À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.

12/07/2010

"From the financial crisis to the world economic crisis. The role of inequality, de Gustav Horn e outros"

Autores explicam como é que as desigualdades de rendimento potenciaram a crise financeira.

Este ensaio procura explicitar as condições sociais e o enquadramento institucional da actual crise financeira a partir de uma perspectiva comparada. O seu argumento central é o de que as desigualdades de rendimento e a forma como este fenómeno foi enquadrado institucional e politicamente favoreceu a actual crise financeira mundial. A análise foca-se sobretudo sobre a realidade dos Estados Unidos e da Alemanha, nomeadamente no papel sistémico diferenciado que lhes coube na produção da crise.

O ensaio começa por apresentar informação estatística acerca da evolução das desigualdades de distribuição do rendimento nos países do G7 (França, Alemanha, Japão, Reino unido, Estados Unidos, Canadá, Itália) e da OCDE. Conclui-se que este tipo de desigualdade se tem vindo a agravar desde a década de oitenta do século passado. Perante esta evidência, atestada por diferentes indicadores, os autores procuram compreender as causas que determinam os processos de distribuição da riqueza. Para tal passam em revista um conjunto de estudos sobre a matéria. A globalização, o progresso tecnológico e as instituições do mercado de trabalho estão entre as variáveis que mais influenciam a distribuição da riqueza. Os autores sublinham que apesar da globalização e do progresso tecnológico funcionarem como factores externos que fragilizam os níveis remuneratórios dos trabalhadores – especialmente dos que têm baixas qualificações –, a orientação política dos governos e as medidas concretas por si adoptadas, bem como a força relativa dos sindicatos, assumem também um forte poder na estruturação da amplitude das desigualdades remuneratórias.

Os autores questionam os consensos dominantes no espaço público relativos à alegada influência positiva que a diminuição da despesa pública em benefícios sociais ou a diminuição da influência dos sindicatos têm na diminuição do desemprego. Alegam que a diminuição deste tipo de benefícios sociais e da força dos sindicatos conduz, isso sim, ao aumento das desigualdades na distribuição da riqueza:


“Durante muito tempo o modelo anglo-saxónico assente na desregulação do mercado de trabalho e num Estado Providência relativamente fraco foi propalado como o modelo de referência. Foi dito que este modelo implicava de facto maiores desigualdades de rendimento, mas era assumido que produzia em compensação maiores níveis de emprego. Contudo, é hoje em dia claro que este modelo se baseava em grande parte na compensação das baixas dinâmicas de rendimento de grande parte da população através da generalização dos empréstimos, os quais funcionavam como geradores do consumo” (p. 11, tradução própria).

Foi isto que se passou nos Estados Unidos a partir da década de oitenta. O aumento das desigualdades de rendimento e a respectiva deterioração do poder de compra de uma parcela bastante significativa da população, aliados aos estímulos políticos à concessão de crédito à habitação, fez com que se verificasse um desfasamento brutal entre o volume do consumo e as possibilidades reais das famílias para pagar os empréstimos dos imóveis. Segundo os autores, para compensar as crescentes desigualdades de rendimento e a diminuição do poder de compra da maior parte das famílias, os Estados Unidos fomentaram a compra de habitação e o acesso fácil ao crédito. Para ilustrar esta estratégia, os autores fazem uma listagem das medidas em que ela se baseou (por exemplo, os conhecidos “empréstimos ninja”, concedidos a quem não tinha trabalho, rendimento ou património).

Um país como os Estados Unidos, cujo volume de consumo ultrapassa em muito os níveis de produção, necessita de se financiar nos mercados estrangeiros. É nesta equação que surge a Alemanha. Nela o aumento das desigualdades de rendimento na última década e a diminuição dos benefícios sociais foram acompanhados por uma redução do consumo e, neste sentido, por um fraco crescimento do mercado interno. Os bancos alemães compensaram esta baixa procura interna de empréstimos nos mercados internacionais. E, quando a crise do sub-prime norte-amerciano rebentou, foram directamente afectados pela mesma.

“Enquanto que o boom do consumo nos Estados Unidos foi viabilizado pelo brutal endividamento das famílias e por uma substancial importação de capitais, num processo que decorreu paralelamente ao aumento das desigualdades de rendimento, a Alemanha (tal como o Japão, e até certo ponto, a China) afirmou-se como um “free rider”: afectado como outros países pelas restrições salariais extremas, negligenciou o crescimento interno e consequentemente passou a depender da vontade dos ‘países deficitários’ em pedir empréstimos. Ao mesmo tempo os bancos alemães – apesar das práticas conservadoras ao nível dos empréstimos internos – amealharam temporariamente elevadas somas nos produtos financeiros estrangeiros de cariz especulativo. Tal como é ilustrado drasticamente pela crise económica mundial, ambas as estratégias de crescimento são insustentáveis no longo prazo” (p. 3, tradução própria).

Na esteira da perspectiva de Fitoussi e Stiglitz, os autores concluem portanto que as formas diferenciadas como os países lidaram com o aumento das desigualdades de rendimento potenciaram-se reciprocamente. As necessidades de financiamento do consumo norte-americano encontraram na poupança excessiva verificada em alguns países a condição necessária para a sua viabilização. Até que a bolha rebentou.

Frederico Cantante

Link para ensaio

http://observatorio-das-desigualdades.cies.iscte.pt/index.jsp?page=publications&lang=pt&id=54

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