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30/07/2009

Califórnia aprova plano de contenção: Protestos respondem aos cortes sociais

Os parlamentos locais da Califórnia aprovaram, sexta-feira, um plano de redução das despesas do Estado. O projecto gera o protesto popular e dos funcionários públicos, que rejeitam pagar a factura da crise.

Face à dívida colossal, orçada em 26 mil milhões de dólares, as duas câmaras de deputados da Califórnia, ambas de maioria democrata, aprovaram um plano que pretende economizar cerca de 15 mil milhões de dólares na Educação, Saúde e nos salários dos funcionários públicos, obrigados à redução compulsiva do horário de trabalho com consequente perda de aproximadamente 15 por cento do salário.
Rejeitada foi a abertura à exploração petrolífera dos fundos marinhos ao largo da costa de Santa Bárbara, uma das mais famosas estâncias balneares do mundo. Igualmente recusada foi a redução da população prisional em 27 mil efectivos.
Só na Educação, o governo da Califórnia corta nove mil milhões de dólares. Várias cidades, como Los Angeles, anunciaram que vão recorrer à justiça para contestar os cortes orçamentais, mas o fundamental dos protestos são levados a cabo pelos trabalhadores e pelas populações, que ficam com a certeza de que o executivo da Califórnia não governa de acordo com os seus interesses.
No pólo de Long Beach da Universidade Estatal da Califórnia, por exemplo, estudantes e professores contestam veementemente a aprovação pelo órgão de gestão da escola de um aumento de 20 por cento das propinas, motivado por um corte no financiamento público. Os manifestantes lembraram que já em Maio as propinas haviam aumentado 10 por cento e que nos últimos oito anos os aumentos da taxa de frequência nos 23 campos universitários quase triplicaram.
Contas feitas, no próximo semestre os estudantes vão pagar mais 1000 dólares que anteriormente. Desde o último semestre de 2008, estimam, o aumento das propinas na Universidade Estatal da Califórnia já vai em 45 por cento.
A comissão de gestão da universidade responde que para além destas, medidas como o recurso ao lay-off vão ser aplicadas a milhares de funcionários, assim como não está posto de parte o cancelamento de 15 por cento dos cursos leccionados.
Na Saúde o corte é de 1,3 mil milhões, justamente quando centenas de milhares de pessoas passam a depender dos serviços públicos devido à perda de cobertura no sistema privado (por despedimento, incapacidade de pagamento da apólice, cancelamento daquela garantia nas empresas onde trabalham, entre outras razões).
Para além destes, todos os serviços e programas sociais – exceptuando a vigilância florestal e a brigada de trânsito – são afectados pela contenção. A ajuda alimentar pode revelar-se um caso dramático, dado que entre 2007 e 2008 o número de dependentes das senhas de alimentação na Califórnia aumentou em quase 14 por cento.

Ao lado do capital

Democratas e republicanos exortaram o facto de não serem obrigados a subir os impostos com a aprovação do referido plano, mas o que os californianos não compreendem é que não sejam aplicadas subidas nas taxas aos detentores de fortunas. Mais, o aumento das chamadas taxas moderadoras na Educação e na Saúde, não sendo consideradas aumentos de impostos, traduz-se na prática na apresentação da factura da crise aos trabalhadores.
Os californianos contestam igualmente a não aprovação de uma moratória sobre o pagamento dos 5,7 mil milhões de dólares em juros devidos aos grandes bancos credores do Estado, medida que, argumentam, pouparia 20 por cento da dívida actual e evitaria o encerramento de clínicas públicas ou o aumento do número de alunos por sala, dado que muito professores serão despedidos e algumas escolas fechadas.
De acordo com os dados oficiais, desde 1981, os impostos pagos pelo capital diminuíram 50 por cento. Se as taxas regressassem a valores próximos dos de então, o Estado da Califórnia receberia qualquer coisa como 8 mil milhões de dólares.
Acresce que, de acordo com o orçamento local, entre 1995 e 2006, os 19 por cento mais ricos e os 1 por cento extraordinariamente ricos viram as fortunas crescerem 50 e 108 por cento, respectivamente. Os restantes 80 por cento da população viram os seus rendimentos aumentarem apenas 10 por cento, isto sem contar com a inflação.
No sector da educação, o governo estatal com a cumplicidade dos executivos municipais prepara-se ainda para abrir as escolas secundárias à «sociedade civil», mas as organizações sindicais dos professores argumentam que a medida encobre a privatização do sector. A luta dos professores de Los Angeles, para citar um caso, garantiu que a proposta não será novamente discutida na cidade até 25 de Agosto deste ano, mas depois disso voltará para cima da mesa, garantem.
Entidades «sem fins lucrativos» como a Green Dot, que manipula inclusivamente estruturas apelidadas de iniciativa parental (Parent Revolution,) acolhendo as suas legítimas queixas quanto ao sistema educacional mas mesclando-as com um discurso anti-sindical contra professores e funcionários, espreitam a oportunidade para estender o controlo sobre o ensino liceal.

