À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.

19/08/2010

Filhas da mãe

Jorge Cordeiro

Dá pelo nome de «mães e filhas». Aos que postos a adivinhar se preparam para, antecipando o que se escreverá, ver na designação nome de filme, revista de sociedade ou série neonatal, se dirá que errados estão. Podendo ser por coincidência o que cada um se deitou a imaginar, e que com aquele nome bem podia ser, a «mães e filhas» que para aqui foi chamada é tão só designação de directiva comunitária. Por antecipação a quaisquer justas observações criticas quanto ao despropósito de, com tanto assunto para tratar, vir para aqui encher o texto com directivas, se esgrimirá em sua defesa que esta é parte activa da rede por onde se esfumam milhões ganhos em movimentos financeiros e operações especulativas que seriam devidos ao fisco.

Dela não se falaria, não se desse o caso de ser oportunamente invocável a propósito do caso PT e da evaporação fiscal de muitos milhões de euros de mais valias obtidos com o negócio da Vivo. Expliquemos por palavras simples o que a directiva, seguramente em rebuscado articulado, como convém ao que não pode parecer óbvio, abre portas. Ponto um: dispõe a directiva, em nome de uma alegada prevenção de dupla tributação, que as transacções entre a empresa mãe e as empresas filhas estão isentas de tributação; ponto dois: vai daí, a PT «mãe» criou, quando da compra da Vivo no Brasil, a PT «filha» que baptizou de Brasilcel BV; ponto três: prevenida, como é dever de mãe, estabeleceu-lhe morada em paraíso fiscal da Holanda; ponto quatro: a PT «mãe» vende, com um ganho superior a seis mil milhões relativamente ao preço que havia comprado, a Vivo à Telefónica; ponto cinco: o capital ganho é encaixado pela empresa «filha» na Holanda onde não paga impostos; ponto seis: a filha transfere para a «mãe» os dividendos também livres de impostos em nome da directiva; ponto sete: cá chegados, os dividendos ficam, a coberto do estatuto de SGPS, isentos de tributação.

Poder-se-ia dar outro nome à coisa. Mas para não ir mais longe nesta rebuscada saga familiar em que o pai não dá a cara, embora por capitalismo seja conhecido, melhor se designaria a directiva como «filha da mãe».

http://www.avante.pt/pt/1916/opiniao/110099/

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