Dados apurados através do inquérito do Instituto Nacional de Estatística: a maioria dos trabalhadores não denuncia as situações e a Autoridade para as Condições de Trabalho admite dificuldades na sanção às empresas
Trabalha dez horas por dia, cinco dias por semana, não recebe por isenção de horário, mas nunca viu uma folha de registo de horas extraordinárias. Maria (nome fictício), administrativa num banco que emprega milhares de trabalhadores em Portugal, entra às nove da manhã e nunca sai antes das sete da tarde, porque depois do fecho da sala de mercados ainda" há muito trabalho a fazer."
"É uma obrigação. Se sair uma hora depois do horário chamam--me a atenção porque saí cedo." Ao fim de dez anos na banca, ganha 950 euros por mês.
Como Maria há mais 113 mil trabalhadores por conta de outrem em Portugal que afirmam realizar horas extraordinárias não remuneradas, revelam os dados solicitados ao Instituto Nacional de Estatística.
A informação apurada no último inquérito ao emprego, referente ao segundo trimestre deste ano, revela que aumentou ligeiramente o número de trabalhadores que dizem estar nesta situação face ao ano anterior, mesmo numa altura em que o número de pessoas empregadas registou um recuo histórico. Face a 2007, o número regista, ainda assim, uma significativa quebra.
A maioria dos trabalhadores que responde a esta questão do INE declara trabalhar entre 6 a 10 horas extras não pagas por semana. Mas são mais de 20 mil as pessoas que afirmam que o trabalho extraordinário não remunerado vai além das 11 horas semanais. (ver tabela)
As queixas de Maria têm ficado entre os colegas. "Já me passou muitas vezes pela cabeça denunciar a situação", diz. Mas nunca o chegou a fazer.
O inspector-geral da Autoridade para as Condições de Trabalho admite haver dificuldade em penalizar as empresas infractoras. "O trabalhador nem sempre colabora", refere Paulo Morgado de Carvalho em declarações ao DN. Por outro lado, "o trabalho extraordinário deveria estar registado, mas por vezes não está, o que dificulta a prova", acrescenta.
O responsável reconhece que o problema existe em vários sectores de actividade, com particular expressão na banca, nos transportes ou nas actividades relacionadas com a segurança privada.
"Não há banco nenhum que cumpra o que está estipulado, quer na convenção colectiva quer na lei", que aponta para 35 horas de trabalho semanal, refere ainda Paulo Alexandre, membro da direcção do Sindicato dos Bancário do Sul e Ilhas. "E a esmagadora maioria das horas extraordinárias não são pagas."
A prática é alimentada pela conivência dos trabalhadores, mas a responsabilidade, diz o sindicato, é "evidentemente" dos empregadores ,que "penalizam" os trabalhadores que exigem o cumprimento da lei.
As inspecções e as coimas são frequentes, garante. "Nos primeiros oito ou quinze dias as coisas normalizam, mas depois voltam a cair no esquecimento", afirma.
Coimas a partir de 720 euros
O não pagamento de trabalho extraordinário é, segundo o Código do Trabalho, uma contra-ordenação grave. As coimas variam segundo o volume de negócios da empresa e o grau de culpa do infractor.
Assim, uma empresa com uma facturação inferior a 500 mil euros arrisca-se a uma coima entre 720 a 3120 euros. O escalão superior aplica-se a todas as empresas que têm mais de 10 milhões de euros de volume de negócios, com coimas que, nesta caso, oscilam entre 1800 e 11400 euros. Valores que podem ser agravados em caso de reincidência. Raramente é cobrado o valor máximo.
ACT detectou 1352 infracções
A Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) realizou este ano mais de cinco mil visitas a 4116 empresas, com o objectivo de detectar infracções relacionadas com o trabalho extraordinário. Das inspecções resultaram 1352 coimas, num valor global que deverá oscilar entre 1,2 e 2,6 milhões de euros, segundo dados divulgados ao DN pelo inspector-geral da ACT Paulo Morgado de Carvalho. Raramente se aplicam os valores máximos. "Regra geral, as empresas têm um prazo para o pagamento voluntário pelo valor mínimo. Mas o valor pode subir se a empresa já foi condenada mais do que uma vez, ou se insiste na infracção." A ACT regista ainda 889 "medidas correctivas" desde o início do ano, ou seja, notificações para corrigir situações "menos graves", como a não existência de livro para o registo de horas extraordinárias.
D.N. - 23.10.09
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