Henrique Custódio
A denúncia vem no Público: um organismo, criado pelo Governo de José Sócrates para controlar as «derrapagens» e as irregularidades nos concursos públicos, foi ele próprio constratualizado sem concurso público e já «derrapou» para o dobro dos custos contratualizados sem, sequer, estar terminado.
A história começa com o Instituto da Construção e Imobiliário (InCI), organismo público responsável pela execução do Código dos Contratos Públicos e pela criação de um Portal «onde devem ser publicitados todos os ajustes directos e derrapagens, em nome da transparência e do rigor no uso dos dinheiros públicos».
Bem prega Frei Tomás: a criação do Portal foi adjudicada à Microsoft a 27 de Junho de 2008 por «ajuste directo, considerando, à data, a urgência de implementação do portal», como explicou o InCI, recorrendo ao estafado expediente da «urgência» para justificar um ajuste directo de 268 mil euros, verba que ultrapassa, largamente, os montantes máximos permitidos para esses ajustes.
Entretanto, sabe-se que a criação de um «Observatório das Obras Públicas» já foi recomendado pelo Tribunal de Contas (TC) há mais de seis anos, na sequência da análise a cinco obras públicas realizadas por gestão directa do Estado e que haviam «derrapado», todas, para mais do dobro. Foi Valente de Oliveira, ministro PSD de Durão Barroso, o primeiro a prometer esse organismo controlador das derrapagens, seguindo-se-lhe Mário Lino, actual ministro PS, que logo em Dezembro de 2005 aprovaria um «Protocolo» com esse objectivo, que até contou com dinheiros europeus. Até hoje...
Portanto, quanto a «urgências» nesta matéria, estamos conversados.
Mas a tranquibérnia não se fica por aqui. O Público apuraria que a Microsoft começou a trabalhar no Portal antes da adjudicação - o que evidencia um negócio pré-decidido -, o que também não surpreende, quando se sabe que a mesma Microsoft é uma antiga parceira nos «negócios directos» do Governo Sócrates: foi esta multinacional de Bill Gates que, como consultora do Ministério das Obras Públicas (de novo Mário Lino, esse ministro fatal...), começou por colaborar na elaboração deste «Código dos Contratos Públicos», o que colocava a sua contratação para a execução do «Portal» ao arrepio das recomendações legais – que excluem os consultores. Mas isso, obviamente, não impediria o InCI de formalizar um «ajuste directo» - a urgência era muita. Resta saber para quem.
Entretanto, a Microsoft já compensou tanta disponibilidade do Governo de Sócrates, apresentando ao InCI facturas que duplicam o valor do contrato assinado, apesar de o Portal nem sequer estar ainda concluído. Isto porque «discorda» da interpretação do contrato feita pelo Instituto, que considera ter assinado com a Microsoft um típico contrato de concepção/construção (ambas realizadas pela verba contratada), enquanto esta responde que é apenas de «concepção».
Em Janeiro de 2006 o Presidente Sampaio condecorou Bill Gates com a Ordem do Infante e o primeiro-ministro Sócrates recebeu-o como chefe de Estado. Três anos depois a Microsoft agradece com um Portal, onde mostra que já não se limita a «não brincar em serviço»: agora até brinca com o serviço. E cobra a dobrar.
Quanto ao Executivo de José Sócrates, exibe neste episódio do Portal o seu próprio paradigma: um Governo que, para parecer escrupuloso, nunca teve o menor escrúpulo.
Avante - 02.07.09
À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.
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