À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.

25/06/2009

O mistério do raro

Francisco Silva

O acidente com o voo da Air France que se dirigia do Rio de Janeiro para Paris tem sido fonte de grande azáfama jornalística, de hype mediático. Nem podia deixar de ser assim. Um avião, uma máquina voadora como aquela, o mais moderna que é possível, ainda pouco usada, quase nova, com todas as redundâncias de segurança necessárias incluídas, preparada para só lhe poder acontecer um acidente de milhão em milhão de anos, se calhar ainda para períodos mais longos, ultra-segurança dos passageiros a isso obrigando, artilhada com tudo o necessário e mesmo desnecessário, preparada para poder passar por cima das tempestades, para poder aguentar todo o género de raios e coriscos, uma máquina destas, «pô» - como dizem os brasileiros -, lá caiu, e lá morreram os passageiros todos no meio do Atlântico, os passageiros mais a tripulação, é claro. Não é, não foi possível! Mais a mais, se fosse na fase de levantar voo ou na de aterrar, ainda vá que não vá, há sempre um piloto a poder cometer erros - erros humanos por melhor que seja a sua educação, formação, condições físicas e de saúde -, dizia, há sempre uma possibilidade mínima de serem cometidos erros em condições sempre nada triviais como são as de descolagem e de aterragem. Terrorismo, bombas, explosões… com tanta segurança nos aeroportos, «nã», não é possível que tenha sido uma causa destas. Chegaram a ser aventadas possibilidades de intervenções extraterrestres, de naves que teriam «engolido» o Airbus e levado aquela aeronave - com os seus humanos - para algures, pelo céu fora... Sim, porque neste caso as direcções das empresas, a espantosa Ciência & Tecnologia, hoje por hoje, vá lá, ainda não têm controlo!
Por fim, após porfiados esforços, em resultado dos quais, inicialmente, os presumíveis restos da aeronave até chegaram - soube pelos media - a ser confundidos com outros restos em que - parece-me ter lido ou ouvido dizer - até fugas de óleo largadas por navios que andavam nas buscas respectivas, encontradas, em águas oceânicas, foram identificadas como sinais de os destroços do Airbus da Air France andarem por ali, após, inclusivamente hipóteses desvairadas, «misteriosas», como a tal ideia de rapto por entidades extraterrestres, terem bailado pelas mentes mais imaginosas, por fim, dizíamos, foram encontrados os autênticos destroços e corpos das vítimas do acidente - e confirmada a ocorrência de um acidente praticamente impossível, confirmado, pois claro, um evento do tipo «cisne negro», um acontecer do Raro…
Então, numa fase da vida das sociedades em que coexistem coerentemente, no seu ideologizar, crenças sobre a omnipotência das ciências e das tecnologias - em particular, para já e ainda, das desenvolvidas e controladas pelos seus magos ocidentais, isto é, das tecnologias made in USA ou feitas na UE -, portanto, numa fase em que coexistem, de um lado, uma confiança ilimitada nas suas «infalíveis fiabilidades» - seja, por exemplo, nas tecnologias «avançadas» das aeronaves, seja, por outro debatido exemplo, na tecnologia «avançada» das centrais de energia nuclear (então as das sempre emergentes novas gerações) -, em que coexistem, dizia, uma confiança ilimitada numas tão poderosas ciência e tecnologia, tão poderosas que até já estão a pontos de desequilibrar as nossas equilibradas Terra e Humanidade, coexistindo com as crenças nas vinganças, aqui e ali, da Terra, de Gaia, vinganças em termos de cataclismos como tsunamis, terramotos, fogos, outros, que irão sendo todos ser securitariamente controlados, numa tal fase de orgulho «ocidental» de ter atingido tal pico civilizacional de domínio, numa fase em que se estaria quase a alcançar o risco «zero», para todos os efeitos práticos uma ausência de risco, eis que lá vem cair aquele Airbus da Air France em pleno Atlântico, se calhar já caiu partido em dois, sabe-se lá, justamente quando estava tudo previsto para que não acontecesse nenhum acidente, mais a mais um maior!
E nem se lembram que, não há muito tempo, a maravilha tecnológica que era o Concorde teve o fim conhecido - mas as memórias são curtas. Aliás, noutra das áreas «avançadas», a do nuclear, foi Chernobil, mas não conta, porque esse acidente foi devido à incúria de um regime «comunista», arrumado o assunto. Fiem-se na Virgem e não corram, o certo é que temos que entender que a ausência de riscos é um mito em plena época científica! As pessoas têm de aprender a conviver com riscos calculados que são os próprios da realidade das nossas vidas.
Avante - 25.06.09

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