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11/07/2010

Plano de austeridade agrava desigualdades em Portugal

Eugénio Rosa

RESUMO DESTE ESTUDO

O governo e o PSD aprovaram um plano de austeridade, mais conhecido por PEC1 e PEC2, que visa reduzir o défice orçamental de 9,3% para apenas 2% em 2013. Sócrates e o seu ministro das Finanças, têm procurado fazer passar a mensagem junto da opinião pública que esse plano distribui, de uma forma equitativa e justa, os sacrifícios. Mas isso não é verdade, como se prova utilizando os dados do próprio governo constantes do Relatório de Orientação de Politica Orçamental 2010 que apresentou na Assembleia da República na 1ª semana de Julho deste ano.

Para obter aquela redução do défice de 7,3 pontos percentuais, o governo tenciona, entre 2010-2013, reduzir as despesas publicas em 15.474 milhões €, e aumentar as receitas do Estado, fundamentalmente através da subida de impostos, em cerca de 22.182 milhões de euros.

Da redução das despesas em 15.474 milhões €, 5.057 milhões €, ou seja, 32,7%, são cortes nas Despesas com Pessoal da Administração Pública. Para conseguir isto, o governo, com o apoio do PSD, tenciona congelar as remunerações e as carreiras, antecipar entrada em vigor da idade de aposentação de 65 anos, congelar todas as entradas de trabalhadores na Administração Pública o que, para além de contribuir para o aumento do desemprego nomeadamente de jovens (o Estado era o principal empregador de jovens licenciados), também provocará a degradação de serviços públicos essenciais, como já está a suceder na saúde, na educação, na segurança social, na cobrança de impostos, no combate à evasão e fraude fiscal, no cumprimento das leis laborais, etc.. Para além disso, o governo tenciona no período 2010-2013 reduzir as transferências do Orçamento do Estado para a Segurança Social destinadas ao combate à pobreza em cerca de 3.828 milhões €. Para conseguir isso, o governo tenciona, por um lado, congelar as prestações sociais com valores entre os 100€ e 300€, portanto abaixo do limiar da pobreza e, por outro lado, agravar a chamada "condição de recursos" para excluir milhares de pobres do acesso a estas prestações. O Decreto-Lei 70/2010, que o governo acabou de publicar tem precisamente esse objectivo. Será isto uma repartição justa ou equitativa dos sacrifícios como afirma o governo? Ou tais declarações governamentais terão como objectivo enganar deliberadamente a opinião pública? São as perguntas que naturalmente surgem. E com maioria de razão, porque os restantes cortes na despesa que o governo pretende fazer são no investimento público (menos 2.140 milhões de euros; o grave não seria o congelamento do TGV, mas sim que este investimento não seja substituído por um outro de maior interesse económico e social para o desenvolvimento equilibrado do País, como é a modernização da ferrovia convencional em que todos os investimentos estão praticamente parados); e nos consumos intermédios da Administração Pública, podendo estes afectar alguns serviços públicos como a saúde. As declarações de Passos Coelho e do PSD de que é necessário reduzir drasticamente a despesa pública sem olhar às consequências determinará, se o PSD for governo, a redução ainda maior das despesas com a saúde, educação e segurança social, porque só estas representam mais de 62% das despesas, e para haver redução significativa tinha-se de cortar nestas. Depois os portugueses seriam obrigados a pagar esses serviços essenciais a privados a preços elevados.

Em relação ao aumento de 22.182 milhões € nas receitas no período 2010-2013, 12.735 milhões €, ou seja, 57,4% resultam de aumentos de impostos. Se dividirmos os impostos em dois grandes grupos – impostos que incidem fundamentalmente sobre trabalhadores e pensionistas, e impostos que incidem sobre empresas e especuladores financeiros – a conclusão é a seguinte: Os trabalhadores e pensionistas suportarão cerca de 77,4% do aumento de impostos (9.857 milhões €); apenas 22,6% do aumento (2.878 milhões €) será suportado pelas empresas e especuladores financeiros. Só o adicional no IRS de 1% e 1,5% determinará, segundo dados fornecidos pelo governo à Assembleia da República, que a retenção de IRS aumente, por ano, em 656 milhões €, sendo 320 milhões € nos rendimentos tributáveis até 17500€/ano, ou seja, mais do que a receita da tributação de mais valias bolsistas, que é de 250 milhões €/ano. Dizer que isto representa uma distribuição justa dos sacrifícios, como faz o governo, é querer enganar a opinião pública.

