Isabel Arriaga e Cunha
A nomeação de Vítor Constâncio para vice-presidente do Banco Central Europeu (BCE) teve sobretudo a ver com a escolha do futuro presidente alemão da instituição, uma situação "perigosa" que prenuncia o desenvolvimento de um "directório na gestão da zona euro", denunciou ontem Didier Reynders, ministro belga das Finanças.
Na decisão tomada na segunda-feira à noite pelos ministros das Finanças do Eurogrupo, ontem confirmada pelos titulares da totalidade da União Europeia (UE), "escolheu-se muito mais um presidente alemão para o BCE do que o vice-presidente", afirmou Reynders a um grupo de jornalistas no final da reunião dos Vinte e Sete. Acima de tudo, com a decisão sobre Constâncio "anuncia-se quem será o próximo presidente do BCE".
A acusação de Reynders reforça a convicção generalizada em Bruxelas de que a nomeação de Constâncio resultou acima de tudo de um acordo concluído entre a França e a Alemanha e negociado com a maioria dos outros países para a partilha dos dois cargos de topo do BCE. A lógica é que a escolha de Constâncio para "número dois" do BCE, tido como uma "pomba" na gestão de uma política monetária sensível às necessidades do crescimento económico e originário de um pequeno país do Sul da UE, garante que a presidência (que ficará livre em Outubro de 2011) será assumida por um "falcão" partidário do combate firme à inflação e proveniente de um grande país do Norte. Ou seja, Axel Weber, presidente do Banco Central Alemão, que Berlim quer ver suceder ao francês Jean-Claude Trichet, cujo mandato termina no próximo ano. O que reduz drasticamente as possibilidades do candidato italiano, Mario Draghi, cujo perfil é considerado próximo do de Constâncio.
Reynders reconhece que "é preciso ter em conta alguns equilíbrios" na UE, mas insiste que os postos europeus sejam preenchidos em função dos méritos próprios dos candidatos e não em resultado de acordos nebulosos impostos por alguns países. "Temos de ter cuidado para que não se desenvolva uma espécie de directório na gestão da zona euro e da UE", afirmou, interrogando-se: "Será que vamos deixar instalar-se uma situação em que são alguns Estados que decidem?"
Jean-Claude Juncker (na foto), primeiro-ministro do Luxemburgo e presidente do Eurogrupo, frisou por seu lado que "a Alemanha vai ter de se bater para obter o posto de presidente" do BCE. A Bélgica e o Luxemburgo foram os outros dois países que apresentaram candidatos.
"Não tenho nada contra a escolha de Vítor Constâncio nem contra a designação de um vice-presidente português, mas passamos a vida a dizer que temos de criar procedimentos para as nomeações, incluindo a definição dos perfis pretendidos e a análise das características dos candidatos", prosseguiu o ministro belga. Ora, insistiu, a questão "não foi discutida nem no Eurogrupo [os Dezasseis do euro], nem no Ecofin [os Vinte e Sete da UE]" e a decisão foi tomada "num quarto de hora".
Reynders considerou ainda "perigoso escolher o presidente do BCE dois anos antes" de entrar em funções. "Vamos viver dois anos difíceis" em termos de saída da crise económica e financeira e "não creio que seja uma situação ideal termos um presidente em funções e um futuro presidente que se poderá pronunciar" sobre os mesmos temas.
Ainda de acordo com o ministro belga, a escolha de Constâncio foi decidida por maioria qualificada dos 16 países do euro, no quadro de uma votação pedida pela Itália que deveria ter sido secreta mas não o foi devido à necessidade de contabilizar o número de votos ponderados a que cada país tem direito nas decisões europeias.
Hoje foi dia de reacções em Portugal. Constâncio, nas suas primeiras declarações, feitas ao jornal i, disse que, para além de se sentir "honrado", sente também "alguma amargura por ter sido motivado a deixar o país". O Presidente da República manifestou "a convicção de que a experiência e as qualidades pessoais de Vítor Constâncio muito contribuirão para a prossecução" do processo da integração europeia.
Entre os partidos políticos, as atenções viram-se já para a escolha do seu sucessor no Banco de Portugal. Ontem o CDS-PP defendeu que o novo governador deve ter um perfil essencialmente técnico, de elevada competência" e que "não deve ter qualquer filiação partidária".
http://economia.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1423041
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