À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.

09/06/2010

Cara nova, velhas rugas

Correia da Fonseca

Pedro Passos Coelho, o novo líder do PSD, tem um ar jovem, até um poucochinho enganador na sua aparente juventude porque os anos vêm passando também para ele, ainda que por enquanto pouco se fazendo notar. Para além disto, que de modo nenhum é irrelevante no impacto sobre a chamada opinião pública, Passos Coelho tem aspecto de boa pessoa, mérito perante o qual é ineficaz lembrar à generalidade das gentes que isto de maiores ou menores bondades não tem nada a ver com aspectos. Também nesta área «o que parece é», como para a política nos ensinou um dia o doutor Salazar, esse santo homem agora aparentemente a caminho da canonização, no meio de uma das suas pregações. Há ainda um outro factor que pode beneficiar Pedro Passos Coelho quando sob eventual avaliação dos cidadãos: parece que, por razões desconhecidas, Manuela Ferreira Leite embirrava com ele. Ora, sendo a doutora Manuela aquilo que bem se sabe porque bem se ouve e bem se vê, a sua suposta embirração para com Passos Coelho funcionará muito provavelmente a favor do embirrado. Contudo, acontece que desde há já algum tempo, ainda a pêèssedaica liderança não assomava no horizonte, já Pedro Passos Coelho debitava na televisão, e decerto também fora dela, um discurso velhinho, cheio de rugas e de algum mau hálito pois cheirava a um neoliberalismo thatcheriano já decrépito. Era o tempo em que ele preconizava a privatização da Caixa Geral de Depósito, proposta desatinada e formulada a destempo, suponho que ninguém então percebeu o motivo de tamanha inabilidade. Alguém alvitrou que tinham sido maus conselhos, pois é geralmente aceite que Pedro Passos Coelho é aconselhado. A ter sido assim, é preciso registar que Pedro agora já não propõe que se privatize a Caixa. Não é garantido que ele próprio saiba ao certo por que mudou de opinião, mas é claro que isso não constitui problema: em caso de necessidade, Pedro perguntará os motivos a quem os saiba e logo ficará tudo esclarecido. Julgo que se poderá dizer que a isto se chama navegar com farol à vista, e seria tonto alegar que é um mau método de navegação. Tudo dependendo, naturalmente, da qualidade do farol.

Televisão amiga

Ora, aconteceu que um dia destes, já bem depois do acordo com Sócrates que garantiu a passagem do PEC e outros avanços complementares, Pedro Passos Coelho falou e disse das suas propostas para governação do País. Em princípio não se trata de nada para implementação imediata, ficando-se ao nível de uma espécie de recomendações até ao dia em que, pontapeado o engenheiro Sócrates no sítio do costume, Passos Coelho entre em São Bento alegadamente para salvar o País, o que na verdade parece duvidoso, mas bem mais seguramente para reforçar os poderes, os meios, os proventos, e consequentemente a felicidade do grande empresariado lusitano e dos círculos financeiros que com ele se confundem. E o jovem líder não faz segredo dos caminhos que escolherá e que aliás preconiza para adopção imediata: maior facilitação dos despedimentos (ao abrigo da misteriosa mas muito invocada lógica segundo a qual quantos mais sejam os despedidos mais se combaterá o desemprego), ainda mais franca entrega à iniciativa privada de sectores apetecíveis como a Saúde e a Educação (neste caso com o Estado laico a pagar o ensino religioso que os papás desejem para os seus rebentos, sonho crónico da direita beata), criação de outras condições propícias ao aumento dos lucros patronais (confundidos frequentemente com a mítica «criação de riqueza» de onde, com sorte, talvez escorram umas migalhas para a mesa dos trabalhadores). Sucedeu, contudo, que tão promissoras propostas ou, se se preferir, reivindicações, não tiveram na TV o relevo que poderia esperar-se vindo elas de quem vêm e sendo a televisão portuguesa aquilo que bem se sabe. Poder-se-á atribuir essa relativamente fraca atenção ao ímpeto e ao fragor da partida para África da «equipa de todos nós», mas talvez seja de admitir uma outra explicação. É que as propostas de Passos tresandam a passado com forte presença do 24 de Abril, que os portugueses acham que quanto a gente sem emprego já basta a que há. Que Pedro Passos Coelho ainda precisa de ganhar umas eleições. E que a televisão portuguesa, que é amiga, prefere colocar por agora uma relativa surdina ao seu projecto a ver pôr em risco a vitória da direita integral, pura e dura, por que ela anseia não tão secretamente quanto seria desejável.

http://www.avante.pt/noticia.asp?id=33879&area=33

Sem comentários:

Related Posts with Thumbnails