Em Portugal e nos outros países presos com atilhos aos circuitos do capitalismo neoliberal e à tirania da banca, das bolsas e do Vaticano, as coisas vão de mal a pior para milhões de pobres. É o resultado inevitável dos séculos em que a ciência alcançou sucessos jamais sonhados e no mundo velho os aparelhos capitalistas e eclesiásticos no poder conseguiram gerar o milagre de se adaptarem a sucessivas mutações dos estatutos políticos, conservando para as chefias a palavra final. A Igreja, unida ao grande capital, baptizou cristão o lucro, usou dos tecnocratas e das tecnologias para erguer um universo empresarial estratégico exclusivamente seu e promoveu a rede de relações ocultas que constituem o pulmão do grande capital, neoliberal e globalizante.
Os resultados estão à vista. O aumento incontrolado do desemprego e das falências das pequenas empresas ou a quebra da produtividade e a subida do custo de vida caminham a par. E a demissão do papel social do Estado, em paralelo com as sucessivas fusões entre os grandes grupos financeiros que manipulam a crise para alargarem o fosso entre pobres e ricos, à custa dos sacrifícios dos trabalhadores. A apregoada legalidade democrática é abertamente prostituída e abusada pelos mais poderosos; surge à margem do agravamento da miséria uma estrutura de classe exploradora renovada e ressurgem de um passado prematuramente esquecido as nuvens negras do Estado-polícia, dos destacamentos armados e das diversas formas de anexação de direitos conquistados (limitado um hoje, outro amanhã). Desmembra-se a economia nacional, desde que cada privatização possa produzir lucros privados ou fragilizar o Estado. Com a mesma marca de classe e de construção da imagem do poder, explodem por toda a parte os escândalos financeiros, políticos e sociais que a Justiça paternalmente deixa passar.
A pobreza crescente é um somatório destes factores convergentes que se compreendem nos quadros, sempre presentes, da ditadura do grande capital. Há pobres e há ricos, atraso e desenvolvimento, mas toda a humanidade deve aceitar essas diferenças como naturais. Assim, se em Portugal somos pobres, pobrezinhos e vivemos das esmolas, importa que nos resignemos e aceitemos essa fatalidade. Sejamos sucessivamente pobres, pedintes e miseráveis. É essa a vontade de Deus e dos banqueiros.
Este estado de coisas não se altera deitando remendos novos em botas velhas.
É preciso a ruptura, é preciso romper.
A doutrina social da Igreja e outras coisas mais
Os responsáveis da igreja portuguesa compreendem esta lógica muito bem. Mas os seus interesses são deste mundo e situam-se longe daqui. O Vaticano e a CEE sobrepõem-se nos seus modelos simétricos de direcção e comportar-se-ão até ao fim como plasticina pura nas mãos da «Internacional do Dinheiro». Cabe ao Vaticano funcionar como «ópio do povo» em terrenos que confinam em cadeia com os da comunicação social, telenovelas, dos futebóis ou das lotarias. E é campeão da «caridade universal». Aspira à admiração dos pobres. «Pão e circo», já reclamavam os escravos de Roma no apogeu do Império.
Mas a Igreja é culta e intimamente coerente consigo própria. No panorama da actual pobreza não usará das suas capacidades para unir na luta contra a miséria (que diz combater) os pobres e os condenados à dependência e à escravidão. Pelo contrário, nas suas análises e na sua acção caritativa introduz novos conceitos (pobres envergonhados, novos pobres, jovens pobres, pobres crónicos, pobreza masculina e pobreza feminina, etc.) que outra coisa não visam a não ser o enfraquecimento da base popular de resistência dos pobres e dos oprimidos. A Igreja é sábia e experiente nestas coisas. E não resiste a aumentar os lucros à custa da caridade e os proveitos que as lotarias recolhem.
Noutras áreas «estratégicas» a Igreja também caminha com segurança. Por exemplo, nos sub-sectores vitais da Saúde ou da Segurança Social, zonas de há muito visadas pelo passadismo crónico das suas hierarquias. Trata-se de repor a Igreja nas suas funções caritativas medievais, como senhora da sobrevivência dos pobres.
Este plano tem vindo a ser desenvolvido ao longo do último decénio e conta já com uma extensa malha de grandes, médios e pequenos núcleos assistenciais (comunidades religiosas, misericórdias, fundações e IPSS ), organizadas em pirâmide cujo pináculo é a Igreja. Tal como na CEE.
A meta final a atingir é clara: no Estado social, cada cidadão comum tem direito à protecção na saúde e na velhice, através de instituições sustentáveis e de toda a confiança. Mas os tempos são de mudança, como ainda recentemente afirmou o padre Lino Maia, presidente da CNIS – Confederação Nacional das IPSS e supervisor máximo do projecto social católico: «O Estado português tornou-se demasiado autista, folclórico e, consequentemente, ineficaz e pesado. São demasiados os custos para o manter, bem como o seu serviço... o Estado precisa de uma eminentíssima e urgentíssima reforma que não se compadeça com meras medidas de simplificação mas que se sustente em valores seguros, como coragem, credibilidade e, acima de tudo, humanismo!».
Ora, a Igreja afirma-se «perita em humanidade». Por isso, o padre Maia prosseguiu as suas declarações com a seguinte tirada: «É urgente criar ideais e construir caminhos que recoloquem o Estado ao serviço de causas nobres e interesses comuns e nos devolvam a esperança. O Estado Social é necessário e é possível». E rematou: «Se o Estado social é posto em causa, para que serve o Estado?»
A moral da história é fácil de concluir.
http://www.avante.pt/pt/1911/argumentos/109591/
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