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07/03/2010

Eleitores islandeses recusam acordo Icesave

País não quer pagar factura dos especuladores e acusa Europa de pressão.

Os eleitores islandeses votaram ontem em referendo sobre o controverso acordo Icesave e todas as sondagens indicavam que o país deveria rejeitar por larga maioria as condições desse acordo. À hora do fecho desta edição, ainda não havia resultados, excepto indicações sobre a fraca afluência.

Para muitos islandeses, o país foi pressionado por vizinhos europeus poderosos e forçado a aceitar termos pesados de pagamento da dívida. O acordo em cima da mesa prevê que a Islândia contraia ao Reino Unido e Holanda um empréstimo de 3,9 mil milhões de euros (cerca de 40% do PIB), dinheiro destinado a pagar a esses dois países pela indemnização que eles próprios deram aos depositantes britânicos e holandeses do Icesave. Este era o braço online do Landsbanki, um dos bancos que a Islândia nacionalizou em 2008 durante o colapso financeiro.

O empréstimo tem custos tão elevados que só o pagamento dos juros podia sustentar um terço do serviço nacional de saúde islandês. O fardo torna-se progressivamente mais suave, mas durará até 2024. Não admira que muitos islandeses afirmem que o acordo é inaceitável, pois os activos do Landsbanki podem não valer mais do que 30% do valor pago.

Para o Governo esquerdista de Johanna Sigurdardottir, o referendo é um enorme embaraço, pois decorrem negociações com os credores e a Islândia já teve uma proposta (não concretizada) com termos mais suaves de pagamento. Ontem, Sigurdardottir recusou--se a votar e centenas de pessoas protestaram frente ao Parlamento, pedindo à chefe do Executivo para que participasse na votação. O Governo lembra que o texto do referendo está "obsoleto" e que esta votação "não tem significado".

Outras pessoas, citadas pelas agências, explicam por seu turno que o país conseguiu começar a arrumar a casa após o colapso financeiro e que a economia islandesa pode sobreviver (ver caixa, em baixo). Muitos eleitores consideram inaceitável a forma como a Holanda e o Reino Unido usam a sua influência em organizações internacionais, nomeadamente na UE e FMI, para obrigarem a Islândia a aceitar condições ruinosas de pagamento do empréstimo anglo-holandês.

Devido às pressões, o país não conseguiu ainda garantir uma importante fatia de dinheiro do FMI, o que tem levado ao agravamento dos juros da dívida. Bruxelas já veio a público defender a posição dos credores, afirmando que a Islândia tem de pagar as indemnizações. Também houve referências pouco subtis à eventual suspensão das negociações de adesão à União Europeia.

O ministro das Finanças islandesa, Steingrimur Sigfusson, explicou entretanto que o Reino Unido e a Holanda garantem que a renegociação do Icesave pode prosseguir após o referendo. E o mentor da votação, o presidente Olafur Ragnar Grimsson, atribuiu a nova disposição dos credores à realização desta votação. A ideia é de que o "não" no referendo provocará a alteração dos termos do acordo. Ninguém se recusa a pagar a dívida, mas os eleitores dizem não ser responsáveis pelos excessos da especulação financeira.

O Icesave era um negócio arriscado que dava grande retorno, mas os depositantes conheciam os riscos. Muitos islandeses culpam a falta de regulação a nível europeu e afirmam que os ingleses e holandeses foram demasiado generosos nas garantias que deram aos depositantes. A especulação da última década transformou a Islândia num dos países mais ricos do mundo. Agora, um pouco menos ricos, os islandeses recusam um acordo que consideram injusto e na esperança de que isso não seja interpretado como um perigoso "não pagamos".

http://dn.sapo.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=1513041&seccao=Europa

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