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18/02/2010

Lisnave, Aljustrel e Rohde: Rédea solta nos apoios

Os representantes dos trabalhadores da Lisnave, das minas de Aljustrel e da Rohde afirmam que as empresas recebem os apoios do Estado mas, impunemente, não respeitam os compromissos que assumiram.

Notícias dos últimos dias vieram recordar o muito que não se sabe acerca dos apoios concedidos pelo Estado às empresas. O Governo não disponibiliza informação e impede que se concretize, na prática, a transparência que abunda nas bocas de ministros e deputados. Mas, quando são concedidos os apoios, são anunciados objectivos, realçando, por regra, a defesa do emprego e a salvaguarda da produção. Nestes três casos, tão diferentes, uma linha é comum: recebidos os milhões do Estado, as empresas deixam por cumprir aquilo que, perante a opinião pública, justificou as benesses; em seguida, os trabalhadores rejeitam, pela luta, ser ainda mais sacrificados; o Governo assobia para o ar e, se se sente muito pressionado a intervir... aprova novos apoios.

«Viabilizar»
150 em mil

A Rohde, de Santa Maria da Feira, maior fabricante de calçado do País, tem recebido «apoios e mais apoios financeiros do Estado e da Segurança Social, com o objectivo, sucessivamente anunciado, de evitar o mal maior». Para a União dos Sindicatos de Aveiro, este «é mais um evidente caso de delito comum, pela forma como são desbaratados fundos públicos e pelo aproveitamento político mesquinho de que tem sido alvo».
Na semana passada, os trabalhadores (únicos credores) expressaram claramente o seu repúdio por um «plano de viabilização» que aponta para o despedimento de 850 dos cerca de mil funcionários, os quais deveriam, ainda, perdoar créditos. Mas «há um mês, a solução para a viabilização passava pela garantia da manutenção de metade dos postos de trabalho», recorda a estrutura distrital da CGTP-IN, numa nota de dia 11.
Refere ainda que, em Setembro, não havia trabalho e, «mais uma vez, com o objectivo anunciado de evitar o encerramento da empresa, o próprio Ministério do Trabalho propôs um repetido processo de lay-off, mais tarde transformado em suspensão dos contratos de trabalho, com base no argumento de que a empresa não tinha condições para assumir os 30 por cento dos salários, como lhe competia». O presidente da Câmara reclamou... a «instalação, em Santa Maria da Feira, de uma delegação de apoio ao desemprego», critica a União.
Com eleições legislativas e autárquicas à porta, «havia que evitar a falência, a qualquer preço, naquela altura, para igualmente evitar que se transformasse num evidente caso político». Condenando o actual alheamento do Governo e da Câmara, a USA exige «que intervenham rápido e em força, no sentido da garantia efectiva dos postos de e trabalho».
No dia 10, os trabalhadores protestaram à porta da fábrica. No sábado, em plenário, decidiram reprovar o «plano», quando reunir a assembleia de credores.

