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11/07/2010

Uma outra Estória de Vendilhões

Correia da Fonseca

Utilizando o direito que lhe é conferido pelas chamadas «golden shares», fracções de capital que implicam alguns poderes especiais, o governo português vetou a venda pela Portugal Telecom à espanhola Telefónica de uma importante participação no capital da Vivo, grande empresa brasileira de telecomunicações.

Como se viu, caíram o Carmo e a Trindade nos arraiais do grande capitalismo português e europeu, seus servidores, agentes e homens-de-mão. Na televisão, privilegiada fonte de informação e formação da arraia-miúda portuguesa, assistiu-se a uma ofensiva supostamente informativa que se pareceu muito com uma autêntica lavagem de cérebros, dos nossos cérebros de telespectadores quase sempre inclinados a crer que, se foi dito na televisão, deve ser verdade.

Tendencialmente, terá facilitado o êxito da operação o facto de se tratar de contestar uma decisão do governo, e bem se sabe como andam os portugueses muito escaldados com decisões do governo, pelo que estava o terreno em condições propícias ao êxito da argumentação contestante.

Dizem as gentes de Esquerda, e não apenas elas mas também os técnicos que não sendo de Esquerda são honestos, que desta vez andou muito bem o governo por ter vindo defender os interesses nacionais perante a gula de capitais estrangeiros.

E a quem eventualmente pergunte quais interesses, responderão talvez que são a preservação de uma presença portuguesa numa grande empresa do Brasil (quando capitais espanhóis tendem a «invadir» a economia brasileira depois de estarem muito presentes nas economias sul-americanas de língua castelhana), a redução da dimensão de uma das grandes empresas nacionais que ainda geram efeitos positivos na área das receitas fiscais e na da criação de emprego qualificado, a renúncia a uma situação financeira prestigiante em país estrangeiro mas de certo modo especialmente próximo.

É certo que se diz, provavelmente com razão, que a atitude do governo português teve motivações políticas de cariz eleitoralista: depois de tantas medidas danosas para o povo português, terá usado esta intervenção para que, «ficando bem no retrato», pudesse recuperar algum apoio perdido. Ainda assim, porém, não parece reprovável que o governo de Portugal defenda os interesses do País mesmo que movido pelo seu próprio interesse.

Interessantes e significativos são os argumentos invocados na TV pela chusma dos cavalheiros dessa indústria peculiar que é a manipulação social. Alegam eles, fundamentalmente, que a defesa de interesses nacionais perante a invasão por capitais estrangeiros se tornou ilegal perante a modernidade legislativa que impõe a livre circulação do capital por cima das fronteiras políticas, tornadas obsoletas pelo menos perante os interesses financeiros.

Um desses exemplares chegou mesmo ao ponto de sustentar que uma atitude patriótica em casos destes é inaceitável e já não se usa. Vários vieram ameaçar com Bruxelas, seguros de que a Comissão Europeia, longe de estar ao lado dos povos da Europa, está sem dissimulações ao serviço dos grandes senhores dos dinheiros, já tendo dado aliás sinal disso quanto a este caso. Defendem a liberdade do mais forte abocanhar o mais vulnerável, e parece claro que esta não é a mais linda das liberdades.

Se quisermos ser ingénuos, podemos acreditar que estas posições supostamente legalistas são apenas resultado do platónico desejo de ser um bom aluno do capitalismo neoliberal na moda. Porém, é difícil esquecer que os espanhóis ofereceram uma boa maquia no caso de se consumar a venda da participação na Vivo, e perante este dado podem surgir à tona da memória expressões desagradáveis que contudo parecem ter uma impertinente oportunidade. Por exemplo, a velha adjectivação de «vende-pátrias» para caracterizar os que decidem trocar os interesses do seu próprio país pelo encaixe de sedutoras quantidades de dinheiro. Ou, mais moderadamente, a palavra «vendilhões».

Os que neste caso se batem pela transacção até apresentaram dois argumentos curiosamente contraditórios. Por um lado, lembram que a entrada em Portugal de uns bons milhões de euros até vai ajudar a situação financeira nacional. Por outro lado e quase simultaneamente, sugerem que esse valor seja reinvestido noutra aplicação no estrangeiro, eventualmente no Brasil, para manutenção da presença financeira portuguesa fora de portas.

A contradição não os embaraça.

Entende-se: o que é preciso é defender simultaneamente as regras do capitalismo sem pátria e o abastecimento das suas insaciáveis algibeiras.

http://www.odiario.info/?p=1666

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