Com o capitalismo americano atolado numa crise económica de uma tal severidade que lembra cada vez mais a Grande Depressão dos anos 30, não é de espantar que haja por toda a parte apelos a um «novo New Deal». A nova administração Obama já delineou um vasto programa de estímulo económico para dois anos, num montante de 850 mil milhões de dólares, destinado a fazer sair o país da profunda crise.
A possibilidade de um novo New Deal deverá ser bem acolhida por toda a esquerda uma vez que promete um certo alívio da forte pressão que pesa sobre a população trabalhadora. No entanto há importantes questões que se levantam. Quais são as reais perspectivas de um novo New Deal nos Estados Unidos hoje? Será esta a resposta à actual crise económica? Qual deverá ser a posição da esquerda? Uma análise completa a todas estas questões requereria um grande volume. Limitar-nos-emos aqui a abordar alguns pontos que ajudam a clarificar os desafios que temos pela frente.
O New Deal não foi inicialmente uma tentativa de estimular a economia e desencadear a recuperação através da despesa pública, ideia que apenas foi aflorada no começo da década 30. Pelo contrário, consistiu em medidas ad hoc New Deal foi destinada a operações de salvamento ou de saneamento, que visavam sobretudo ajudar o mundo dos negócios, associadas a programas de apoio ao emprego. No início, a parte de leão das despesas De salvamento. Na sua obra A Política Fiscal e os Ciclos Económicos, de 1941, o economista de Harvard, Alvin Hansen, um dos primeiros seguidores de Keynes nos Estados Unidos, explicou:
«Em grande parte, o governo federal [na época do New Deal] empenhou-se num programa de salvamento e não num programa de expansão positiva. O programa de salvamento tomou a forma de um refinanciamento da dívida rural e urbana, de uma reconstrução da enfraquecida estrutura capitalista dos bancos e de um apoio aos caminhos-de-ferro falidos ou à beira da falência (…).
A Reconstruction Finance Corporation [Sociedade de Financiamento da Reconstrução], a Home Owner’s Loan Corporation [Sociedade de Empréstimos aos Proprietários de Casas] e a Farm Credit Administration [Administração de Crédito às Empresas Agrícolas] despejaram 18 mil milhões de dólares nestas operações de salvamento. O governo federal por sua vez interveio para socorrer e apoiar os estados federados e governos locais submetidos a forte pressão – o que foi novamente uma operação de salvamento (…).
«A necessidade de um programa de salvamento de tal magnitude devia-se naturalmente à profundidade sem precedentes que a depressão tinha atingido no início de 1933 (…). Em tais circunstâncias, a economia é drenada como uma esponja. Os amplos gastos do Estado destinados a repor a “esponja” num nível elevado de prosperidade são, em vez disso, absorvidos pela própria esponja. Os gastos parecem resultar em desperdício. Isto é uma operação de salvamento. Só quando a economia volta a estar totalmente fluida é que os fundos suplementares são capazes de a fazer flutuar em níveis de rendimentos mais elevados. Uma depressão profunda requer grandes despesas de salvamento antes que se possa desenvolver um vigoroso processo de expansão.» [1]
O mito das obras públicas
As despesas federais em obras públicas, que na cultura popular se tornaram quase sinónimo de New Deal, aumentaram quase todos os anos entre 1929 e 1938 (ver quadro 1). Contudo, as despesas totais do Estado em obras públicas não retomariam o nível de 1929 antes de 1936, devido ao facto de as reduções de verbas para esta rubrica ao nível dos estados e governos locais não terem sido compensadas pelos aumentos ao nível federal.
Num primeiro momento, os estados e os governos locais responderam à crise profunda aumentando as suas despesas em obras públicas. Todavia, ao fim de dois anos os seus recursos ficaram em grande parte esgotados e as suas despesas em obras públicas caíram abaixo do nível de 1929. Em 1936, as despesas dos estados e governos locais representavam menos de metade do seu nível de 1929. De resto, na maior parte da década da depressão, como sublinhou Hansen, «o governo federal apenas ajudou a conter a maré vazante». Não obstante o facto de as despesas federais neste domínio terem aumentado quase 500 por cento, as despesas totais do Estado em obras públicas apenas subiram 12 por cento ao longo de todo o período, o que não é suficiente para poder constituir um grande estímulo ao conjunto da economia.
