Filipe Diniz
Na política burguesa as verdades não se descobrem apenas quando se zangam as comadres. Também costumam surgir pela boca dos tolos.
Foi o que sucedeu a semana passada quando dois deputados ao parlamento alemão formularam a proposta de que a Grécia pusesse à venda parte do seu território e do seu património cultural - nomeadamente a Acrópole de Atenas – para fazer face à precária situação das contas públicas.
A «proposta» é de tal ordem que houve amplo esforço mediático para a secundarizar. Por um lado, porque «quem a formulou foram dois deputados de extrema-direita». Por outro, porque o jornal que a divulgou, o Bild, é um «tablóide sensacionalista». Mas a questão fundamental que se pretende assim dissimular é outra.
É o que é que leva dois políticos alemães a dirigir tais propostas a um país soberano na situação actual. E a situação actual é a de uma UE em que, com a entrada em vigor do «tratado de Lisboa», os dogmas monetaristas e neoliberais presumem de força de lei, e em que as grandes potências capitalistas europeias assumiram o comando e querem mostrá-lo.
O que os dois «deputados de extrema-direita» alemães fizeram foi exprimir de forma brutal aquilo que a burocracia «europeia» formula de forma mais cautelosa: o rumo da «integração europeia» em curso é o da acelerada perda de soberania dos Estados mais dependentes. E se os Estados alienam a sua soberania, porque não alienarão igualmente o território sobre o qual a exercem, ou o património cultural sobre o qual assenta parte fundamental da sua identidade nacional?
Faz parte da natureza do capitalismo transformar tudo em mercadoria. Citando Marx e Engels, «o grito que agora ressoa de uma ponta à outra do mercado mundial é: não existe outra mercadoria para além do dinheiro». É assim a actual UE.
Na «Constituição dos Atenienses», Aristóteles recorda a situação anterior a Sólon: «a terra toda encontrava-se na mão de um punhado de pessoas; e se faltassem à entrega das rendas, tanto eles como os filhos ficavam sujeitos à servidão. Para mais, os empréstimos eram todos feitos sob hipoteca da própria liberdade». Vêm da Grécia de há vinte e seis séculos estas palavras. E continua hoje a luta contra os que tudo querem transformar em mercadoria, desde realizações artísticas milenares à soberania dos povos e aos direitos dos trabalhadores.
http://www.avante.pt/noticia.asp?id=32802&area=25
À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.
11/03/2010
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