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14/10/2010

Carvalho da Silva: "Os chantagistas não vão desistir. Isto só vai inverter-se quando os povos sacudirem estas situações. "

À beira de uma greve geral, o secretário-geral da CGTP traça os seus objectivos.

Mobilizar a população e conseguir pequenos sinais no Orçamento do Estado (OE) que possam ser essenciais para alterar a dinâmica que gerou o "grande atoleiro" em que está Portugal.

Foi difícil o acordo com a UGT?
O processo de decisão foi longo, muito trabalhoso no seio da CGTP.

E com a UGT?
Na CGTP, trabalhámos bastante esta decisão, mas não estamos isolados na sociedade. Há uma dinâmica, há sindicatos que foram tendo contactos com os da UGT, em diversos sectores, em função dos problemas concretos. E depois, houve decisões do Governo que aceleraram a decisão. Este processo mostra uma enorme abertura e uma grande preocupação de construção colectiva por parte da CGTP. Este é o ponto de partida.

Qual é o ponto de chegada quanto a resultados?
Isso é outra coisa. Há dois ou três aspectos fundamentais. Um é que a preparação da greve decorra numa fase decisiva do debate político, que a agenda política vá tendo em conta os problemas dos trabalhadores e da população. O segundo é resultar daí influência do ponto de vista do conteúdo e de mobilização da sociedade quanto ao futuro. Estamos no meio de um grande atoleiro do qual não sabemos como iremos sair. E é preciso mobilizar a sociedade. Esses são os dois objectivos.

A greve vai condicionar o OE?
O que sabemos é que a saída dos bloqueios em que a sociedade portuguesa se encontra há-de acontecer quando a sociedade se mobilizar: se exigir caminhos alternativos e se tiver intérpretes sociais e políticos.

A nós, como movimento sindical, compete-nos duas coisas: protestar contra as injustiças e criar bases que propiciem o surgimento de caminhos novos. Quanto mais depressa agirmos, mais depressa esses caminhos surgirão.

A Europa, onde temos um conjunto de aquisições em termos de direitos no trabalho e de cidadania muito acima da média mundial, é hoje o maior travão ao surgimento de alternativas à subjugação ao neoliberalismo. E as soluções políticas ainda não se perspectivam. O que vemos é o surgimento da extrema-direita e outros bloqueios. Mas é deste caldeirão social que hão-de sair soluções.

Os precários vão arriscar-se a aderir à greve?
O caminhar do progresso na sociedade foi feito com muitos sacrifícios e há-de chegar o momento em que também os precários vão ter que reagir. Temos de reagir enquanto ainda temos alguma protecção legal, antes que tudo isto seja uma bagunça muito complicada.

A precariedade é demolidora. Temos mais de metade das famílias com rendimentos até 900 euros. E se não houver actualização do salário mínimo (SMN) caem abaixo da linha de pobreza várias centenas de milhares de portugueses.

Um SMN de 500 euros, mesmo com recessão em 2011?
É indispensável. Como forma de impulsionar caminhos do desenvolvimento, que sustentem a melhoria dos salários.

E vai o Governo subir o SMN quando está a cortar nos salários da função pública?
O Governo, objectivamente, está na linha do neoliberalismo mais duro. Só há saída da crise e combate à recessão se houver criação de emprego e crescimento económico. O corte nos salários da função pública pode ter efeito imediato na redução do défice, mas tem o efeito oposto. Se há corte nos salários, há diminuição de impostos, de contribuições para a Segurança Social, dos impulsos na economia. É só efeitos negativos. O que está em marcha, o maior perigo desta crise, é a diminuição da retribuição do trabalho.

A greve geral não será mal recebida pelos mercados?
Os chantagistas não vão desistir. Isto só vai inverter-se quando os povos sacudirem estas situações.

O economista João Ferreira do Amaral diz que não temos saída no euro, mas se sairmos neste momento é um desastre absoluto. A saída é uma interrogação muito grande, mas sujeitarmo-nos à chantagem é que não dá. Nos períodos de grande crise das sociedades, a saída depende da conjugação entre os factores de reforma e de ruptura.

Isso quer dizer o quê?
Não podemos ignorar que estamos debaixo dessa chantagem dos mercados. Há medidas de sacrifício que são inevitáveis. Mas temos que responder, temos que exigir futuro. Tratarmos das actividades produtivas, irmos onde se pode cortar e não sempre sobre os mesmos. É preciso mobilizar uma burguesia que se apoderou do poder económico e político. Mas também é evidente que não há saída enquanto não instabilizarmos essa burguesia. Há momentos em que um pequenino efeito pode ser extraordinário para se iniciar uma mudança. Não estamos à espera de sair desta greve com uma solução social e política, mas se conseguirmos o que enumerei será extraordinário.

Que pequenino efeito?
Um deles é ir onde está a riqueza e exigir um contributo maior. Outro é acabar com a ideia de que um protegido contra a pobreza é um privilegiado na sociedade. Não perdermos a batalha do SMN, não aceitarmos que a redução dos salários se torne normal. E em relação ao Código Contributivo, haver algumas reposições, que não permitam o desequilíbrio da Segurança Social. Gerar-se um outro clima de discussão sobre o que podemos fazer. Precisávamos de uma dinâmica nos órgãos de soberania e termos um Presidente que puxasse isto a sério e não temos.

Mas o Presidente da República está empenhado em que o PSD viabilize o OE...
Na fase actual, as preocupações em relação à passagem do OE situam-se naqueles que dominam o "centrão político" para se manterem no poder. Este pingue-pongue podia ser dinâmico, mas é um jogo. Por isso é que há pouco falava numa certa burguesia instalada que é preciso instabilizar. Isto não é sinónimo daquela frase do Otelo, "metê-los no Campo Pequeno". Não tem nada a ver com isso. O segredo numa grande crise é o surgimento de processos que conjuguem as convergências com as rupturas que têm que se fazer.

Não podemos ignorar que vamos continuar neste sistema e que tem que haver alianças. E esses sectores da burguesia também são importantes.

O PSD viabilizará o OE?
Estou convencido de que viabilizará. Mas só por uma lógica de manutenção do poder. E é aqui que entra a fragilidade do cenário das presidenciais. O actor [PR] é muito fraco e comprometido com o processo.

http://economia.publico.pt/Noticia/carvalho-da-silva-nao-ha-saida-sem-instabilizar-a-burguesia_1460886

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