A crise está a ser sentida nas escolas, que tentam dar resposta a carências dos alunos. Da alimentação à roupa
Maria José Ruas segura um quispo verde, pequeno, deixado no posto improvisado de recolha de roupa que a "sua" escola montou este período. Ao fundo uma dúzia de caixas de cartão guardam o que pais e funcionários trouxeram: da roupa de criança à de adulto, passando por sapatos e roupa de cama. A campanha já terminou e alguns alunos até já levaram para casa as peças que faziam mais falta, mas as necessidades das crianças estão longe de estar satisfeitas.
"A muitos falta-lhes tudo. E são tantos. Cada vez mais", diz a subdirectora da Escola Luís António Verney. O agrupamento tem quase mil alunos, das freguesias de Beato e Marvila, em Lisboa, e a crise tem afectado a escola. Muitos procuram ali o que não têm em casa. "Vêm de famílias desestruturadas e são crianças que não têm o básico assegurado: começando pelos afectos, depois comem mal, a refeição melhor que fazem é na escola, andam dias e dias seguidos com a mesma roupa, às vezes já muito sujos."
Por isso, a ideia de organizar uma campanha de recolha de roupa surgiu ainda no final do último ano lectivo. Na prática, para fazer, em maior escala e de forma mais organizada, o que muitos professores e funcionários têm feito ao longo dos anos: trazer para os alunos a roupa que os filhos já não usam. É esse o destino da roupa dos filhos de Maria José Ruas. "Tenho vários alunos vestidos com roupa que era dos meus filhos."
O quispo que tem na mão não serve para os alunos desta escola, todos com mais de dez anos, mas vai com certeza ser útil a uma criança do jardim infantil do agrupamento, explica. O objectivo foi começar a recolha no início das aulas para poder ajudar as crianças a suportar o frio no Inverno. Até porque os sinais são visíveis a olho nu: começa pela ausência de marcas caras, à falta de agasalhos. Os números também mostram essa carência. "Não tenho de cabeça a percentagem de alunos que necessitam de apoio da Acção Social Escolar, mas é muito, muito grande e tem vindo a aumentar. Temos turmas inteiras nessa situação e muitos do escalão A", ou seja, de famílias que ganham até 245 euros por mês.
Gostam de estar na escola, garante a responsável, até porque ali recebem algum carinho, comida e até roupa, "mas ao nível das aprendizagens é muito complicado". Muitos ainda estão à espera de livros e nem uma mochila organizada com o material necessário conseguem. Essa mesma preocupação leva o presidente da Confap a lembrar a necessidade de "acautelar uma resposta às necessidades sociais básicas dos jovens", como os manuais e material . E Albino Almeida teme que o pior ainda esteja para vir.
Para Maria José Rua, os efeitos da crise já se sentem no terreno. Apesar de nesta escola já estarem habituados a viver em crise. Daí a disponibilidade para lançar iniciativas como esta. "As nossas funcionárias estão muito atentas e temos sempre uma maçã à espera para dar a estes alunos. Uma peça de roupa se aparecem na escola molhados. Às vezes até são elas a cortar-lhes as unhas", conta.
Na quinta-feira, a junta de freguesia vem buscar a roupa recolhida (ver infografia) mas "já foi feita uma distribuição pelos casos mais urgentes", explica dona Maria, de bata azul, enquanto revista mais uma vez as caixas. A funcionária conhece bem as dificuldades dos meninos. "Não damos à frente dos outros colegas. Damos à parte." O papel dos directores de turma é estarem atentos aos sinais e depois, "com muita diplomacia", chamarem os pais para perceber o que se passa e como podem ajudar.
Desde que são uma escola TEIP (inserida em territórios educativos de intervenção prioritária) conseguiram mais recursos, admite a subdirectora - dando como exemplo o mediador de pátio que evita que os alunos fiquem no recreio e faltem às aulas -, mas não conseguem "resolver a pobreza". "São problemas sociais que nos ultrapassam. É uma luta diária."
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