Foi já numa fase tardia da década da depressão, no que os historiadores chamaram o «segundo New Deal», que culminou com a vitória eleitoral esmagadora de Roosevelt em 1936, que a tónica passou de maneira decisiva das operações de salvamento para os programas de apoio ao emprego e outras medidas que beneficiaram directamente a classe operária. Foi a época da Works Progress Administration (Administração para o Progresso dos Trabalhos – WPA), sob a direcção de Harry Hopkins, assim como de outros programas e medidas progressistas, como o subsídio de desemprego, a segurança social e a Lei Wagner (consagrando o direito jurídico de organização). Estes progressos foram possíveis graças à grande «revolta de baixo», realizada pelos trabalhadores organizados nos anos 30. [2]
A WPA gastou 11 mil milhões de dólares e empregou 8,5 milhões de pessoas. Pagou a construção de estradas, auto-estradas e pontes. Mas fez bem mais do que isso. O programa federal dos almoços escolares foi iniciado com os dólares da WPA. Na verdade, o que distinguiu a WPA dos outros programas para o emprego foi o facto de ter contratado pessoas para fazerem coisas que eram necessárias em todas as áreas da sociedade, em profissões para as quais estavam já preparadas. A WPA financiou mais de 225 mil concertos. Pagou a artistas para pintarem murais e a actores para montarem produções teatrais. [3]
Mas nada disto estava conforme com os posteriores preceitos da economia keynesiana. Mesmo já tardiamente, em 1937, a administração do New Deal de Roosevelt ainda não tinha renunciado ao seu objectivo de equilibrar o orçamento federal – o principal intuito do secretário do Tesouro, Henry Morgenthau Jr., mesmo no pico da Grande Depressão. Assim, foram tomadas medidas drásticas para reduzir os gastos federais, mediante a redução das despesas nos orçamentos dos anos fiscais de 1937 e 1938. Entretanto, o novo programa de segurança social, adoptado em 1935, que se baseava numa tributação salarial regressiva, [4] começou a cobrar contribuições aos trabalhadores no ano fiscal de 1936, ainda que o pagamento de pensões de reforma não estivesse previsto ocorrer antes de 1941, o que gerou um efeito deflacionista massivo. [5]
A recessão de 37-38 e a «salvação» da guerra
Estas e outras contradições atingiram o seu ponto crítico na recessão de 1937-38, durante a qual a recuperação que vinha a ter lugar desde 1933 foi subitamente travada, antes da recuperação completa, com o desemprego a disparar de 14 para 19 por cento. E só face à necessidade de contrariar o aprofundamento da estagnação económica é que a administração Roosevelt foi finalmente persuadida a pôr de lado decididamente a sua tentativa de equilibrar o orçamento federal e a adoptar a estratégia preconizada pelo presidente da Reserva Federal, Marriner Eccles, de recorrer a grandes despesas públicas e ao financiamento pelo défice para soerguer a economia. Estas medidas coincidiram com a publicação de Um Programa Económico para a Democracia Americana, da autoria de Richard V. Gilbert, George H. Hildebrand Jr., Arthur W. Stuart, Maxine Y. Sweezy, Paul M. Sweezy, Lorie Tarshis e John D. Wilson – um grupo de jovens economistas de Harvard e de Tufts, que representava a revolução keynesiana. Este livro foi um bestseller em Washington e tornou-se de imediato a fundamentação intelectual, a posteriori, das medidas expansionistas do New Deal de 1936-39. [6] Contudo, as medidas de incentivo adoptadas nesta fase eram demasiado exíguas para contrariar as condições da depressão que prevaleciam naquele tempo.
O que salvou a economia capitalista foi a Segunda Guerra Mundial. «A Grande Depressão dos anos 30», escreveu John Kenneth Galbraith, «nunca chegou ao fim. Desapareceu muito simplesmente na grande mobilização dos anos 40.» [7]
Mas isto levanta outras questões, como as colocadas em 1966 por Paul Baran e Paul Sweezy no seu Monopoly Capital: «Porque é que não se verificou um tal aumento [da despesa pública] durante toda a década de depressão? Porque é que o New Deal falhou um objectivo que a guerra provou estar facilmente ao seu alcance? A resposta a estas questões», argumentavam os autores, «é que, dada a estrutura de poder do capitalismo monopolista nos Estados Unidos, o aumento [da despesa pública] estava perto de atingir os seus limites extremos em 1939. As forças que se opunham ao prosseguimento da expansão eram demasiado fortes para poderem ser contrariadas.»
