À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.

13/11/2009

Corrupção: "emprego" de alguns, desemprego de muitos

Carlos Pimenta

1. Os carteiristas eram muito exigentes na formação profissional. Na sua escola de especialização penduravam manequins de alfaiate no tecto, vestiam-nos com um casaco, com uma carteira no bolso interior. Eram considerados aptos para a profissão quando conseguiam apropriarem-se da carteira sem que mexesse o fio que suportava os manequins. Uma verdadeira arte.

Os corruptores e os corruptos provavelmente não têm necessidade de tal formação, porque ela seria longa e porque os cursos universitários de muitos já lhes deram suficiente traquejo nas artes de bem lidar com a economia e esgrimir a legislação. No entanto não será difícil de admitir a sua necessidade, como o faz Paulo Morgado, no seu livro (Contos de Colarinho Branco, Dom Quixote): aprenderiam que a corrupção é um acto de esperteza e que há formas de corrupção dificilmente condenáveis pela lei e outras que não tem condenação associada; analisariam as tomadas de decisão enquanto caminhos alternativos para a obtenção de um fim (um verdadeiro problema económico); esmiuçariam como encontrar os possíveis corruptos e como pagar-lhes sem deixar rasto. Tudo isto sem nunca esquecerem a máxima: "um corrupto deve guardar silêncio".

Duas profissões com impactos diferentes. Os primeiros são comparáveis a um esvoaçar de pardal comparados com a tempestade que os segundos provocam. Contudo quando nos roubam a carteira sentimo-nos indignados, revoltados: fomos roubados. Quando sabemos de um acto de corrupção consideramos frequentemente que não é nada connosco, é com eles, corruptor e corrupto.

Será mesmo assim? A corrupção, tanto em instituições privadas como públicas, é um crime sem vítimas?

2. Os estudos sobre os impactos da corrupção são muitos e peremptórios nas suas análises. Eles mostram, por exemplo, que

· um aumento da corrupção diminui a importância do investimento no produto nacional, diminui o crescimento económico;

· a existência de muita corrupção torna o país menos atractivo para o investimento estrangeiro;

· a corrupção afecta a competitividade das exportações, aumentando a diferença entre exportações e importações, conduzindo ao agravamento da dívida externa, à fuga dos nossos recursos para o estrangeiro;

· a corrupção diminui a qualidade do investimento público; em particular, nas infra-estruturas;

· a corrupção influencia negativamente o rendimento médio por pessoa, ao mesmo tempo que agrava as desigualdades na distribuição do rendimento;

· desvia recursos que deveriam ser utilizados no crescimento económico, logo no combate ao desemprego, e no bem estar das populações;

· quanto pior é a posição do país na lista da Transparência Internacional (Portugal estava 25º lugar em 2001 e está em 32º em 2008, logo mais afastado dos menos corruptos) pior é a sua posição no Índice de Desenvolvimento Humano (que mede o desenvolvimento nas condições de saúde, na educação e nos rendimentos usufruídos pelos cidadãos);

· mais corrupção equivale a serviços governamentais menos eficientes e pior qualidade dos serviços de saúde;

· a corrupção diminui as despesas governamentais em educação;

· a corrupção promove a fuga ao fisco (o corruptor falseia a contas para encher os "sacos azuis" e para encobrir riqueza; as empresas offshore são vias de pagamento; as empresas subornadas vão vender por preços mais baixos e ter menos lucros, logo as receitas governamentais diminuem;

· a corrupção aumenta a poluição, porque reduz a efectividade da regulamentação ambiental, e limita o sucesso de projectos de manutenção da biodiversidade;

· a corrupção está relacionada com o aumento da criminalidade;

Nada disto tem a ver com cada um de nós?

Vivermos num país com mais desemprego, com menores salários e mais desigualdade na distribuição do rendimento, com impostos mais altos, com piores cuidados de saúde e de ensino e outros serviços públicos, com mais poluição, com taxas de juros mais altas, não é nada connosco?

Cada grama de sucata negociada através da corrupção é um crime contra o seu e o meu bem-estar.

3. Quando elege um deputado é para ele representá-lo ou para fazer favores aos seus clientes e amos? Quando apoia um partido político ou um Presidente da República é para ele pagar durante a governação favores recebidos durante a campanha eleitoral? Quando se constitui um governo dito do povo (essa entidade mítica que só é lembrada nos períodos eleitorais) é para os ministros utilizarem o dinheiro dos contribuintes para garantirem empregos quando saírem do governo?

Certamente que não.

Amamos a democracia e esta é enfraquecida em cada corrupção concretizada.

4. Falamos hoje em corrupção porque a "Face Oculta" está em todos os noticiários. Mas já falámos no assunto em crónicas anteriores (por exemplo na crónica nº 15, "A Corrupção e os Portugueses", em 29 de Abril deste ano) porque ela continua a existir mesmo quando não se fala dela.

Continuaremos a falar porque somos um "país de corruptos" apesar de quase todos os portugueses serem honestos.

Continuaremos a falar enquanto as leis não forem mais operacionais, os julgamentos mais céleres e as condenações dos corruptores e corrompidos exemplares.

Continuaremos a falar enquanto o poder executivo continuar a influenciar perniciosamente o poder judicial e as investigações de apuramento do crime.

Continuaremos a falar enquanto os portugueses forem tão condescendentes com quem lhes espeta facas nas costas.

As corrupções, em particular, e a fraude, em geral, são contagiosas. Tanto quanto a gripe. Com efeitos a longo prazo mais perniciosos para a sociedade e todos nós do que a doença.

Visão - 12.11.09

Sem comentários:

Related Posts with Thumbnails