A receita em falta (42,6% do total) teria como origem a privatização das empresas públicas ou partes de capital ainda detidas pelo Estado (REN, CTT, EDP, GALP, etc.), e resultante dos limites que pretende impor ao endividamento das empresas públicas, as quais enfrentam graves dificuldades financeiras pelo facto do Estado não assumir as suas responsabilidades, o que poderá obrigá-las a aumentar muito os preços de serviços prestados à população (Metro, CP, etc).

É evidente que a redução da despesa pública e do poder de compra da população, determinada pelo aumento dos impostos, só pode gerar mais recessão e mais desemprego.

Uma das mensagens mais repetidas por Sócrates e pelo seu ministro das Finanças é que o plano de austeridade (PEC1 e PEC2) para o período 2010-2013, aprovado conjuntamente pelo governo e pelo PSD, que visa reduzir o défice orçamental de 9,3% para apenas 2% do PIB, distribui, de forma equitativa e justa, os sacrifícios. Ora isso não é verdade. Para o provar vamos utilizar os próprios dados do governo, transformando as percentagens do PIB do documento do governo em euros, e analisando depois que classes sociais terão de os pagar.

Para fazer isso, utilizou-se a informação constante da pág. 19 do Relatório de Orientação da Politica Orçamental 2010 entregue pelo governo, no inicio de Julho, na Assembleia da República onde foi debatido em 9.7. Como o governo quantifica os efeitos das medidas em percentagens do PIB, o que torna difícil a leitura por quem não esteja habituado a utilizar variáveis macroeconómicas, para descodificar e tornar os valores claros para qualquer leitor a primeira coisa que tivemos de fazer foi estimar, para o período 2010-2013, os valores do PIB português a preços correntes. Para isso, usou-se as taxas de crescimento do PIB real, de inflação, e do deflator do PIB utilizados pelo próprio governo. E os valores que se obtiveram para o PIB nominal, a partir desses dados governamentais, foram os seguintes: PIB de 2010: 170.663 milhões €; de 2011: 174.947 milhões €; de 2012: 180.409 milhões €; e de 2013: 187.145 milhões €. E é com base nestes valores do PIB assim obtidos, e utilizando "as percentagens do PIB referentes aos efeitos directos por comparação com cenário de ausência de medidas", constantes da pág. 19 do Relatório apresentado pelo governo que se calcularam os valores dos quadros I e II.

57% DO CORTE NAS DESPESAS INCIDE SOBRE OS TRABALHADORES DA FUNÇÃO PUBLICA E POBRES, 13,8% É DE REDUÇÃO NO INVESTIMENTO, E 11,2% NOS CONSUMOS PÚBLICOS

Os dados do quadro seguinte, calculados a partir dos do Relatório de Orientação de Politica Orçamental 2010, mostram de uma forma clara a dimensão dos cortes em euros, e que classes sociais vão ser mais afectadas com os cortes que o governo e do PSD acordaram fazer.

QUADRO I – Cortes nas despesas públicas no período 2010-2013 e que classes sociais as suportam

RUBRICAS
2010
2011
2012
2013
SOMA
Corte despesas
Milhões €
Redução Despesas Pessoal da Função Pública -Milhões € 188 630 1.046 1.572 3.436
Redução despesas sociais -Imposição de tectos para transferências do OE - M€ 137 507 812 1.011 2.466
Aceleração na Função Pública da convergência do sistema de aposentação e antecipação dos 65 anos para 2012 e 2013 - Milhões € 0 350 541 730 1.621
Redução despesas consumo intermédio na Administração Pública - Em Milhões € 119 525 343 374 1.361
Redução das transferências para o Sector Empresarial do Estado - Em Milhões € 85 140 144 150 519
Redução juros Divida Pública – Milhões € 0 52 126 187 366
Adiamento Alta Velocidade - Milhões € 0 0 235 356 590
Outras reduções Despesas de Capital (investimento público) - Milhões € 375 1.242 1.588 1.909 5.114
SOMA 905 3.446 4.835 6.288 15.474
Medidas gravosas que incidem directamente sobre trabalhadores da Função Pública - Milhões € 188 980 1.588 2.302 5.057
Medidas que reduzem meios para combater a pobreza - Milhões € 137 507 812 1.011 3.828
Medidas que reduzem o investimento público - Milhões € 375 1.242 1.822 2.264 2.140
Medidas que reduzem os meios financeiros ao dispor de serviços públicos - Milhões € 205 665 487 524 1.727
Fonte: Relatório de Orientação da Politica Orçamental - Julho 2010 - Ministério das Finanças

