João Ferreira
A cerca de um mês e meio da conferência de Copenhaga, a 15.ª realizada no âmbito da Convenção das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (acordada na Cimeira do Rio de 1992), adensam-se as análises, as preocupações e as expectativas sobre os seus resultados.
Sob um aparente consenso em torno da preocupação com os efeitos das alterações climáticas e da necessidade de redução das emissões de gases de efeito de estufa, perfilam-se diferentes abordagens a esta problemática, sustentadas por posicionamentos ideológicos diversos, e mesmo opostos.
Sumariamente, a discussão centra-se em três questões essenciais:
1. as metas de redução de emissões;
2. os meios para alcançar essa redução;
3. a mitigação e adaptação às alterações que se crê serem inevitáveis no futuro.
Metas e meios
Frequentemente, as metas de redução dominam o debate. Esgrimem-se valores de redução. Contrapõem-se metas, mais ou menos audaciosas. A União Europeia propõe-se reduzir em 20 por cento as suas emissões até 2020, dispondo-se a ir até aos 30 por cento, se os restantes países industrializados assumirem idêntico compromisso. Estes valores, que a UE considera ambiciosos, ficam ainda assim aquém do preconizado pelo Painel Intergovernamental das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (IPCC), 25 a 40 por cento, o que motiva críticas de diversos sectores. Em todo o caso, as metas avançadas, quaisquer que sejam, carecem de uma subjacente definição realista de meios e recursos para as atingir. Por isso, entre outras razões, falharam os objectivos do Protocolo de Quioto. Por isso também se arrisca a falhar o que vier a ser acordado em Copenhaga.
O principal (mas não o único) gás de efeito de estufa, o CO2 – dióxido de carbono, tem aumentado a sua concentração na atmosfera da Terra, em resultado da queima de combustíveis fósseis. Assegurando estes, hoje em dia, a esmagadora maioria das necessidades energéticas mundiais (perto de 85%),(1) exigir-se-ia que a abordagem às alterações climáticas se centrasse em atenuar tamanha dependência. Diminuindo a «intensidade carbónica» das economias. Por razões de ordem ambiental, mas também atendendo à progressiva exaustão destes recursos, que ameaça arrastar a humanidade para uma crise energética de consequências incertas, potencialmente perigosas.
Ao contrário, o principal instrumento proposto pela UE para conter as alterações climáticas, atingindo os proclamados objectivos de redução de emissões – o mercado de carbono – poderá não só não contribui para aliviar esta dependência, como constituir mesmo um obstáculo à necessária mudança de paradigma energético.
O mercado do carbono
A criação de direitos de emissão de carbono, transaccionáveis no mercado, faz da queima de combustíveis fósseis potencial fonte de lucro. Lucro que a UE considera, hipocritamente, poder vir a financiar a mitigação dos efeitos das alterações climáticas nos países em vias de desenvolvimento, aqueles que, previsivelmente, mais duramente os sofrerão. Neste mercado, os principais «comerciantes», ou seja as grandes corporações responsáveis pelas emissões de CO2, decidem, em face dos humores mercantis do momento, qual a opção mais vantajosa: reduzir emissões ou comprar direitos de emissão – direitos estes que, em determinadas condições, lhes podem mesmo ser atribuídos gratuitamente por entidades públicas, revelando-se esta, por conseguinte, quase sempre, como a opção mais vantajosa. Com efeito, os primeiros anos do Esquema Europeu de Transacções de carbono (ETS), implementado em 2005, não testemunharam uma diminuição das emissões de gases de efeito de estufa, bem pelo contrário… (2)
A resolução que se encontra em discussão no Parlamento Europeu sobre a posição da UE em Copenhaga é elucidativa sobre como pode, na realidade, ser interesseira (e instrumental) a preocupação com as alterações climáticas. Agitam-se metas, mas escasseiam os meios. As soluções propostas visam não tanto defender o futuro do planeta, como abocanhar novos sectores «emergentes», com promissoras rentabilidades (para alguns). Convém não esquecer que estas soluções recolhem o apoio da maioria da direita e da social-democracia, incluindo dos verdes europeus. Pela nossa parte, fizemos esta denúncia, procurando centrar a questão nos seus termos correctos: a necessidade de regulamentação normativa e investimento público dirigido, desde logo em investigação e desenvolvimento. Afirmando claramente que a solução para este problema, como para os demais problemas ambientais, não poderá ser encontrada no quadro do sistema que os gerou.
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(1) Rui Namorado Rosa, «Alterações Climáticas: Mitos e Realidades e Acção Política», Revista «Portugal e a UE», Outubro 2009.
(2) Para mais informações ver, por exemplo: http://climateandcapitalism.com e
http://www.carbontradewatch.org
Avante - 22.10.09
À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.
22/10/2009
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