Fernando Nobre, presidente da AMI , não anda nada optimista. "A crise está a ter consequências profundas na sobrevivência diária das famílias e tenho a convicção de que vai piorar, com o desemprego a aumentar e os subsídios a chegarem ao fim. Não tenho fé nessa retoma de que se fala".
Quando se pôs a fazer o balanço do primeiro semestre da organização, os números mostraram-lhe a dimensão quantitativa da miséria que já há muito sentia nos centros Porta Amiga: o número de pessoas que procurou apoio social cresceu 15% e ultrapassou as 5200, e dessas, quase duas mil (24%) são "novos pobres", que pedem ajuda pela primeira vez.
"Nos últimos 15 anos, desde que a organização presta apoio social, nunca houve tal situação de precariedade. Nunca foi tão mau. Volta a haver fome entre a população portuguesa", desabafa.
O serviço da AMI que maior procura registou no primeiro semestre de 2009 foi a distribuição de géneros alimentares. "A regra da organização é não recusar ajuda a ninguém, e temos conseguido mantê-la. Mas face ao aumento de solicitações, tivemos de racionar as quantidades de alimentos dos cabazes. É a divisão dos pães, com as fatias a ficar cada vez mais finas para chegarem para todos", explica o médico, cuja organização assegura, em exclusivo, a distribuição dos excedentes da União Europeia em 18 concelhos do distrito do Porto.
Nos refeitórios da AMI, a dimensão da fome vê-se nas filas extensas que se formam à entrada. Para assegurar almoço, ao meio-dia, as famílias começam a chegar às 7 da manhã e lá ficam estoicamente até à abertura das portas. "Temos a certeza que, para muitos, essa é a única refeição do dia".
O perfil de quem pede apoio social mudou. Os mais velhos, com reformas mínimas, já não dominam as listas de beneficiários, ultrapassados por uma classe média que se tornou baixa devido ao desemprego. A maioria das pessoas que se deslocou, de Janeiro a Junho, aos centros da AMI tinha entre 21 e 59 anos - em plena idade activa -, 80% tinham perdido o emprego e sobrevive com subsídios institucionais e apoio de familiares. "São pobres com vergonha da sua miséria. Aparecem nos centros com a melhor roupa e um saco cheio na mão, para que pareça que vêm dar e não pedir comida", conta Fernando Nobre.
No mundo, mil milhões de pessoas passam fome, 50 mil morrem diariamente de pobreza extrema. A crise económica criou mais 100 milhões de pobres. Hoje, Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, Portugal junta-se, em uníssono com o resto do mundo, ao movimento global " Levanta-te e Actua " que visa obrigar os governos a acabar com a miséria extrema.
Expresso.pt - 23.10.09
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