Estados seguem exemplo

Os cortes orçamentais de orientação antipopular aplicados na Califórnia estão, entretanto, a ser seguidos noutros estados da União.
No Illinois, cuja dívida ascende a 11,6 mil milhões de dólares, o governo local decidiu cortar 3,3 mil milhões em serviços públicos, 2,1 mil milhões este ano e 1,1 mil milhões no próximo ano. Milhares vão também ser abrangidos pelo lay-off e pelo menos três mil funcionários públicos vão ser dispensados. Todos os recém-contratados vão ficar sem algumas das regalias que gozaram os seus antecessores na hora de se reformarem.
Na Educação, por exemplo, o Illinois corta 180 milhões. 30 mil crianças vão ficar sem pré-escola, dezenas de milhar vão deixar de poder frequentar as escolas secundárias e até os subsídios ao livros em Braille vão desaparecer. A formação profissional dos professores vai acabar, bem como os programas de artes, agricultura e línguas estrangeiras.
Os cortes nas despesas sociais levaram no passado dia 24 milhares às ruas de Chicago, isto depois de uma outra manifestação popular em Springfield. Os norte-americanos defendem que não podem ser os trabalhadores a carregar o fardo, mas tal como na Califórnia o governo local não bule com os interesses dos grupos financeiros.
Só este ano, o Estado do Illinois vai emitir 3,5 mil milhões de dólares em obrigações. Os títulos serão comprados por «investidores» por intermédio dos bancos, os quais têm assegurado à partida 500 milhões de dólares em forma de juros.

Vítimas do sistema

No quadro de uma das maiores crises capitalistas, os casos dramáticos sucedem-se nos EUA. De acordo com o relato de Bryan G. Pfeifer para o Workers World, quatro membros da família Reed-Owen, pai e três filhos menores, morreram, dia 16, horas depois de lhes ter sido cortado o fornecimento de electricidade por falta de pagamento.
A família Reed-Owen foi, tal como tantas outras famílias de Detroit, vítima dos despedimentos no sector automóvel. Embora estivesse abrangida pela protecção pública aos agregados em situação de bancarrota, a companhia de electricidade DTE interrompeu o serviço, violando uma determinação do tribunal que deliberou ilegal o corte da electricidade por parte da empresa. A DTE não quis saber e no dia 15 cortou a energia aos Reed-Owen.
Sem solução para manter em funcionamento os equipamentos médicos necessários à manutenção da qualidade de vida do agregado – sofriam de bronquite, asma e neurofribomatose – os Reed-Owen foram à igreja pedir um gerador eléctrico. Embora sabendo o perigo que representava, ligaram-no na cave de casa. As mortes terão ocorrido devido a intoxicação por monóxido de carbono.
A DTE obteve em 2008 lucros na ordem dos 9,3 mil milhões de dólares, isto sem contar com os 24 mil milhões em activos e os 546 milhões em dividendos do negócio na Internet. O slogan da empresa de electricidade e gás gerida por altos quadros que circulam entre os grandes grupos económicos, os órgãos de poder e o aparelho militar é «Transformar os sonhos em realidade».
Avante - 30.07.09

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