A tese de Baran e Sweezy, de que a despesa pública civil no final do New Deal «estava perto de atingir os seus limites extremos», referia-se fundamentalmente às compras totais não militares do Estado em percentagem do PIB. Este indicador inclui praticamente todas as contribuições directas do Estado para o bem-estar da população, abrangendo a educação pública, as estradas e auto-estradas, a saúde, os serviços de saneamento, água e electricidade, o comércio, a reabilitação, o lazer, a polícia e a protecção contra incêndios, os tribunais, as prisões, os serviços jurídicos, o sector administrativo, etc. Baran e Sweezy afirmaram que o conjunto destas áreas cruciais do Estado tinha atingido em 1939 a sua parte máxima do PIB, dada a estrutura de poder do capitalismo monopolista norte-americano. [8]
É notável que a tese de Baran e Sweezy sobre o limite da despesa pública civil tenha sido confirmada ao longo de mais de 40 anos após a sua formulação (ver gráfico 1). As despesas civis de consumo e investimento do Estado, em percentagem do PIB, cresceram até 14,5 por cento do PIB em 1938 (14,4 por cento em 1939), caindo nos anos 40 devido à enorme expansão dos gastos militares durante a Segunda Guerra Mundial, e voltaram a ganhar terreno nas décadas de 50, 60 e princípios da de 70. As despesas civis de consumo e investimento do Estado atingiram o seu ponto mais alto, 15,5 por cento do produto nacional, em 1975 (voltando a cair em 1976 para 14,9 por cento, o segundo nível mais alto), e estabilizando por fim em torno dos 14 por cento desde o final dos anos 70 até ao presente. Em 2007, as despesas civis de consumo e investimento do Estado representaram 14,6 por cento do PIB, ou seja, quase exactamente o mesmo nível de 1938-39!
Contradição de interesses
As razões disto são claras. Para além de um certo nível mínimo, os interesses imobiliários opõem-se à habitação pública, os interesses privados na saúde e dos profissionais da medicina opõem-se ao sistema público de saúde, as companhias de seguros opõem-se aos programas públicos de segurança social, os interesses privados na educação opõem-se ao sistema público de educação, etc. As grandes excepções no âmbito das despesas públicas civis são as auto-estradas e as prisões, juntamente com os gastos militares. Baran e Sweezy escreveram:
«Este ponto pode ser elucidado analisando-se duas rubricas do orçamento em simultâneo, por exemplo, a habitação e a saúde. São poucos os que hoje se opõem a um modesto programa de habitação pública e, naturalmente, todos concordam com despesas de saúde pelo menos suficientes para controlar doenças epidémicas. Mas, para lá de um certo ponto, a oposição começa a crescer em cada caso, primeiro da parte dos interesses imobiliários contra a habitação pública e da classe médica contra os programas públicos de cuidados de saúde. Todavia os interesses imobiliários não têm nenhuma razão particular para se opor aos cuidados de saúde, nem os médicos razões para se opor à habitação pública. Contudo, uma vez que cada um deles se opõe a novas despesas no seu próprio domínio, ambos rapidamente descobrem que é do seu interesse comum unir forças para se oporem juntos a mais habitação social e mais saúde pública. Assim, a oposição a cada rubrica individual aumenta mais rapidamente quando duas rubricas estão a ser consideradas, e aumentará muito mais ainda se estiverem em causa aumentos a todos os níveis do conjunto do Orçamento do Estado. Podemos dizer em sentido figurado que se se considerar uma só rubrica a oposição crescerá proporcionalmente ao valor do aumento, enquanto que se se considerar todas as rubricas a oposição crescerá proporcionalmente ao quadrado do aumento.» [9]
O facto de o limite da despesa pública no sistema norte-americano constituir uma barreira mais política do que económica é demonstrado pelos níveis muito diferentes da despesa pública em percentagem do PIB nos países capitalistas avançados. O quadro 2 apresenta dados comparativos para os países do G-7 mais a Suécia relativos a 2007. A despesa pública total (coluna 1) compreende designadamente:
a) as compras directas do Estado, que contribuem directamente para a procura agregada total e
b) as despesas que redistribuem rendimento e capital dentro da economia, tais como o pagamento de juros, pagamento de transferências para a segurança social, subsídios agrícolas e apoios ao investimento. [10] As despesas de consumo final público (coluna 2) constituem a maior componente da parte das compras públicas da coluna 1 e incluem os gastos para fins militares. As transferências para a segurança social (coluna 3) englobam a totalidade dos esquemas de segurança social que cobrem o conjunto da comunidade, constituindo a principal fatia das despesas com a protecção social. Os dados sobre os gastos militares (coluna 4) foram retirados da Base de Dados dos Gastos Militares do Instituto Internacional de Investigação para a Paz de Estocolmo (SIPRI) e referem-se ao ano de 2006. (NB: as colunas 2, 3 e 4 não se somam à coluna 1, mas apenas mostram componentes seleccionadas desta última. Algumas das outras alíneas da despesa pública total que não estão incluídas são a formação de capital, os pagamentos de juros e outros pagamentos de transferências).
