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09/06/2010

A teoria em época de prática sem quartel

Francisco Silva

Uma actualidade tão prenhe de lutas urgentes, uma actualidade onde mais que se pressente, sente-se muito concretamente o como que instintivo rapar por parte do Capital o mais que puder dos «valores [de troca]», incluindo sobretudo os «vivos» valores, em permanente criação pela «força de trabalho» (querendo dar a entender que não, que não é isso, que empregar não precisam para as suas actividades concentradoras e centralizadoras). É rapar enquanto é tempo (pois o Poder nunca está seguro no dia de Amanhã). Numa actualidade destas as urgências das tarefas de combate a uma tal ferocidade do antagonista rapador dos valores criados, tarefas de uma sentida prioridade absolutizante, podem levar a crer a muitos que a Teoria (em particular os seus desenvolvimentos, actualizações, adequações, sei lá que mais) tem (têm) de ficar para depois, para quando se estiver mais calmo e disponível! Agora, quando se está em situações de tal aperto (tipo atitude de «vão-se os anéis e fiquem as mãos») é arregaçar as mangas... e zaz catrapaz.
Sendo certo, e lugar comum para muitos, não apenas como slogan mas mesmo como credível/real o «respeito» pelo modo científico de aproximar a «realidade», incluindo a consideração... pelos «teóricos», pelos «cientistas», ia a dizer, embora seja lugar comum que a Teoria e a Prática são ambas «necessárias», suspeita mesmo assim, quem estas linhas vai escrevendo, talvez porque por si próprio também saiba do que a casa gasta, que, na «prática», tal necessidade, a da Teoria, seja considerada, quando muito, para servir de um certo apoio, de enquadramento, da Teoria à Prática. Como uma coisa externa, como um andaime que ajuda à construção do edifício, e se desmonta uma vez este concluído. E não como uma coisa, a Teoria, sem a qual a outra, a Prática, não é a realidade que necessitamos, ou seja não é a efectiva Realidade. Nem sequer uma metáfora como a das duas faces de uma mesma moeda dá conta do significado necessário, ficando, pelo contrário, bem atrás da realidade imbricada que é a da Teoria e da Prática. Porque, de facto, « ‘aquilo que é’, ‘aquilo que há’, aquilo ‘que está em curso’ (...) é este devir uno e múltiplo, estruturado e movente, do ser (...) em que o saber e o agir dos humanos se inscrevem como ingrediência e agência históricas de mediação que emprestam à mudança o seu viso determinado» (1). E mais, por outro lado, segundo Hegel, citado por Barata-Moura, «aquilo que é é em si racional, mas, com isso ainda não [é racional] para o homem, para a consciência; só através da actividade e do movimento do pensar o racional se torna, para ele [homem], aquilo que verdadeiramente é» (2).
Por exemplo, e como é cada vez mais, e bem, referido, a prática da produção é sempre mais científica - fala-se então da Revolução Científica & Tecnológica, da Ciência & Tecnologia, da C&T, da Investigação & Desenvolvimento, da I&D, e usa-se este «&» para simbolizar, mais que uma imbricação, as duas perspectivas cada vez mais inseparáveis de uma mesma realidade. E é por isso que há muito se detectou como questão crucial das dificuldades e crise endémica do tecido económico português essa enorme deficiência em termos de I&D e todas as consequências propagadas pelo conjunto da Economia. É o tal modelo económico que se exterioriza na sua imediaticidade sistemática de baixos salários (que têm de excluir forças de trabalho mais caras do que o mínimo dos mínimos, como é o caso das actividades científicas & tecnológicas). É o tal modelo sem saída que não quer desandar de uma competitividade à custa de massas salariais cada vez mais rapadas... cada vez mais impossíveis, que, no limite, até parece que eles quereriam que as forças de trabalho fossem graciosas, isso mesmo, «oferecidas», abdicando os produtores da totalidade do seu valor patrioticamente a «favor do País...» De facto, Portugal é o terceiro país do Mundo com maior fuga de «cérebros» (ouvi agora mesmo na TV, enquanto escrevia). E de entre as direcções de emigração está Angola... para além fogem os «nossos cérebros», «depressa e em força» - parodiando a outra Senhora!
E, não obstante todas as suas urgências, é de uma resposta a esta gente do Poder, uma resposta exigentemente informada e enformada pela Teoria em todos os momentos e fases que se trata.

(1) Barata-Moura (2010) “Estudos sobre a Ontologia de Hegel – Ser, Verdade, Contradição”, pgs 99-100. Lisboa: Edições Avante!
(2) Barata-Moura (2010) “Estudos sobre a Ontologia de Hegel – Ser, Verdade, Contradição”, pg 104. Lisboa: Edições Avante!

http://www.avante.pt/noticia.asp?id=33878&area=35

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