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19/08/2010

Pobreza e rendimento mínimo

Ilda Figueiredo

Estamos no segundo semestre do Ano Europeu de Luta Contra a Pobreza, e, provavelmente, a União Europeia atingiu o número mais elevado de pessoas em situação de pobreza, nesta União Europeia onde os lucros de grupos económicos e financeiros continuam a subir escandalosamente e onde as desigualdades na redistribuição dos rendimentos não param de aumentar.

Mesmo usando os critérios do Eurostat e os últimos dados oficiais publicados em 18/01/10 sobre «Condições de vida em 2008», podemos constatar que a taxa de risco de pobreza se situava em 17 por cento a nível da União Europeia, usando um limiar de pobreza que calculam com base em 60 por cento do rendimento mediano nacional de cada Estado, já depois das transferências sociais (pensões e reformas, subsídios de desemprego e apoios sociais diversos).

Para Portugal, esse limiar situa-se em cerca de 420 euros mensais, mas, já nessa época, a taxa de risco de pobreza era de 18 por cento, sendo que, nas crianças e jovens com menos de 18 anos, a taxa atingia os 23 por cento, nos idosos com 65 ou mais anos estava nos 22 por cento e para os trabalhadores com emprego chegava aos 12 por cento. O que também demonstra que a proliferação do trabalho precário e mal pago aumenta o número dos trabalhadores que não conseguem ganhar o suficiente para sair da situação de pobreza. Em Portugal, o rendimento social de inserção e algumas pensões são inferiores a metade do limiar de pobreza, pelo que se limitam a atenuar a pobreza extrema mas não resolvem o problema da pobreza relativa.

Outros indicadores sociais do próprio Eurostat sobre a chamada taxa de privação material, revelavam que, também nesse ano, em Portugal, essa taxa era de 23 por cento, enquanto na Espanha era de apenas nove por cento. E, por exemplo, quanto à percentagem da população que não tinha meios para um aquecimento adequado da casa, em Portugal a percentagem era de 35 por cento, enquanto em Espanha era de cinco por cento.


120 milhões de pobres


Com o agravamento do desemprego e as políticas anti-sociais não é difícil concluir que todos aqueles dados se agravaram, particularmente em Portugal. Neste momento, a nível da União Europeia, cuja população ultrapassou os 500 milhões de habitantes, poderemos ter cerca de 120 milhões de pessoas ameaçadas de pobreza, como, aliás, na reunião de 7 de Julho, os ministros dos Assuntos Sociais da UE admitiram.

Se persistirem nas políticas que estão a praticar, o Ano Europeu de Luta Contra a Pobreza ficará tristemente assinalado pelos maiores níveis de pobreza das últimas décadas em diversos países da União Europeia, com destaque para Portugal e vários da Europa de Leste, onde foram destruídos parte dos apoios sociais que havia antes da adesão à União Europeia e onde prossegue, igualmente, um ataque a apoios sociais e a serviços públicos em áreas fundamentais para o combate à pobreza, como a saúde, a educação e cultura, a segurança social, a água e o próprio alojamento social, que deveria incluir o acesso à energia.

Nesta área merece destaque o relatório que se aprovou na Comissão do Emprego e Assuntos Sociais do Parlamento Europeu sobre «O papel do rendimento mínimo na luta contra a pobreza e a promoção de uma sociedade inclusiva na Europa», de que fui relatora. Aí sublinha-se, designadamente, que a pobreza e a exclusão social são violações dos direitos humanos e que o objectivo central dos sistemas de ajuda ao rendimento deve visar a saída da pobreza, o que exige medidas concretas: criação de emprego com direitos, acesso a serviços públicos e de protecção social, redistribuição dos rendimentos e criação de um rendimento mínimo em cada Estado-membro que tenha por base o valor do limiar de pobreza. O que implica garantir a integração de objectivos sociais nas políticas macroeconómicas, tornando-os parte integrante da estratégia para sair da crise, através da redefinição das prioridades e das políticas, nomeadamente das políticas macroeconómicas, designadamente monetárias, de emprego e sociais, do Pacto de Estabilidade, das políticas de concorrência e do mercado interno, das políticas orçamentais e fiscais e da própria estratégia «Europa 2020». No próximo mês de Outubro teremos o debate e votação deste relatório na sessão plenária do Parlamento Europeu. Será o momento de ver se a maioria dos deputados aceita insistir junto da Comissão Europeia e do Conselho na criação de um mecanismo efectivo que consagre um rendimento mínimo europeu, baseado no limiar de pobreza de 60 por cento do rendimento mediano de cada Estado-membro, sempre no respeito do princípio da subsidiariedade, da especificidade das legislações nacionais e dos sistemas de contratação colectiva, mas com força jurídica equivalente às restantes políticas macroeconómicas. Será uma oportunidade para garantir que o Ano Europeu de Luta contra a Pobreza não seja apenas um fogo-fátuo.

http://www.avante.pt/pt/1916/europa/110117/




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