Ao examinarmos estes números torna-se claro que os EUA apresentam o mais baixo consumo final público (que inclui o consumo militar) em percentagem do PIB e que estão entre os países que menos gastam com pagamentos de transferências para a segurança social em percentagem do PIB. Os Estados Unidos são também os que gastam a maior fatia do seu produto nacional para fins militares. As despesas de consumo público, excluindo os gastos militares, atingiram apenas 11,8 por cento do PIB em 2007. É pois evidente que há uma ampla margem para que os Estados Unidos possam expandir a despesa pública civil e as transferências para a segurança social. O plafonamento de tais despesas até determinada percentagem do produto nacional é um dos reflexos da estrutura de poder da sociedade norte-americana, do nível relativamente fraco de organização do trabalho e da força relativa do grande capital. Apesar do seu carácter formalmente democrático, os Estados Unidos estão firmemente nas mãos de uma oligarquia abastada, provavelmente a classe dominante mais poderosa da história.
Tudo isto é inseparável do papel dos Estados Unidos enquanto potência imperialista e dos efeitos que isso tem na sua estrutura interna de poder. Segundo o Gabinete de Gestão e Orçamento (U.S. Office of Management and Budget), os gastos militares norte-americanos foram de 553 mil milhões de dólares (4 % do PIB), ao passo que actualmente estes gastos são de um milhão de milhões de dólares (7,3% do PIB). Em 2007, o consumo federal e as despesas de investimento, excluindo os gastos militares, de acordo com o Gabinete de Análise Económica, representaram menos de metade do consumo federal e das despesas de investimento no sector militar.[11]
A ameaça da III Guerra
A nossa conclusão é por conseguinte simples. Dado que o tecto político da despesa pública civil, em percentagem do PIB, persiste há mais de sete décadas nos EUA, e apesar da existência de uma administração relativamente progressista e de vivermos a pior crise económica desde a Grande Depressão, não é provável que tal possa ser alterado sem uma luta de massas, uma luta efectiva de transformação social. Mesmo a maior crise ambiental da história da civilização, que ameaça a vida em todo o planeta, não terá uma resposta suficientemente vigorosa por parte do governo sem que o sistema norte-americano sofra uma reviravolta. As forças que controlam a despesa pública civil são demasiado poderosas para ceder a qualquer outra coisa que não seja uma grande convulsão no seio da sociedade.
Naturalmente, a história do capitalismo americano depois da Segunda Guerra mundial poderá sugerir que o recurso mais provável dos que estão no poder, numa conjuntura tão grave como a que vivemos, será tentar estimular a economia através de um aumento extraordinário dos gastos militares. O facto de a administração Obama já ter anunciado a intenção de manter o actual orçamento militar e intensificar a guerra no Afeganistão apenas reforça esta preocupação. [12] Torna-se pois imperativo que a esquerda redobre de esforços para se opor ao militarismo e reclamar que os recursos sejam empregues para fins civis.
Simultaneamente, a ideia de que nas presentes circunstâncias as despesas militares podem fornecer um estímulo económico efectivo é posta em dúvida mesmo em círculos da classe dominante. Desde logo porque os gastos militares dos EUA estão já ao nível de uma guerra aberta, representando metade (ou mais) das despesas militares mundiais. Teríamos de remontar à Roma antiga para encontrar uma situação comparável de dominação militar. A situação não é comparável à de 1939-1941, altura em que as despesas militares dos EUA cresceram virtualmente a partir do zero. Duplicar ou triplicar as despesas militares na actual situação significaria que os Estados Unidos deveriam gastar duas ou três vezes mais do que o resto do planeta em guerras e em preparativos de guerra (presumindo que as outras nações manteriam o actual nível dos seus gastos militares). Politicamente isso seria difícil, tanto no plano internacional, dado que as outras grandes potências com as quais os Estados Unidos têm de trabalhar já estão alarmadas com o unilateralismo dos EUA, como no plano interno, onde até os submissos media norte-americanos teriam dificuldades em explicar a racionalidade de um direccionamento ainda maior da economia para o militarismo num momento em a qualidade de vida se desmorona.
