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03/06/2010

Pais prometem luta contra fecho de escolas

Pais prometem lutar contra o encerramento de escolas com menos de 20 alunos. Interior e Norte são as zonas mais afectadas.

O anúncio do encerramento de cerca de 500 escolas do 1.º ciclo já no final deste ano lectivo apanhou muitas famílias desprevenidas. O Ministério da Educação garantiu, na terça-feira, que as crianças vão para escolas melhores e com mais condições, mas os pais estão mais preocupados com as distâncias que os filhos vão percorrer e como esta mudança vai alterar o dia-a- -dia das crianças.

Por isso, prometem lutar para impedir que as escolas encerrem. Aos pais juntam-se as autarquias, que garantem ao Ministério da Educação que só fechará as escolas se os municípios concordarem.

Menos preocupadas com as mudanças parecem estar os mais novos. Algumas dizem estar ansiosas por fazer novos amigos na nova escola.

Esta fase de encerramentos faz parte da reforma da rede escolar que começou a ser feita há cinco anos. Até ao final do ano lectivo 2011-2012 fecharão outras 400. No total, serão 900 as escolas que fecharão as portas.

Torneiros, Mirandela

"Vou arranjar ama para ir buscá-los"

"Nem me diga que vão fechar a escola?... Pois não sei como fazer no próximo ano. Se assim for tenho de gastar dinheiro com uma ama que vá buscá-los a Vila Real e que fique com eles enquanto eu e o pai trabalhamos muitas vezes sem horário. É que com a escola aqui sempre alguém cuida dos meus filhos, em Vila Real não tenho ninguém." O desabafo é de Márcia Carvalho, 31 anos, que tem um filho, de seis anos a estudar na EB1 de Torneiros, em Mirandela, uma das 900 escolas que o Ministério da Educação quer fechar por ter menos de 21 alunos.

Márcia preparava-se também para colocar a filha Carolina, de cinco anos, nessa escola no próximo ano lectivo. Agora, a decisão do Governo ameaça dar-lhe um abanão na vida. "Até admito vender a casa aqui na aldeia e mudar-me para Vila Real." Outra das suas preocupações é a qualidade. "Tenho muitas dúvidas de que a escola para onde as crianças forem transferidas, tenham as mesmas condições que esta, pois as instalações são novas", diz Márcia, referindo-se ao facto de a autarquia a ter remodelado e ampliado em 2008 , gastando ali duzentos mil euros. Aliás, a escola dispõe de um moderno sistema de aquecimento a biomassa, com o qual apenas estão equipadas duas escolas em todo o País.

Tal como Márcia, a autarquia também não parece disposta a aceitar a decisão do Ministério. Dolores Monteiro, vereadora com o pelouro da Educação da Câmara de Vila Real, não tem receio em avisar que no final do ano lectivo apenas encerrarão no concelho duas escolas - Mateus 1 e 2. "As restantes escolas, garanto, que não vão fechar quer o Ministério queira ou não", promete a vereadora, incluindo na lista a EB1 de Torneiros.

A Câmara de Mirandela não é a única a tomar esta posição. A Associação Nacional dos Municípios já avisou que só vai deixar que fechem as escolas que as autarquias concordem.

Silveiras; Montemor-o-novo

"Ele, tão pequeno, vai ter de ir para fora da terra"

Outra das escolas ameaçadas é a primária de Silveiras, Montemor- -o-Novo. Fernanda Menino, mãe de Duarte, de seis anos, que a partir de Setembro frequentará o 1º ano do ensino básico, diz que a família irá passar a viver com o coração nas "mãos". Isto porque o filho será obrigado a levantar-se bem cedo - chega a haver aulas de Inglês às 08.15 - para passar o dia inteiro "fora de casa", num espaço onde "não conhece ninguém".

A escola alternativa a Silveiras fica na cidade, em Montemor-o- -Novo, a mais de 15 quilómetros de distância. Para lá chegar é preciso contar, no mínimo, com 30 minutos de viagem, tal é o movimento constante de veículos pesados na estrada nacional que liga Lisboa à fronteira do Caia. "Não concordo de maneira nenhuma que ele, tão pequeno, seja obrigado a ir estudar para fora da terra e sujeito a um stress enorme."

Em Silveiras, Duarte tem a família e os amigos que conhece das brincadeiras de rua e do ensino pré-escolar, que funciona numa das salas da escola primária. "Se é para reduzir despesas, cortem nas regalias e deixem a Educação em paz", dispara a mãe.

Para Fernanda Menino, "não faz sentido" encerrar um espaço com "excelentes condições, que até tem refeitório e polidesportivo" para obrigar as crianças, logo desde muito pequenas, a ir estudar para a cidade. "A Junta de Freguesia tem uma carrinha para os ir buscar. Mas se forem todos para Montemor, teria de lá ir por duas ou três vezes. Como a escola termina às cinco e meia, os últimos a apanhar a carrinha passam a entrar em casa já de noite."

