Maurício Miguel
As forças que conduzem a União Europeia alteram ou procuram alterar aquilo que é o entendimento social das palavras e do seu conteúdo, adulterando-o, manipulando-o para servir os interesses que hoje transcorrem nas suas decisões. Interesses que chocam claramente com os interesses dos trabalhadores e dos povos, a quem se quer impor o carácter inconsequente da sua luta, a resignação e o conformismo. E se dessa forma não conseguirem os seus objectivos, não duvidemos que procurarão limitar ainda mais as liberdades democráticas fundamentais, os direitos e garantias conquistados através da luta dos povos por força da repressão de todos quantos se lhe opuserem.
Dizia o poeta que quando o homem sonha, o mundo pula e avança. E o homem sonha. E não apenas sonha como se consciencializa dos avanços científicos e tecnológicos alcançados pela humanidade, do aumento da produtividade e da riqueza criada e da injustiça na distribuição da mesma. Cimenta-se em amplos sectores sociais a ideia de que a actual situação exige uma saída «radical», em resultado do cansaço acumulado em relação à alternância no poder das forças da direita e da social-democracia. E dizem, cada vez mais, basta! Basta de simulações de tudo mudar, para melhor tudo manter e dar saltos mais profundos na exploração.
A «radicalização» e os «radicais» têm, no entendimento da UE, que estar sob vigilância. No passado mês de Abril o Conselho de Assuntos Gerais decidiu lançar «um instrumento» para a recolha de dados e de informações, de uma forma «multidimensional e standartizada», sobre os «processos de radicalização na UE». Um «instrumento» que tem como objectivo evitar que as pessoas se tornem terroristas a partir dos «processos de radicalização», analisando os «vários ambientes» onde os processos de radicalização ocorrem, introduzindo formas sistemáticas de troca de informação sobre indivíduos ou grupos que têm um «discurso de ódio ou que incitem ao terrorismo».
O objectivo, dizem, é «interromper os processos de radicalização» ou realizar «alertas» que despoletarão acções, nomeadamente interrogatórios, a colocação de pessoas sob vigilância e a sua detenção, se for caso disso.
Perseguição política encapotada
Os conceitos são propositadamente relativos e ambíguos. Por que criar um instrumento mais para aumentar o alargado leque existente no âmbito da chamada luta contra o terrorismo? As especificações do «instrumento» referem a necessidade de descrever a «ideologia» e o espectro no âmbito do qual a mesma se situa, sejam eles grupos de «extrema-direita ou extrema-esquerda, islamistas, nacionalistas, movimentos antiglobalização». Serão as agências da UE que definirão cada um destes conceitos. Todos estes diferentes tipos de organizações são colocados no mesmo saco com o objectivo claro de forçar uma ligação entre elas quando os seus objectivos são totalmente diferentes, procurando explorar as diferentes situações nacionais e a histeria utilizada relativamente à dita luta contra o terrorismo. O que assistimos na realidade em cada vez mais países é ao ressurgimento de grupos e partidos de extrema-direita, com a total cumplicidade dos seus governos e da UE, estando alguns deles mesmo no governo.
Esta é mais uma expressão concreta do reforço dos poderes da UE e do seu carácter de classe, reaccionário. Aos diferentes países cumpre o papel crescente de cúmplices nas decisões políticas e de executantes das mesmas.
A crise gera e é gerada pelo acentuar da luta de classes, aumentando o número dos explorados, a quem a política de direita procura amarrar na obrigação de prescindir de si mesmos e das conquistas históricas, da melhoria das suas condições de vida, por uma «inevitabilidade» que nos bateu à porta. Mas ela não resulta de «inevitabilidades». Antes resulta de opções políticas que tomam partido pelo capital em detrimento do trabalho, toma partido pelos que mais têm e podem em detrimento dos que menos ou nada têm e portanto pouco ou nada podem.
No entendimento dos senhores que dominam hoje a UE, a radicalização traduz-se por quem não se resigne e lute, quem se recuse a aceitar o capitalismo com o fim da história e quem não esteja disponível para ser conivente com a barbárie para onde o imperialismo ameaça arrastar a humanidade; sobretudo quem exerce o direito da livre expressão e opinião política, quem não faz da luta um fim em si mesmo mas antes um meio para organizar, para transformar e construir o processo de transformação social que nos conduzirá ao socialismo.
http://www.avante.pt/noticia.asp?id=33888&area=8
À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.
09/06/2010
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