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09/04/2010

Seja para um ou para cem mil: O valor de lutar

Domingos Mealha

Para quase cem mil trabalhadoras e trabalhadores dos super e hipermercados, tal como para um dirigente sindical na Dyrup, estes últimos dias comprovaram que vale a pena resistir e lutar, para travar os intentos patronais e preservar direitos conquistados e consignados, mas que estão sob permanente ataque. Num caso, foi defendido o contrato colectivo; no outro, o despedimento foi declarado ilícito pelo Supremo Tribunal de Justiça. Assim se mostra o valor da luta e se lembra que não resistir e não lutar tem apenas a derrota como resultado certo.

Teve algum impacto público, em Dezembro passado, a convocação de uma greve nas empresas da grande distribuição, para a véspera de Natal. A firmeza do Sindicato do Comércio (CESP/CGTP-IN) e a disponibilidade dos trabalhadores para a luta opuseram-se à intenção de levar a semana de trabalho até às 60 horas - intenção expressa pela associação patronal APED, onde predominam os maiores grupos do sector, que em muitas lojas já tentavam aplicar regimes horários que, no fim de contas, têm por objectivo principal eliminar o pagamento de trabalho extraordinário e, assim, reduzir os custos do trabalho para aumentar os lucros das empresas.
Como se não bastassem já o «banco de horas» e a «adaptabilidade», o projecto patronal preconizava ainda que as empresas passassem a deter legalmente o poder de definir «de véspera» o horário de cada trabalhador - uma autêntica cereja, a encimar o bolo da «flexigurança» que a União Europeia quis oferecer ao grande patronato.
Na revisão do contrato colectivo de trabalho estava igualmente em causa a actualização dos salários, com os patrões a insistirem num «aumento» de um por cento para dois anos.
A convocação da greve para 24 de Dezembro foi antecedida de reuniões nos locais de trabalho e um muito participado plenário de representantes, na Casa do Alentejo. Como então noticiámos (ver Avante! n.º 1882, de 23 de Dezembro), as posições firmes dos trabalhadores e do sindicato, com evidente apoio da população, levaram vários responsáveis de lojas a declararem formalmente que não tencionavam aplicar tais medidas. A greve acabou por ser desconvocada e as negociações do contrato colectivo prosseguiram, em fase de conciliação.
«As empresas querem reduzir os salários contratuais e insistem na desumanização dos horários de trabalho» - protestava o CESP, num comunicado que distribuiu após uma dessas reuniões, a 11 de Março. A APED passava para apenas 1,25 por cento a sua proposta salarial, para vigorar nos anos de 2009 e 2010, e mantinha o princípio dos «horários médios» para alargar os horários sem o correspondente pagamento aos trabalhadores.
O sindicato e a Fepces/CGTP-IN (federação que intervém nas negociações com o patronato) contra-argumentaram e levaram o alerta aos trabalhadores. O descontentamento e a mobilização para eventuais formas de luta sectoriais fizeram-se sentir, por exemplo, nas acções que o movimento sindical unitário levou a cabo, em várias regiões, durante o passado trimestre.
Na reunião de 17 de Março, a APED retirou formalmente as propostas sobre horários. A sessão negocial da semana seguinte foi adiada. No dia 31 de Março, os representantes sindicais aceitaram a proposta patronal, seguindo a orientação que prevaleceu durante a auscultação da estrutura e dos trabalhadores. No comunicado que emitiu nesse dia, a Direcção Nacional da Fepces salientou que, com esta revisão, o contrato - que abrange quase cem mil trabalhadores de supermercados, hipermercados e grandes armazéns - mantém-se em vigor por mais três anos e meio. Assim, uma segunda vitória dos trabalhadores foi evitar a caducidade (sobrevigência) do contrato, que colocaria os direitos laborais nos mínimos reconhecidos no Código do Trabalho.
As tabelas salariais vigentes desde 2008 (A, para os distritos de Lisboa, Porto e Setúbal, e B, para os restantes) são actualizadas, desde 1 de Janeiro de 2010, em 5,5 ou 6,5 por cento, no que toca aos níveis salariais mais baixos (equivalentes ao salário mínimo nacional ou pouco superiores), com maior número de trabalhadores, e em 1,5 por cento para os demais - valores que a Fepces considerou muito baixos. Nas contas da APED, a actualização salarial «média» situa-se em 3,1 por cento, na Tabela A, e 3,6 por cento, na Tabela B.
Pela primeira vez, foi introduzida alguma regulamentação da contratação a termo.
«Travámos todas as pretensões patronais quanto à alteração dos horários, e o contrato permanece em vigor», sintetizou Célia Lopes, dirigente do CESP, acrescentando que «agora, temos que ganhar forças para as próximas lutas», como a revisão salarial do próximo ano e, no dia-a-dia, a garantia de que os direitos são respeitados.

Dyrup perde no Supremo

Na terça-feira, às sete e meia, Manuel Formas apresentou-se na portaria das tintas Dyrup, em Sacavém, pronto para retomar funções no seu posto de trabalho, como determinou o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão emitido dia 25 de Março. A empresa mandou-o esperar em casa uma comunicação, que lhe será enviada após trânsito do acórdão em julgado.
Em Outubro de 2005, este dirigente do Sindicato da Indústria Química do Sul e Ilhas (Sinquifa/CGTP-IN) e militante comunista foi incluído pela empresa num despedimento colectivo, com mais sete trabalhadores. Ao contrário de todos os outros, não aceitou o «acordo» que a empresa propôs para a rescisão do contrato. Em Janeiro de 2006 foi-lhe comunicada a decisão de despedimento.
Devolveu a indemnização depositada pela empresa e avançou, com o apoio do sindicato, para a impugnação judicial. Contou com o apoio dos trabalhadores. «Deram a cara por mim, no tribunal, e um deles até se ofereceu para ser despedido no meu lugar», recorda agora Manuel Formas. Lembra igualmente que a fragilidade dos fundamentos do despedimento era evidente, até porque «em três meses, foram contratadas 60 pessoas» e «para o lugar de onde eu saí contrataram duas».
Para o STJ, o despedimento considera-se ilícito, pela falta de concretização dos motivos que levaram a que fosse este, em concreto, o trabalhador atingido. A Dyrup ficou condenada a reintegrar o funcionário, garantindo categoria e antiguidade e as retribuições que aquele deixou de auferir.

http://www.avante.pt/noticia.asp?id=33188&area=4

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