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25/06/2009

Parlamento derroga decretos sobre recursos amazónicos: Vitória da luta no Peru

O parlamento peruano derrogou, quinta-feira da semana passada, os decretos que deixavam a exploração dos recursos naturais amazónicos na mão das multinacionais. A decisão foi tomada depois da luta e do protesto terem isolado o governo.

O congresso peruano aprovou, por 82 votos a favor e 14 contra, a suspensão dos decretos legislativos 1090 e 1064, os quais motivaram o enérgico protesto das comunidades índias da Amazónia peruana. Os indígenas consideram as normas uma cedência aos interesses das multinacionais norte-americanas e europeias, e uma violação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que obriga os governos a consultarem os povos originários sobre a exploração dos recursos naturais autóctones (no caso florestais e biodiversidade, água, uso do solo, extracção de hidrocarbonetos e minério). Os decretos foram emitidos pelo executivo de Alan Garcia na sequência da assinatura do Tratado de Livre Comércio entre o Peru e os EUA.
Reagindo à derrogação aprovada no parlamento, o vice-presidente da Associação Interétnica para o Desenvolvimento da Selva Peruana (AIDESEP), Daysi Zapata, classificou a decisão de histórica para os indígenas e para a nação peruana.
Com efeito, as leis que Garcia argumentou serem úteis no combate ao narcotráfico e na protecção do ambiente, e que seriam aplicadas aos territórios onde habita 9 por cento da população do país, foram rechaçadas pela luta das comunidades locais e pela amplificação do protesto a outros sectores e camadas sociais. Para a segunda semana do mês de Julho estava já convocada uma paralisação nacional. O governo foi obrigado a sentar-se à mesa com os representantes das comunidades indígenas, determinadas em manter os bloqueios de estradas, as greves e manifestações que se mantinham nas regiões andina e amazónica.
Igualmente na consequência da luta e dos protestos contra os decretos, foi ainda aprovada pelo congresso uma iniciativa que visa o apuramento das responsabilidades sobre a repressão ocorrida em Bagua. O primeiro-ministro, Yehude Simon, e a ministra do Interior, Mercedes Cabanillas, vão ter de explicar a intervenção policial, da qual resultou a morte de 34 pessoas e o desaparecimento de pelo menos outras 60. Alberto Pizango, líder da AIDESEP, foi obrigado a refugiar-se na Nicarágua.

Governo não desiste

A decisão tomada pelo congresso foi pedida pelo presidente Alan Garcia e defendida pelo primeiro-ministro. Garcia afirmou publicamente ser favorável à derrogação das normas, mas tal declaração só pode ser entendida como um retrocesso temporário face à erosão da sua base social de apoio.
A leitura da posição de Garcia como parte de uma manobra táctica é corroborada pelas palavras do próprio presidente durante a comunicação ao país. Garcia foi claro ao qualificar a tentativa de aplicação dos decretos como uma «sucessão de erros e exageros» decorrentes de «querer modernizar muito rapidamente», e considerou mesmo que os peruanos «não devem temer [a modernização] se for para o país avançar».
Garcia acrescentou também que as autoridades devem evitar «a morte e a dor, que são irremediáveis», mas insistiu que, quando tal acontece, o caminho é «rectificar, reconciliar e recomeçar». Ou seja, para Garcia trata-se de uma questão de forma, tempo e correlação de forças, e não de conteúdo, deixando antever que tão cedo quanto possível o governo peruano voltará a tentar entregar os recursos naturais amazónicos ao capital transnacional.
Alan Garcia sabe que o conflito com as comunidades indígenas peruanas o penalizou fortemente. De acordo com uma sondagem efectuada pela Ipsos Apoyo, publicada no El Comércio e citada pelo vermelho.org.br, somente 21 por cento da população aprova a gestão de Garcia, contra 76 por cento que desaprovam a sua governação. Na pesquisa, 57 por cento dos inquiridos responsabilizaram Garcia pelo assassinato dos indígenas e pela morte de polícias durante o conflito na selva amazónica.
Na comunicação emitida pela televisão nacional, Garcia apontou ainda baterias aos que considera os «inimigos do Peru», a saber, «agitadores» e «políticos de outros países», numa clara referência aos dirigentes e militantes da oposição peruana – comunistas e outras forças democráticas e progressistas, líderes indígenas e entidades eclesiásticas –, e aos líderes de países latino-americanos que conduzem processos progressistas e anti-imperialistas nos respectivos países e se pronunciaram ao lado das reivindicações populares.
No mesmo sentido persecutório pronunciou-se o primeiro-ministro, para quem o repúdio generalizado da sociedade peruana aos decretos e aos acontecimentos em Bagua traduz o «o boicote de alguns oportunistas que se querem somar à luta dos índios para golpear a democracia e derrubar o presidente eleito democraticamente», disse, citado pelo vermelho.org.br, reproduzindo na prática a posição assumida pelos grupos económicos e grémios empresariais do país.
Avante - 25.06.09

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