Mas o mais importante é talvez o facto de a tese segundo a qual o aumento das despesas militares estimularia eficazmente o equilíbrio da economia estar a ser rejeitada pelos economistas, mesmo os da corrente dominante, que sublinham que aumentos marginais das despesas com a «defesa» têm um impacto muito menos positivo sobre o emprego do que a maioria da despesa civil pública, dada a natureza altamente tecnológica-intensiva dos gastos militares modernos e o facto de uma grande parte das aquisições ser efectuada no estrangeiro.
Deste modo, o principal impacto de uma duplicação das despesas militares americanas seria o aumento considerável da probabilidade de ocorrência de guerras maiores e mais alargadas e da destruição da civilização humana. Como escreveu C. Wright Mills, «a causa imediata da Terceira Guerra mundial é a sua preparação militar». [13] Até membros da classe dominante poderão hesitar em face da ameaça de um recurso crescente à guerra e aos preparativos da guerra na era da proliferação nuclear.
Se nós estivermos certos neste ponto, como esperarmos estar, o aumento da despesa pública como resposta à crise actual incidirá principalmente na expansão das despesas civis. Inicialmente, tais despesas destinar-se-ão prioritariamente a operações de salvamento ou de saneamento. Esses esforços cruciais para o capital serão legitimados por programas de obras públicas mais pequenos dirigidos à população de mais baixos recursos. Os aumentos da despesa pública, no seu conjunto, serão em grande parte concebidos mais como medidas temporárias de alavancagem da economia do que como um alargamento permanente da intervenção do Estado. Mesmo que os aumentos da despesa federal venham a pesar fortemente em termos orçamentais, é pouco provável que fiquem perto de poder compensar o declínio do consumo, do investimento e da despesa dos estados e governos locais. Dado que o conjunto da economia está a ser espremido como uma esponja, uma boa parte da despesa pública, que deveria repor a esponja a flutuar, em níveis mais elevados de rendimento, será, pelo contrário, absorvida pela própria esponja, como sucedeu nos anos 30, produzindo efeitos muito pouco visíveis. Consequentemente, a recuperação será lenta e a economia, já profundamente atolada em problemas de estagnação e de solvabilidade financeira, continuará enfraquecida. [14]
A necessidade da luta de massas
Um regresso ao tipo de programas sociais associados ao New Deal, o autêntico ou o segundo New Deal, a verificar-se, só será expectável mais tarde, depois do esforço inicial de salvamento. Além disso, é improvável que tal venha a concretizar-se numa extensão considerável caso não haja uma revolta de baixo, numa escala pelo menos tão grande como a de meados dos anos 30. O movimento laboral tem mais uma vez de renascer das cinzas. Só uma mudança radical nas políticas do EUA, resultante de um amplo levantamento da base, será capaz de deslocar sensivelmente o tecto da despesa pública.
Nestas circunstâncias, a responsabilidade específica da esquerda consiste em impulsionar não apenas a organização militante da população mais desfavorecida mas também o tipo de mudanças que vão contra a lógica do sistema e assentem numa maior intervenção do Estado, de forma a poderem contribuir para uma melhoria substancial das condições dos mais desfavorecidos.
Naturalmente que, dada a actual estrutura de poder da sociedade norte-americana e o plafonamento durante sete décadas das despesas públicas civis em percentagem do PIB, tudo isto pode parecer castelos no ar. E a nossa mensagem é de que assim é de facto, a menos que a estrutura de poder da sociedade americana seja modificada. Só um movimento de reforma, tão radical que pareceria revolucionário no contexto da actual ordem económica e social americana, reduzindo fundamentalmente o campo de acção do mercado capitalista, teria alguma hipótese de melhorar substancialmente as condições da maioria da população. É inútil dizer que para uma tal luta ter êxito as pessoas precisam de estar conscientes da realidade para lutarem por aquilo que mudará materialmente as suas vidas.
