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16/07/2010

Há centros de saúde onde todos os médicos pediram reforma

Região de Lisboa é das que mais sofrem com a falta de clínicos gerais. Em Penela, todos os médicos querem sair. Situação parecida com a que se vive no Bombarral

Há centros de saúde no País onde todos os médicos de família pediram a reforma. É o caso do de Penela, na zona de Coimbra, que pode ficar vazio. No do Bombarral, em oito clínicos, seis fizeram o mesmo pedido. A situação na zona de Lisboa e Vale do Tejo é das mais preocupantes. A falta de médicos já deixou milhares de utentes sem resposta. Em seis anos, esta região devia ter ganho 50 clínicos, mas acabou por ficar sem cerca de 200. E a situação vai piorar. Em todo o País, vão ser mais três mil médicos a deixar a profissão.

"Entre 2002 e 2007 a região de Lisboa perdeu 10% dos médicos. São cerca de menos 200. É uma perda muito significativa, ainda mais porque a população aumentou no mesmo período. São mais 85 mil pessoas. Só isso exigia mais 50 médicos", afirma ao DN Rui Nogueira, vice-presidente da Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral (APMCG).

Contas feitas, faltam cerca de 250 médicos de família para responder às necessidades da população. No centro de saúde de S. João, em Lisboa, já se fala em mais reformas. "Há dias, ouviu-se dizer que vamos ficar sem mais médicos porque alguns vão para a reforma. Às vezes são dois meses à espera de consulta e já cheguei a vir às seis da manhã para marcar uma consulta", conta ao DN Maria Fernandes, de 75 anos.

Filipe Forte, 35 anos, saiu do mesmo centro de saúde sem resposta para o seu problema. Um problema nas costas levou-o a um hospital. Precisava de uma baixa para ficar de repouso, a recomendação do médico que o viu, mas ainda nem uma consulta de recurso conseguiu. "A minha médica de família está de férias e não consegui apanhar mais nenhum médico. Existem quatro consultas de recurso por dia e não consegui vaga", lamenta.

"Há muita gente sem médicos de família. No ano passado fizeram uma remodelação e só ficaram dois médicos", acrescentou Filipe. Não é por isso de estranhar que, quando foi pedir informações para uma amiga, Maria de Jesus tenha deixado o centro logo com um aviso: "60% da população daqui está sem médico de família", explica Maria ao DN.

Este não é um problema exclusivo da capital. "Há muitas unidades a sofrer. Em Penela, todos os médicos pediram a reforma. No Bombarral, em oito clínicos, seis também fizeram o mesmo pedido. Na Baixa da Banheira e na Amora, se houver médicos a pedir reforma, o problema vai agudizar- -se. É muito grave", alerta o vice- -presidente da APMCG .

"Isto vai arruinar e destruir a génese dos cuidados primários. Um dos atributos é a acessibilida- de. Temos de garantir resposta rápida a quem nos procura e a personalização do atendimento. É péssimo trabalhar nestas condições", reforça Rui Nogueira, lembrando que a situação vai piorar.

"Temos cerca de 400 colegas que pediram agora a reforma antecipada. Mas em 2012 vamos ter um outro problema, que é a entrada no regime geral de aposentações. Até lá, prevê-se que sejam três mil os médicos de família a sair. E não temos a possibilidade de formar médicos para substituir os que saem. No futuro, a situação vai ser muito pior", assegura o especialista em medicina geral.

Neste momento, estão a entrar no Serviço Nacional de Saúde (SNS) cerca de 300 médicos de família por ano. Mesmo mantendo o ritmo, não será possível preencher os lugares que vão vagar.

"Em três anos conseguiremos formar 900 médicos de família. Mil, com esforço. E é preciso ver que saem três mil", destaca. As contas apontam para 400 mil a 600 mil habitantes sem médico de família.

"Os médicos estão a trabalhar, mas não onde fazem mais falta. A Assembleia fez muito bem em recomendar a agilização do processo de colocação de médicos de família. Temos médicos de família sem utentes e utentes sem médico de família", lamenta Rui Nogueira.

http://dn.sapo.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1619471

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