Afinal, estamos todos sob suspeita. Se estão sob suspeita os membros do poder executivo, se estão sob suspeita altos dignitários do poder judicial, desde o Supremo Tribunal ao procurador da República, se estão sob suspeita os representantes do poder legislativo, se estão sob suspeita grande parte dos actores do designado "quarto poder", o poder dos média, se estão sob suspeita administradores das maiores empresas nacionais, se estão sob suspeita membros dos conselhos de gestão de unidades bancárias nacionais, se estão sob suspeita os directores dos órgãos que mandam no futebol, fonte das alegrias mais efusivas do povo, se estão sob suspeita as entidades reguladoras de várias actividades deste país, se estão sob os actores privilegiados na conduta do processo democrático, é caso para dizer, estamos todos sob suspeita.
Até nova ordem, ou até nova desordem do "establishment", dos poderes constituídos como tal, a "ordem estabelecida", de pouco valerá invocarmos o argumento de que, felizmente, o povo não está sob suspeita. Primeiro, porque não é líquido, pois são muitos aqueles investidos nos poderes constituídos que "desconfiam" do povo pelas atitudes que este vai tomando no desenrolar da democracia e sobre o modo como vai reagindo às coisas que se passam diante dos nossos olhos. Depois, porque, exactamente, enquanto não for alterada a "ordem estabelecida" daqueles que nos conduzem, se eles estão sob suspeita, face à nossa insensibilidade e apatia, cumplicemente estaremos todos sob suspeita.
Provavelmente, este é um diagnóstico a partir das aparências. E talvez o maior perigo que estejamos a correr, nestes dias, pelos sintomas do clima social, moral e político evidentes na ordem pública, na praça da cidadania, é um certo estado de ilusão entre a superfície e as profundezas do Mundo ou do país em que estamos.
A Natureza, nestes últimos tempos, tem demonstrado que não está muito pactuante com os humanos. Tem-nos fustigado deveras. Haiti, Madeira, Chile, Açores, França. Ciclicamente, rebela-se e de forma súbita. Sorrateiramente, até nos vai roubando 1,26 milionésimos de segundo a cada dia.
Em contraponto, não se pense que a "natureza social" da ordem da vida, embora de ritmo mais lento não se transtorne e nos "agrida" também. Ou saímos depressa deste "buraco negro" de suspeita em que estamos, ou não podemos prever onde isto vai parar.
http://jn.sapo.pt/Opiniao/default.aspx?opiniao=Paquete%20de%20Oliveira
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