Para reduzir o défice orçamental de 9,3% para apenas 2% do PIB, no período 2010 a 2013, o governo e o PSD acordaram cortes nas despesas públicas que totalizam 15.475 milhões €. Deste total, 5.057 milhões €, ou seja, 32,7%, são nas Despesas com Pessoal da Administração Pública. É evidente que, para além do congelamento das remunerações e das carreiras, e da redução das despesas com pensões, o governo tenciona alcançar tal objectivo congelando todas as entradas de trabalhadores na Administração Pública o que, para além de contribuir para o aumento do desemprego nomeadamente de jovens (o Estado era o principal empregador de jovens licenciados), também provocará a degradação de serviços públicos essenciais, como já está a suceder na saúde, na educação, na segurança social, na cobrança de impostos e combate à evasão e fraude fiscal, no cumprimento das leis laborais, etc..

Em 2009, segundo o Boletim Informativo da DGO do Ministério das Finanças, as transferências do Orçamento do Estado para a Segurança Social, via Ministério do Trabalho e da Solidariedade, para o combate à pobreza em Portugal totalizaram 7027,8 milhões €. Apesar da pobreza estar a aumentar em Portugal com o desemprego e com a crise, o governo tenciona cortar mesmo nesta área para reduzir o défice orçamental. No período 2010-2013, segundo o Relatório de Orientação de Politica Orçamental 2010, o corte na despesa será de 3.828 milhões €. As transferências do OE para a Segurança Social em 2013 serão inferiores às de 2009 mesmo em valores nominais. Para conseguir isso, o governo, com o acordo do PSD, tenciona, por um lado, congelar prestações sociais com valores entre os 100€ e 300€, portanto abaixo do limiar da pobreza e, por outro lado, agravar a chamada "condição de recursos" para excluir milhares de pobres do acesso a estas prestações. O Decreto-Lei 70/2010, que o governo publicou recentemente, que analisaremos num outro estudo, tem precisamente esse objectivo. Os restantes cortes são no investimento público (menos 2.140 milhões €; o grave não seria o congelamento do TGV, mas sim que este investimento não seja substituído por outro de maior interesse económico e social para o desenvolvimento do País, como é a modernização da ferrovia convencional, onde quase todos os investimentos estão parados perante a passividade geral); e nos consumos intermédios da Administração Pública, podendo estes afectar alguns serviços públicos como a saúde.

QUADRO II – Aumento de receitas do Estado previstas para o período 2010-2013 e que classes sociais as terão de suportar
RUBRICAS
2010
2011
2012
2013
SOMA
Aumento de receitas
Milhões €
Imposto sobre mais valias mobiliárias - Milhões € 0 245 253 262 760
Aumento de IRC devido tributação adicional de 2,5pp- Milhões € 154 402 397 393 1.346
Alargamento da base contributiva da Seg. Social e taxa de 45% sobre rend. >150.000€ - Milhões € 68 297 487 692 1.545
Aumento do IRS devido tributação adicional de 1% e 1,5% no IRS - Milhões € 393 770 776 767 2.705
Aumento de IRS devido redução das deduções no IRS de despesas de educação e de saúde - Milhões € 393 455 469 487 1.803
Aumento do IRS devido congelamento até 2014 da dedução especifica por rendimentos de trabalho (72% x 12 x SMN) não considerada pelo governo no "Relatório de Orientação da Politica Orçamental mas constante da pág. 32 do pEC:2010-2013" 0 83 165 248 496
Aumento de IRS sobre pensionistas devido redução dedução especifica pensões superiores a 22.500€/ano-Milhões € 0 105 108 112 326
Aumento 1 pp na taxa do IVA – Milhões € 461 1.155 1.155 1.160 3.930
SCUTS - Portagens - Milhões € 0 192 198 206 597
PRIVATIZAÇÔES - Milhões € 0 1.714 1.407 1.216 4.338
SEE - Limites endividamento -Milhões € 0 1.207 1.407 1.722 4.336
SOMA 1.468 6.626 6.822 7.266 22.182
Aumento de impostos que incidem sobre empresas, patrões e especuladores financeiros - Milhões € 188 796 893 1.001 2.878
Aumento de impostos que incidem fundamentalmente sobre trabalhadores e pensionistas - Milhões € 1.246 2.759 2.871 2.980 9.857
Medidas que reduzem capacidade do Estado para intervir na economia - Milhões € 0 1.714 1.407 1.216 4.338
Medidas que limitam capacidade de financiamento das empresas públicas - Milhões € 0 1.207 1.407 1.722 4.336
Fonte: Relatório de Orientação da Politica Orçamental - Julho 2010 - Ministério das Finanças

