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08/11/2009

O preconceito contra os imigrantes ainda é lei entre os portugueses

Clara Viana

A primeira vez que aconteceu foi na escola. "Preta!" Houve outras vezes, mas para Nádia, de 18 anos, filha de pais cabo-verdianos, nascida no concelho de Cascais, aquela foi a que mais se assemelhou a uma bofetada - catapultou-a para o mundo dos "diferentes". Ela não esqueceu, embora admita que as coisas entretanto melhoraram.

Desde a altura em que os pais de Nádia chegaram a Portugal, o número de imigrantes passou de menos de 50 mil para 420 mil. Eles passaram de, certo modo, a fazer parte da "normalidade". Mas Nádia desconfia que ainda não seja bem assim: "Quando temos amigos brancos, há pais que dizem logo que somos uma má influência. Como se fôssemos um vírus".

As atitudes prevalecentes entre os portugueses não reflectem o investimento institucional que tem sido feito no acolhimento de imigrantes, admite ao PÚBLICO a investigadora Verónica Policarpo, uma das autoras de um estudo da Universidade Católica sobre as representações que a população nacional tem dos estrangeiros que residem por cá.

Esta dissonância ajudará a explicar o fosso que parece existir entre a experiência de Nádia e a distinção feita a Portugal no mês passado. Seja no que respeita às possibilidades de regularização dos imigrantes, como às condições de acesso destes aos cuidados de saúde e à assistência social, que é garantido também aos que se encontram em situação ilegal, foi considerado pelas Nações Unidas como o "mais generoso" em matéria de políticas de integração de imigrantes entre 42 países.

Falta agora avaliar a sua implementação, e esta, sim, poderá depender, em parte, do que vai na cabeça de muitos portugueses. O preconceito, sobretudo contra os africanos e os ilegais, figura entre os obstáculos já identificados ao cumprimento da lei no que respeita, por exemplo, ao acesso dos imigrantes aos cuidados de saúde (ver texto nestas páginas).

"Atitudes contraditórias"

Verónica Policarpo fala de "atitudes contraditórias". A percentagem de portugueses que considera os imigrantes "fundamentais para a vida económica do país" ultrapassou a daqueles que consideram o contrário; o mesmo se passou no que respeita aos que reconhecem que os imigrantes não recebem mais do Estado do que aquilo que dão.

Mas, em simultâneo, mais de metade dos portugueses mostrou-se seguro de que o número de imigrantes deve diminuir. Só seis por cento defendeu o contrário. Estes valores mostram que existe, de facto, uma "resistência à imigração", frisa.

"Há uma norma social que é cada vez mais forte e entra em cada vez mais contextos sociais que diz que é errado discriminar em função da cor da pele ou da origem das pessoas. Esta norma leva à inibição da manifestação aberta do preconceito, através de actos racistas, violência xenófoba, etc., mas não impede o seu desenvolvimento e manutenção", alerta o psicólogo social João António.

O que também se comprova nesta característica nacional evidenciada no estudo da UC. "Mais racistas" e "menos racistas" aproximam-se nas suas posições quando é dada a estes últimos "uma desculpa "politicamente correcta" para justificar a resistência aos imigrantes", revela Verónica Policarpo: "Aceita-se a presença de imigrantes mas só em determinadas condições, se tiverem trabalho, se não tiverem cometido nenhum tipo de crime, o que revela uma diferenciação em relação à posição assumida face aos nacionais".

Africanos mais prejudicados

Entre os que partem e os que entram - somos ainda mais um país de emigrantes (mais de um milhão) do que de imigrantes -, Portugal continua de certo modo refém do país fechado que foi. "Quando conhecemos, somos acolhedores. Antes é que há um problema. Somos um povo tímido, desconfiado, que reage de forma fechada ao que não conhece", descreve a alta comissária para a Imigração, que defende por isso a disseminação da mediação intercultural, a ser desenvolvida sobretudo por imigrantes ou seus descendentes, formados para o efeito: "É um método muito eficaz para a construção de pontes entre várias comunidades e culturas".

Nádia continua à espera. Há tempos, a professora de Inglês disse-lhes o mesmo que a avó branca de Obama lhe disse a ele: "Que não era por mal, que era a ideia que a sociedade fazia de nós. Confessou que ela própria não se sentia à vontade quando se cruzava com um grupo de negros".

Na verdade, os imigrantes africanos são aqueles que os portugueses vêem com piores olhos. "A cor da pele, mais do que a nacionalidade, é o verdadeiro passaporte para a discriminação", constata João António. Associações confirmadas pelo estudo da Universidade Católica: "Os brasileiros tendem a ser vistos como os mais simpáticos e os Europa de Leste como os mais competentes e rectos, ao passo que os africanos são tidos com os menos competentes e os menos rectos". Os africanos são também aqueles que os portugueses mais associam à violência. Neste xadrez, há um lugar para cada grupo. Os brasileiros aparecem associados à prostituição, os cidadãos de Leste ao crime organizado e os africanos, para lá da violência, ao tráfico de droga.

Também em Portugal existe uma associação maioritária entre imigração e o aumento da criminalidade. Rosário Farmhouse aponta o dedo aos media: "O modo como são feitas e transmitidas certas notícias potencia esta atitude", justifica a alta comissária: "A criminalidade não está de modo nenhum ligada à nacionalidade, mas sim às condições e às opções de vida das pessoas".

Lucinda Fonseca, investigadora na área da imigração e responsável pelo Centro de Estudos Geográficos da Faculdade de Letras de Lisboa, chama a atenção para outro risco: apesar dos progressos registados, os imigrantes continuam a correr "um risco muito maior de exclusão social e têm piores condições de vida" do que os nacionais. Continuam a ser empurrados para periferias isoladas e degradadas, que depressa se transformam em verdadeiros guetos. Milhares continuam a viver em barracas e, para muitos dos que foram realojados, a morada permanece um factor de exclusão, constata a investigadora, que aponta uma meta: "As políticas habitacionais têm de estar mais centradas nas pessoas e menos no cimento".

Público.pt - 08.11.09

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