Correia da Fonseca
Uma reportagem do National Geographic Magazine, canal distribuído por cabo, traz-nos notícias da Amazónia. Más notícias, como bem se poderia esperar, mas não pelo motivo habitual que é a desflorestação imposta pelo comércio de madeiras: desta vez trata-se da plantação hiperintensiva de soja, propiciadora de fartos lucros mas devastadora dos solos e com consequências verdadeiramente assassinas para as populações.
Expondo as razões concretas de uma espécie de anunciado apocalipse local, a reportagem de origem obviamente insuspeita explica-nos que a fúria inescrupulosa dos plantadores de soja vai provocar o que pode ser designado por morte ecológica do rio, e que daí até à destruição de uma enorme e fundamental parcela da própria Amazónia não vai nenhuma distância significativa. Acrescenta que os poderes públicos não parecem interessados nas medidas inevitavelmente drásticas que poderiam suster a catástrofe, ou talvez que não têm efectiva vocação para tanto, decerto porque, ali como em muitos outros lugares, entre o poder político e a ganância comercial não há efectiva fronteira mas, pelo contrário, coincidência e sobreposição.
Quanto aos autóctones que tentam resistir ao desastre, não faltam os que são abatidos sem que os matadores sejam punidos ou sequer formalmente identificados, o que também não surpreende: é sabido que no Brasil é uma sinistra tradição o assassínio dos que defendem a terra contra as pilhagens.
A reportagem é, naturalmente, consternante: vagas notícias haviam dito que a destruição da Amazónia tinha sido travada ou pelo menos reduzida, que alguma pressão internacional em defesa do «pulmão do mundo» conseguira consequências positivas, e até se admitira que talvez seja assim no que se refere ao comércio madeireiro.
A verdade é que o telespectador vulgar não sabe dessas coisas, do Brasil sabe o que lhe contam as telenovelas, sabe do futebol e do samba, por aí se fica aliás presumivelmente satisfeito. Vem agora esta informação acerca da destruição provocada pelas plantações de soja e para quem tenha calhado vê-la terá sido um desapontamento. Mas não uma surpresa.
A verdade é que até os mais distraídos, até muitos dos rendidos aos benefícios de um progresso material que quase todos os meses nos oferece telemóveis mais sofisticados, o que é fascinante, sabem que a gloriosa e libérrima iniciativa privada tem os seus inconvenientes. Talvez porque já ouviram falar do risco de esgotamento ou perversão de alguns bens de utilização colectiva e global (água, ar, matérias-primas), do saque de algumas regiões.
O derrame de crude que prossegue algures no Atlântico ao largo da costa norte-americana terá sacudido um poucochinho a apatia generalizada. Mas é de crer que a maioria dos inquietados tenda a encolher os ombros e a esquecer, porque «não há-de ser nada».
O terrível, porém, é que ao invés de «não ser nada» pode ser tudo. A questão é que a sobreexploração sem limites e anárquica, verdadeiro motor do capitalismo ultraliberal que domina o mundo, contém em si própria sementes de uma dinâmica de carácter verdadeiramente apocalíptico. É certo que o planeta já provou que suporta e perdoa muita coisa, mas é de uma leviandade criminosa e suicida presumir que perdoa tudo. Pelo que, naturalmente, é preciso e urgente travar a cavalgada para a autodestruição e, para tanto, ter o lúcido conhecimento do contexto em que ela mergulha as suas raízes. São raízes poderosas, mas a opção é simples: ou a gula insaciável do empresariado transnacional ou a viabilização do futuro. A reportagem do Nacional Geographic Magazine veio, à sua discreta escala, lembrar que é preciso escolher.
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