm crescido.

Maria Armanda Carvalho, presidente do Sindicato dos Inspectores do Trabalho, considera que, “dentro do quadro legal vigente, a ACT é eficaz no combate aos falsos recibos verdes”, mas, em declarações ao 'Público', deixa um alerta: "Será que o quadro legal atinge os objectivos pretendidos de combate à dissimulação do contrato de trabalho? Todos temos de reflectir se este modelo é suficiente."

De acordo com aquele jornal, a ACT tem poder para suspender uma empresa, sem qualquer decisão judicial, quando se trate de violações às normas de segurança e higiene no trabalho, mas está limitada no combate a um tipo de infracção flagrante à legislação laboral, que permite à empresa fugir ao pagamento de impostos e descontos para a Segurança Social (23,75% do salário do trabalhador), demitir a qualquer momento e sem compensação financeira o trabalhador, que já faz os seus próprios descontos sociais, o triplo do exigido aos assalariados, e não tem a protecção do subsídio de desemprego.

A ACT tem mais poderes em matéria de segurança e higiene no trabalho. Quando detecte casos que podem fazer perigar a segurança dos trabalhadores, suspende a actividade da empresa até que tudo esteja conforme a lei. E sem qualquer decisão judicial.

Àquele diário, o Ministério do Trabalho lembra que o Código do Trabalho em vigor desde o ano passado acolheu queixas da ACT, pois considera que existe um contrato de trabalho dissimulado desde que se provem duas de cinco situações descritas na lei (ver descrição no fim deste texto) e aumentou as coimas aplicadas aos empregadores infractores. O governo justifica ainda os números com a crise económica e a situação actual no mercado trabalho.

Mas, apesar das alterações na lei salientadas pelo Ministério, na prática tudo continua na mesma. Um dos problemas principais que a ACT enfrenta é o recuo do próprio trabalhador quando tem de ir a tribunal, pois, enquanto o processo decorre, nada impede a empresa infractora de o demitir.

Em primeiro porque, segundo o 'Público', a lei não permite à ACT obrigar as empresas a integrarem os falsos recibos verdes. O organismo de inspecção só pode ameaçar com a aplicação de multas elevadas se o trabalhador não for integrado no quadro do pessoal. Mas à empresa basta-lhe contestar as multas em tribunal e nem sequer tem de entregar garantias que cubram as coimas, ao contrário do que acontece com os falsos recibos verdes, a quem é exigida a apresentação de garantias bancárias e de uma acção judicial contra o empregador para que a cobrança coerciva de dívidas por parte da Segurança Social ou do Fisco seja suspensa.

Em segundo, porque, mesmo que a empresa pague as multas ou perca a acção em tribunal e a existência de um contrato dissimulado seja reconhecida, o trabalhador é obrigado a apresentar nova acção em tribunal, usando as multas como prova. Mas, se não quiser esperar, o trabalhador é obrigado a avançar sozinho para tribunal e fazer prova de que é um falso recibo verde, mas nada impede a empresa de, entretanto, o demitir.

Em terceiro, porque, se for demitido enquanto intenta uma acção judicial ou após a empresa ter sido inspeccionada pela ACT, o trabalhador é obrigado a ir novamente para tribunal , alegando despedimento ilegal, mas nada obriga a empresa a integrá-lo: basta-lhe pagar uma indemnização que corresponda ao dobro do valor devido.

A estes obstáculos, noticia o 'Público', há que juntar a lentidão habitual nos tribunais portugueses e a falta de técnicos na ACT para elaborar os processos de contra-ordenação. Em breve entrarão 56 funcionários, mas no passado o próprio organismo chegou a recorrer a trabalhadores a recibos verdes, o que gerou polémica.

CÓDIGO DO TRABALHO

Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro

(…)

Artigo 12.º

Presunção de contrato de trabalho

1 – Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:

a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;

b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;

c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;

d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;

e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.

http://dn.sapo.pt/bolsa/emprego/interior.aspx?content_id=1642318

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