O crime compensa

«Como o crime compensa, a administração da Lisnave pode celebrar com o Estado português os acordos que entender, porque, garantidamente, não os vai cumprir», protestou o Sindicato dos Metalúrgicos do Sul, que no dia 10 apelou aos grupos parlamentares para que estes questionem o Governo sobre o desrespeito do acordo de 2008.
Antes, com base num acordo de 1997, para reestruturação da indústria naval na Península de Setúbal, a Lisnave (então, no Grupo José de Mello) recebeu do Estado mil milhões de euros (cerca de 200 milhões de contos). Deveria ter, no último dia de 2007, 1339 trabalhadores efectivos, mas tinha apenas 300. Deveria integrar nos seus quadros os trabalhadores da Gestnave e da Erecta, mas não o fez, e foi consumado o despedimento. Face à luta dos trabalhadores, o Governo, em vez de obrigar a Lisnave a cumprir o acordo de 1997, fez em 2008 um novo acordo, cujo custo não foi revelado.
Até 31 de Dezembro de 2008, a Lisnave deveria gerar um volume de trabalho não inferior ao número de trabalhadores (209) da Gestnave e da Erecta. Deveria contratar 140 destes trabalhadores, até 30 de Abril de 2008, através de uma empresa instrumental, com base em critérios de transparência, rigor e competência técnica. Foi até constituída uma comissão de acompanhamento, com número igual de representantes do Governo e da Lisnave, para verificar o cumprimento do acordo.
«Este acordo também não foi respeitado pela administração da Lisnave e o Governo nada fez, em todo o processo, para que a Lisnave o cumprisse», acusa o sindicato, recordando, nomeadamente, que os representantes dos trabalhadores da Gestnave e da Erecta não foram convidados pela empresa instrumental; os critérios de selecção não foram transparentes; a comissão de acompanhamento e o Governo nada fizeram para corrigir as arbitrariedades da administração da Lisnave; os trabalhadores que foram admitidos estão há cerca de dois anos no estaleiro através da Select; esta nunca cumpriu as normas legais sobre trabalho temporário e não paga retribuição igual à praticada pela utilizadora para as mesmas funções.
Terminados dois anos de trabalho temporário, os operários «foram informados de que vão ser todos despedidos para, passado um ou dois meses, voltarem ao mesmo posto de trabalho, para as mesmas funções, não através da Lisnave, que fez acordo com o Estado português, porque aí os trabalhadores têm direitos, mas através de outra Lisnave, criada para este efeito».
Além de, assim, continuarem em situação precária, «são obrigados, para manterem o emprego», a assinar um regulamento interno, que atribuiu categoria profissional inferior à actual, reduz direitos, deixa os horários à vontade do patrão, retira os transportes e acaba com o trabalho suplementar.

Em Aljustrel só há perguntas

Desde a entrega da exploração das minas de Aljustrel à Eurozinc, até ao abandono da Pirites Alentejanas por esta multinacional (redenominada Lundin Mining, por força dos negócios bolsistas), em Novembro de 2008, e à venda da empresa que detém a concessão mineira ao Grupo MTO, dos irmãos Martins, parceiro da Mota-Engil na Martifer - tudo tem ficado no segredo de que os negócios se alimentam. Mais de uma vez, a retoma da extracção de minério foi prometida e até foi anunciada, pelo próprio primeiro-ministro e pelo seu ex-ministro Pinho, com prazos nunca cumpridos.
O Grupo MTO já mudou de nome para I'M; a Pirites Alentejanas foi rebaptizada de Almina; foi criada uma nova empresa, a EPDM...
Os mineiros, através do seu sindicato e da Comissão de Trabalhadores, têm persistido em averiguar, na empresa e no Ministério da Economia, aquilo que desde sempre representa a preocupação maior: quando se vai iniciar a extracção de minério, quais as condições de admissão de pessoal e com que vínculo contratual, quando se iniciam as acções de formação, quando é feita a actualização salarial.
Foram deixar estas perguntas, mais uma vez, ao cuidado do ministro, Vieira da Silva, no dia 3 de Fevereiro. Passada uma semana, em comunicado aos trabalhadores, a CT da Almina explicou que o Ministério assumiu o compromisso de responder «dentro de pouco tempo»...
Ficou, entretanto, a saber-se que as empresas do Grupo I'M em Aljustrel obtiveram a aprovação do Governo para projectos de investimento num total de 136,8 milhões de euros. O secretário de Estado da Indústria, Fernando Medina, assinou dois despachos, publicados a 14 de Janeiro, e neste mesmo dia o deputado do PCP pelo distrito de Beja requereu ao Governo cópias dos despachos precedentes, de 7 de Outubro, bem como das minutas dos contratos de investimento e respectivos anexos.
A 6 de Janeiro, José Soeiro já tinha requerido os contratos de venda e de concessões relacionados com a Pirites Alentejanas e a Somincor (em Neves Corvo, Castro Verde, que permanece na Lundin Mining), invocando eloquentes declarações do ministro dos Assuntos Parlamentares e de um dos vice-presidentes da bancada do PS, no debate sobre transparência, suscitado pelo PCP, em Dezembro.
Ainda não chegaram respostas, nem aos mineiros, nem ao deputado do PCP.

http://www.avante.pt/noticia.asp?id=32570&area=4

1 comentário:

Anónimo disse...

Ve lá se pagao o que devem !

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