O governo do Panamá suspendeu a aplicação da Lei 30 depois de vigorosos protestos dos trabalhadores. Sindicatos e organizações sociais mantiveram a greve geral convocada depois do executivo de Ricardo Martinelli ter respondido com repressão às movimentações de massas.
O anúncio da trégua de 90 dias entre o governo e trabalhadores do sector bananeiro, alcançado na noite de domingo, não foi suficiente para calar a revolta popular face à violenta repressão de que foram alvo milhares de pessoas. A Confederação Nacional de Unidade Sindical, bem como outras organizações sociais e políticas panamianas mantiveram, para anteontem, uma greve geral de 24 horas em todo o país, decisão justa até porque, já depois de divulgada a suspensão provisória da lei, o presidente veio dizer que tal não significa o abandono da sua posterior aplicação.
Desde quinta-feira da semana passada, trabalhadores e polícia enfrentavam-se em Changuinola. Segundo as autoridades, o conflito deixou dois mortos e centenas de feridos, mas fontes sindicais afirmam que o número de vítimas ascende a pelo menos meia dezena. Na capital, Cidade do Panamá, sexta-feira, dia 10, estruturas representativas dos trabalhadores e populares também saíram à rua para lutar contra a Lei 30 e solidarizarem-se com as jornadas levadas a cabo anteriormente pelos seus campatriotas de Changuinola.
Na base do diferendo está a aprovação de um diploma que desobriga as entidades patronais de descontarem a quota para os sindicatos. No dia 2 de Julho, a Boca Fruit Company foi a primeira a cumprir a regra desencadeando a paralisação decretada pelo Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Bananeira.
Ofensiva sem precedentes
A norma, votada à porta fechada pelo parlamento, no sábado, 12 de Junho, permite igualmente a substituição dos trabalhadores em greve, criminaliza o direito de manifestação, abre caminho à declaração de projectos predadores da natureza como de interesse nacional e deixa a polícia de mãos livres para fazer uso da força sempre que a resistência se faça sentir.
Acresce que a chamada «lei chouriço» ou «lei 9 em 1», apresentada com o mistificador nome de Lei de Promoção da Aviação Civil e Comercial, foi subscrita pelos actuais ministros do Governo e da Justiça, Raúl Molino, e da Segurança, Roxana Méndez, quando estes ocupavam outros cargos ministeriais. Isto é, assinaram um diploma sem que tivessem competência para tal.
Repressão e perseguições
Em Changuinola, na província fronteiriça de Bocas del Toro, a repressão ordenada pelo governo desencadeou autênticas batalhas campais na cidade. Nas ruas, unidades do corpo de intervenção dispararam balas de borracha e granadas de gás lacrimogéneo para dispersar a multidão e impor o recolher obrigatório entretanto decretado.
Mas a fúria do executivo liderado pelo empresário Ricardo Martinelli não se ficou por aqui. Confirmada está a detenção de pelo menos uma centena de sindicalistas e dirigentes políticos e sociais, domingo, 11, quando estes se encontravam reunidos para discutir a convocação da greve geral. Acresce que no país sobejam relatos de perseguições, agressões e assaltos a habitações de activistas da luta.
Jaime Caballero, dirigente do Sindicato da Construção e Similares (Suntracs), foi preso e ordens de detenção semelhantes penderam sobre outros oito sindicalistas, entre os quais Genaro López e Saúl Méndez, igualmente do Suntracs.
Roberto Castillo, da Associação de Educadores, encontra-se desaparecido e a Universidade do Panamá foi encerrada em nome da «paz social», enquanto que nas obras de ampliação do Canal do Panamá uma centena e meia de trabalhadores em greve foram despedidos. As cartas de despedimento foram entregues pela polícia depois da ocorrência de confrontos entre trabalhadores que exigiam aumentos salariais e uniformizados a mando do governo.
A actual conduta do gabinete de Martinelli não é novidade. No Panamá avolumam-se as queixas de tentativa de condicionamento da actividade da Aliança Cidadã Pró-Justiça, de escutas a dirigentes políticos e sociais, de pressões sobre jornalistas. Os casos de Jean Marcel Cherry, do diário El Siglo, do fotógrafo Mauricio Valenzuela, do jornal Panamá América, bem como a detenção de Carlos Núñez e a expulsão do jornalista Paco Gómez Nadal, do diário La Prensa, provam que o governo neoliberal não convive bem com as denuncias públicas do não cumprimento de promessas eleitorais nem com os relatos que dão conta da degradação das condições de vida da população e do aumento da exploração sobre os trabalhadores.
Ruptura social e política
Indiferente à vontade do povo do Panamá, Ricardo Martinelli viajou para fora do país pela 20.ª vez no período de um ano, alegando que necessitava de férias em família. A verdade é que a situação no país é insustentável.
Martinelli, magnata da distribuição alimentar e proprietário de um grupo financeiro, é suspeito de envolvimento em operações de branqueamento de dinheiro proveniente do narcotráfico, acusação que, no México, já condenou dois familiares e vários correligionários do presidente a penas de prisão.
A criminalidade cresce no país quase ao mesmo ritmo do aumento dos bens de primeira necessidade. A reforma da educação, os aumentos dos impostos, a concessão do serviço de transportes públicos e a possibilidade de retoma de uma ligação viária entre o Panamá e a vizinha Colômbia - projecto com custos ambientais incalculáveis – são medidas que desagradaram ao povo e conduziram ao actual cenário de ruptura social e política no país.
http://www.avante.pt/pt/1911/internacional/109635/
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