À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.

09/10/2009

Duas faces da moeda

Francisco Silva

Relendo em O Capital(1) a secção sobre a produção de mais valia relativa dei comigo a remoer em assunto que me persegue há tempos: o papel da minha profissão de décadas, a profissão de engenheiro durante a cavalgada do capitalismo, nomeadamente a partir da sua entrada na fase da grande indústria, e em particular na viragem do século XIX para o século XX.
Foi o tempo em que F. W. Taylor - um engenheiro famoso, operário que tirou seu curso de engenharia mecânica à noite - teve uma participação relevante no crescer da eficiência dos processos fabris através do desenvolvimento por si realizado da organização científica do trabalho. Dedicou-se ao aumento da força produtiva dos operários: um a um enquanto peças individuais nos seus lugares de trabalho e, simultaneamente, através da sua combinação e articulação enquanto «operários colectivos» das fábricas, apontando prioritariamente, e com êxito assinalável, para reduções, quer em tarefas parciais quer ao nível de processos totais, do tempo de fabrico dos produtos.
Há funções da engenharia de diversos tipos, bem entendido. Não se confinam á melhoria e à inovação de processos de fabrico, que foram os alvos principais e praticamente exclusivos do engenheiro Taylor. De facto, os engenheiros até sempre foram mais conhecidos - então num País deficientemente industrializado como o nosso - na sua vertente de projectar e «construir» coisas para o usufruto directo da generalidade das pessoas na sua vida, para além dos seus trabalhos nas fábricas. Por exemplo: os engenheiros civis «fazendo», pontes, estradas, campos de futebol; os engenheiros mecânicos «fazendo» navios, aviões, automóveis; os engenheiros de telecomunicações e informática «fazendo» computadores, telefones, telemóveis, modems; os químicos nas áreas dos combustíveis, dos remédios, dos adubos; etc. Também se tem a ideia de que os engenheiros são apropriados para o desempenho de funções técnico-comerciais e de manutenção e de equipamentos de complexidade elevada, etc. Sei que estou a não mencionar muitos outros importantes, mas estes que referi já permitem uma visão importante da questão.
Na generalidade das suas actividades os engenheiros foram trabalhando num sentido que pode ser visto como progressivo. Quer através do aumento de «produtividade» social conseguida à custa da de inovar e inovar os processos de fabrico, inclusive passando a novas fases de mecanização mais especificamente caracterizadas como automatização/automação - apontando para a diminuição dos custos dos meios de vida e mesmo para uma «libertação» da força de trabalho de tarefas pesadas e repetitivas. Quer através de novas infra-estruturas, novos meios de comunicação, novos bens e serviços, no conjunto contribuindo tanto para aumentos de produtividade como para o seu uso social e individual por mais e mais pessoas.
No entanto, a verdade é que estes progressos têm esta face mas têm também a outra, em termos de valor, que é a dos aumentos enormes, de escala, conseguidos em termos de mais valia relativa, de «produtividade», sugados, esses aumentos, na sua esmagadora percentagem, pelo Capital. Hoje nem sequer os ganhos conseguidos em termos de trabalho estão assegurados, cada vez que são mais contestados. O que está a ser conseguido são aumentos, com altos e baixos, é certo, de desemprego!
Além disso, em tempos recentes têm também sido chamados engenheiros, por estranho que possa parecer a quem está longe da problemática, para o desempenho das mais elevadas funções na área financeira de importantes empresas. Pois. A chamada «engenharia» financeira implica formação e conhecimentos do tipo próprio da engenharia, nomeadamente numa época em que se tem como objectivo secar as organizações em termos não só de custos de força de trabalho, mas em termos de adiamentos de investimentos, com cortes de qualidade «aceitáveis» - até onde se pode ir no seu «emagrecimento», e a empresa, mesmo aos trambolhões, ainda continuar a funcionar, ainda a poder fabricar os seus bens e/ou a prestar os seus serviços de um modo minimamente regular de um ponto vista de um mercado de oferta «concorrencial»?!
Na verdade os engenheiros, com a sua actividade, têm logrado imensos avanços de processos, infra-estruturas, bens, serviços, os quais, em boa medida, também vão ricocheteando contra os trabalhadores e os povos.
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(1) Livro Primeiro: «O Processo de Produção do capital» - Quarta secção: «A produção de mais valia relativa» (Tomo II da edição portuguesa da Editorial Avante).

Avante - 08.10.09

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