Estas conquistas só poderão ser alcançadas através de uma enorme luta de classes feita a partir da base. Em caso de vitória, sublinhamos, os ganhos obtidos não terão contudo eliminado os males do capitalismo nem os perigos que ele representa para os povos do mundo. No fim de contas, não há uma verdadeira resposta que não seja o desmantelamento tijolo a tijolo do próprio sistema capitalista e a reconstrução de toda a sociedade nos princípios socialistas. É uma coisa que a grande maioria da população aprenderá sem qualquer dúvida no decurso das suas lutas por um mundo mais igual, mais humano, mais colectivo e mais sustentável. Entretanto, é tempo de iniciar a organização de uma revolta contra o plafonamento imposto pela classe dirigente à despesa pública civil e pela protecção social na sociedade americana.
Notas:
[1] Alvin H. Hansen, Fiscal Policy and Business Cycles, Nova Iorque: W.W. Norton, 1941, pp. 85-87.
[2] David Milton, The Politics of Labor: From the Great Depression to the New Deal, Nova Iorque: Monthly Review Press, 1982.
[3] Harry Magdoff e Paul M. Sweezy, «The Responsibility of the Left », Monthly Review 34, n.º 7 (Dezembro de 1982), p. 6-9; Nick Taylor, American-Made, New York: Bantam, 2008; «FDR’s New Deal Blueprint for Obama», CBS News, 14 de Dezembro de 2008, http://www.cbsnews.com.
[4] Ao contrário dos impostos progressivos, que aumentam proporcionalmente ao aumento do rendimento tributável, os impostos ou tributações regressivos diminuem proporcionalmente ao aumento do rendimento tributável, com o objectivo de beneficiar os altos rendimentos. (N.R.)
[5] Allan H. Meltzer, A History of the Federal Reserve, vol. 1, Chicago: University of Chicago Press, 2003, p. 521; Dean L. May, From New Deal to New Economics, New York: Garland, 1981, p. 91-113, 122; Hansen, Fiscal Policy and Business Cycles, p. 88. A segurança social passou para o sistema de repartição em parte devido ao feito da recessão de 1937.
[6] May, From New Deal to New Economics, p. 147-48; John Kenneth Galbraith, Money: Whence It Came, Where it Went, Boston: Houghton Mifflin, 1995, p. 232-36; Richard V. Gilbert, George H. Hildebrand, Jr., Arthur W. Stuart, Maxine Y. Sweezy, Paul M. Sweezy, Lorrie Tarshis e John D. Wilson, An Economic Program for American Democracy, Nova Iorque: Vanguard Press, 1938. Outros autores do An Economic Program for American Democracy não assinaram o livro por razões diversas, designadamente por receio de perderem o emprego, caso de Alan Sweezy e Emile Despres. Interview of Paul M. Sweezy, The Coming of Keynesianism to America, sob a direcção de David C. Collander e Harry Landreth, Brookfield, Vermont: Edward Elgar, 1996, p. 81.
[7] John Kenneth Galbraith, American Capitalism, Boston: Houghton Mifflin, 1952, p. 69.
[8] Paul A. Baran e Paul M. Sweezy, Monopoly Capital, Nova Iorque: Monthly Review Press, 1966, pp. 151-61.
[9] Baran e Sweezy, Monopoly Capital, p. 164.
[10] Estas duas categorias de despesas governamentais são designadas como despesas exaustivas e não exaustivas. A este propósito, ver Francis M. Bator, A Question of Government Spending, Nova Iorque: Collier Books, 1960, pp. 17-46. Sobre a construção das contas da OCDE, ver François Lequiller e Derek Blades, Understanding National Accounts, Paris: Organização Para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, 2006.
[11] Ver John Bellamy Foster, Hannah Holleman e Robert W. McChesney, «The U.S. Imperial Triangle and Military Spending», Monthly Review, 60, n.º 5, de Outubro de 2008, pp. 9-10, Bureau of Economic Analysis, National Income and Product Accounts, quadros 3.1, 3.2.
[12] «A Fighter Jet’s Fate Poses a Quandary for Obama», New York Times, de 10 Dezembro de 2008.
[13] C. Wright Mills, The Causes of World War Three, Nova Iorque, Simon & Schuster, 1958, p. 85.
[14] Deve notar-se que os restantes países do G-7 (e a Suécia) aqui referidos estão confrontados com problemas análogos, partindo de níveis mais elevados de despesa pública em percentagem do PIB. Estão também presos na armadilha da estagnação e poderiam recorrer ao aumento da despesa pública para dinamizar as suas economias, mas são controlados por poderosas forças de classe no topo da sociedade, que limitam a magnitude e a direcção dessa despesa.
http://www.odiario.info/?p=1668
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