"Andar aí com carrinhas cheias de crianças para trás e para a frente é um perigo", concorda Francisco Serrano, pai de Luís Carlos, que frequenta o 1.º ano na escola de Silveiras. Com apenas 9 alunos, a escola enquadra-se dentro dos parâmetros dos estabelecimentos de ensino que o Ministério da Educação quer encerrar. Os pais, alarmados com essa possibilidade, correram a colocar uma faixa onde manifestam o seu descontentamento. Francisco Serrano diz que outra "dor de cabeça" seria a alimentação do filho numa escola com centenas de alunos e uma "enorme confusão" à hora de almoço. "Com a idade que têm nem lhes dá para pegar nos tabuleiros. Alguns nem comem. Aqui é outro ambiente, são acompanhados por pessoas que os conhecem", remata.

Zoio, Bragança

"Fazer 20km para estudar"

Ana Beatriz, de sete anos, vive agora a 50 metros da escola da terra. Mas, afinal, no próximo ano lectivo, vai ter de percorrer 20 quilómetros para ir às aulas porque a escola que frequenta é uma das que vai encerrar em Bragança.

Na aldeia de Zoio, a escola é frequentada por dez crianças - das quais seis vão transitar para o quinto ano e vão para Bragança. As outra quatro, incluindo Beatriz, e mais dois novos alunos não chegam para evitar que as portas fechem. Por isso, Ana Beatriz, que anda na segunda classe, vai ser transferida para a escola da aldeia de Rebordãos. "Preferia ficar aqui porque estou mais perto de casa e posso lá ir na hora de almoço ou no intervalo quando preciso de alguma coisa", diz, admitindo, porém, que está ansiosa por fazer novos amigos. "Lá há mais meninos com quem posso brincar."

Esta é única vantagem apontada pela mãe, Matilde. "Vai contribuir para desenvolver a sua socialização." Mas Matilde Nunes também preferia que a filha "ficasse em Zoio porque já aconteceu ficar doente e o professor mandá-la para casa. Mas o que mais preocupa esta mãe são as deslocações. "Tem de se levantar mais cedo e percorrer uma estrada que atravessa a serra da Nogueira e que no Inverno com neve e geada é muito perigoso", conta Matilde, lembrando que até os professores se queixam." Já o pai, João Gato, garante que não vai deixar a filha ir para Rebordãos. "Se fecham aqui a escola então levo-a para Vinhais" (o concelho vizinho). "Só são 13 quilómetros e aquilo lá é mais sossegado" diz, acrescentando: "Se for preciso vou eu levá-la e buscá-la todos os dias."

Tinalhas, Castelo Branco

Rotina com avós vai ser quebrada

João, de nove anos, já pergunta como vai ser o próximo ano na escola. Vê a família a fazer novos planos a partir de Setembro e quer respostas. "Para que escola vai estudar? Quem vai levá-lo? Como vai?" As perguntas de Manuela Mendes juntam-se às do filho que estuda em Tinalhas, concelho de Castelo Branco, onde a escola está em perigo de fechar.

Manuela Mendes Leva todos os dias o João à escola frequentada por 15 alunos. Uma das avós vai buscá-lo às 17h30. Com o encerramento, a família Mendes alterará hábitos diários. "A minha mãe ou a minha sogra gostam de ir buscar o João à escola. É uma pena que isto feche, porque esta é também uma forma de os avós poderem estar com os netos. Falo por mim e por muitas famílias que conheço. Se ele sair daqui, não sei como será para vir ao final do dia das aulas", diz. "A que horas chegará a casa?".

Manuela trabalha na sede do Agrupamento de Escolas José Sanches, em Alcains, onde estão matriculadas cerca de 800 crianças. Espera por isso que seja para este estabelecimento, a oito quilómetros, que sejam transferidos os alunos de Tinalhas, mas ainda nada sabe ao certo. Assim podia levar o filho de manhã com ela. Mas João pode também ser colocado em Rio de Moinhos, a quatro quilómetros. A angústia é grande. "O João começa a entender que a escola pode fechar e é óbvio que começa a ver que alguma coisa se vai passar. Esperávamos que ele saísse daqui só daqui por um ano, para o ensino secundário, nunca que fosse já".

Queirã, Vouzela

"Vai ser complicadíssimo"

"Não acredito. Vai ser complicadíssimo". O desabafo é de Lurdes Lourenço, avó de uma aluna de Queirã, conselho de Vouzela, onde vão encerrar 12 escolas. A freguesia vai perder todos os estabelecimentos básicos e a solução para as crianças é a sede da vila, a 12 km.

"Não podemos perder a escola. Até adjudicaram a construção de um centro escolar como é que pode ser?", interroga-se Cândida Carvalho, avó de uma das crianças. Mas é. Queirã vai perder as escolas da sede da freguesia e de Vasconha. "Vai ser complicadíssimo", acrescenta Lurdes Lourenço. "São muito novas para os autocarros e para estarem longe". O "problema são os transportes que vão exigir mais verbas e o município não tem, conclui.

O Governo tem que nos vir cá dizer isso, pessoalmente e explicar tudo direito ou saímos à rua", promete Cândida Carvalho.

http://dn.sapo.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1584675

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