À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.

01/06/2010

Sócrates, o adorador de Chico Buarque

PEDRO TADEU

José Sócrates esteve com Chico Buarque... Ao ser desmentida a notícia, dada por fonte oficial, de que o músico pedira para conhecer o chefe do Governo português, foi a gargalhada. A credibilidade do primeiro-ministro sai outra vez chamuscada, a evidente falta de sentido de Estado da gente que o rodeia - para não dizer do próprio - fica comprovada. Mas não acho que esteja aí o busílis da questão...

Este Chico Buarque é o letrista que em 1975 saudou entusiasmado a nossa Revolução dos Cravos e, depois, lhe fez o funeral ao mudar o texto de "Tanto Mar" para proclamar, triste: "já murcharam tua festa pá" e "ainda guardo renitente um velho cravo para mim".

Este Chico Buarque é o músico que veio tocar a uma Festa do Avante!, do PCP. Este Chico Buarque é o escritor que visita com frequência Fidel Castro em Cuba. Este Chico Buarque é o cantor que, sobre uma "Morena de Angola" a declara "bichinha danada, minha camarada do MPLA". Este Chico Buarque é o artista que dedica uma canção ao primeiro de Maio, Dia do Trabalhador, que termina assim: "Ele, o artesão / Faz dentro dela a sua oficina / E ela, a tecelã / Vai fiar nas malhas do seu ventre / O homem de amanhã."

Este Chico Buarque é, portanto, o homem que sempre tomou posições políticas de esquerda, de esquerda a sério, mesmo depois da queda do Muro de Berlim, do nascimento da globalização e do anúncio do fim da luta de classes.

Este Chico Buarque, este mesmo, é (e agora sim, eis o detalhe que não foi desmentido, o tal busílis da questão) um "símbolo da juventude de José Sócrates"...

No mesmo dia em que os jornais escreviam esta frase, noticiavam que 200 ou 300 mil pessoas desfilaram em Lisboa a protestar contra as medidas do Plano de Estabilidade e Crescimento. O Sócrates da juventude, idólatra de Chico Buarque, só podia acompanhar a multidão no protesto.

O Sócrates adulto, o governante, o pragmático, aliou-se circunstancialmente a Passos Coelho para conceber o tal PEC, uma nova música em que se canta aos pobres sobre como têm de ser eles a pagar a crise dos ricos.

Sócrates, portanto, mostra que é capaz de fazer o que é preciso para salvar o capitalismo nacional mas, no jogo da esquizofrenia política, aparenta andar com saudades de si próprio, dos tempos em que estava do lado dos trabalhadores. Citando o compositor Chico Buarque, Sócrates lança a ilusão de ser ainda capaz de gritar: "Pai! Afasta de mim esse cálice." Mas já sabemos que não é.

http://dn.sapo.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=1583200&seccao=Pedro%20Tadeu&tag=Opini%E3o%20-%20Em%20Foco

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