No Relatório que apresentou na Assembleia da República o governo não quantifica uma medida que consta da pág. 32 do PEC:2010-2013, e que é a seguinte: ": " congelamento do valor das deduções do IRS indexadas à retribuição Mínima Mensal Garantida" directamente até 2013, indirectamente até 2015 (ver nosso estudo 16-2010). De acordo com estimativas que contam desse estudo tal medida deverá determinar um aumento de IRS para os trabalhadores que calculamos em 1.239,98 milhões € no período 2011-2015. Devido a este "esquecimento" do governo vimos obrigados a considerar essa medida como consta do quadro anterior.

No período 2010-2013, o governo prevê um aumento de receitas, determinado pelas medidas constantes do PEC1 e PEC2, de 22.182 milhões de euros. Deste total, 12.735 milhões de euros, ou seja, 57,4% resultam de aumentos de impostos. Se dividirmos os impostos em dois grandes grupos – impostos que incidem fundamentalmente sobre trabalhadores e pensionistas, e impostos que incidem sobre empresas e especuladores financeiros – a conclusão a que se chega é a seguinte: Serão fundamentalmente os trabalhadores e os pensionistas que suportarão cerca de 77,4% deste aumento de impostos (9.857 milhões €); apenas 22,6% do aumento (2.878 milhões €) será suportado pelas empresas e pelos especuladores financeiros. A pergunta que naturalmente surge é esta: Será isto uma repartição equitativa e justa de sacrifícios, como não se cansa de repetir Sócrates e o ministro das Finanças? Ou tal afirmação não deverá ser interpretada como a intenção deliberada de enganar a opinião pública? – O leitor que responda a estas perguntas.

O restante aumento de receitas, ou seja, 42,6% do total (8.674 milhões €) terão como origem a privatização das últimas empresas públicas ou partes de capital que o Estado ainda detém em outras empresas (REN, CTT, EDP, GALP, etc), reduzindo assim a capacidade de intervir na economia na defesa de um crescimento que respeite os interesses dos portugueses (o governo privatiza e depois queixa-se de que os interesses estratégicos nacionais não são considerados pelas accionistas das empresas que ele próprio privatizou, como aconteceu recentemente na PT, o que revela a duplicidade da politica de privatizações), sendo o restante consequência da imposição de limites ao endividamento das empresas públicas, que enfrentam já graves dificuldades financeiras consequência precisamente do facto do Estado não assumir as suas responsabilidades, o que poderá obrigar essas empresas a aumentar os preços de serviços prestados à população (casos do Metro, CP, etc.).

O QUE PRETENDE O PSD COM A CAMPANHA DE REDUÇÃO DRÁSTICA DAS DESPESAS PÚBLICAS

Segundo o Boletim Informativo da execução orçamental de Dezembro de 2009 da DGO do Ministério das Finanças, em 2009 o Estado gastou com as funções sociais, ou seja, com a educação, saúde, segurança social, habitação social etc. dos portugueses 30.305,9 milhões €, o que corresponde a mais de 62% das suas despesas totais. Neste valor não estão incluídos nem as despesas com a segurança e ordem pública (3030 milhões €), nem com a defesa nacional (1923,5 milhões €), nem com a divida pública (5005,5 milhões €), etc..

Passos Coelho não se cansa de repetir que, quando for governo, vai reduzir drasticamente as despesas públicas, mas não diz nem dirá onde vai fazer isso, enquanto não conseguir chegar ao governo. E isso porque naturalmente pensa fazê-lo realizando grandes cortes nas despesas sociais – educação, saúde, segurança social –, pois só cortando nestas é que se poderá reduzir drasticamente a despesa pública de que tanto fala, ou seja, nas despesas com serviços essenciais à população, obrigando depois os portugueses, se quiserem ter esses serviços, a pagar elevados preços a empresas privadas. E quem não tiver dinheiro não terá acesso a eles. É preciso não esquecer isto quando se ouve o "canto de sereia" de Passos Coelho e do PSD que vai diminuir impostos reduzindo drasticamente a despesa pública. Se se esquecer a surpresa será naturalmente depois muito grande.

http://resistir.info/e_rosa/plano_austeridade_09jul10.html

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