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27/05/2009

A corrupção e os portugueses

Carlos Pimenta

1. De todas as formas de fraude, a corrupção é a mais abordada nos noticiários, a mais sentida pelos cidadãos, provavelmente a mais estudada. As informações quantificadas internacionais confirmam que é uma das mais frequentemente detectadas tendo um elevado custo mediano (cerca de meio milhão de dólares nos EUA).

O que cada um de nós entende por corrupção (assumido espontaneamente, sem uma reflexão precisa e uma crítica das evidências), provavelmente capta apenas uma parte daquela realidade complexa. Admitindo que os comportamentos éticos são, ainda, o "normal" nas sociedades organizadas, "a corrupção é uma prática ou comportamento desviante" que será diferente conforme se tome como coordenadas de referência as normas legais, as normas éticas, as práticas económicas equitativas, a aceitabilidade social, a cidadania partilhada, ou outra. Frequentemente associada à ideia de que "o poder corrompe", surge, para muitos, como específico das instituições públicas, mas esse mesmo comportamento desviante também surge nas instituições privadas.

Abarca o suborno (doação/recepção a priori para influenciar um acto), as gratificações ilegais (similar ao anterior, mas a posteriori, como recompensa), a extorsão (exigência indevida de uma pagamento para a realização de um acto), e o "conflito de interesses" (realização de um acto prejudicial à instituição a que pertence para obter vantagens noutra a que, inconfessadamente, está associado). Habitualmente considera-se que as fases do acto de corrupção se verificam em momentos próximos (ex. pedido, seguido de favor, seguido de pagamento), mas as "portas giratórias" entre as instituições políticas e as empresas (passagens de indivíduos de umas para as outras, ora num sentido, ora noutro) podem criar hiatos de anos entre os favores e os pagamentos. Também os conluios, as barreiras nacionais à investigação policial, as famigeradas offshores, as redes internacionais de "cidadãos acima de qualquer suspeita", as organizações secretas e o crime económico organizado proliferam as ramificações ora subterrâneas ora legais, e o branqueamento de capitais.

Não é mais aceitável considerar a corrupção como uma "criminalidade sem vítima". Ela atinge o "cidadão-contribuinte", o "cidadão-consumidor", o "cidadão-ecológico", o "cidadão-democrata", enfim, o cidadão. A corrupção está associada à criminalidade transnacional. Todas as "actividades sombra" ilegais (do tráfico de armas à droga, do contrabando à prostituição, por exemplo) exigem a corrupção para existirem e expandirem-se.

A Suíça é um dos cinco países que tem um índice de percepção de (não) corrupção igual ou superior a nove, mas mesmo assim um investigador (Phlippe Lévi) refere a grande dificuldade em a debelar nesse país: "as empresas hesitam em assumir medidas anti-corrupção porque receiam - com razão, como o demonstram várias situações - perder negócios em favor de concorrentes menos escrupulosos". Segundo algumas opiniões a diferença entre os diversos países é mais de forma de operar do que de nível de corrupção.

2. Um antigo técnico da IBM (Hofstede) criou cinco indicadores quantificados de "psicologia social" utilizáveis para estudar semelhanças e diferenças entre países, para interpretar comportamentos económicos e sociais. Diversos estudos mostram que um maior índice de não-aceitação do risco é favorável à incerteza e à ambiguidade e Portugal têm-no elevado. Simultaneamente um menor nível de individualismo favorece a corrupção e Portugal têm-no muito baixo.

A corrupção prolifera. É um imperativo científico e político estudá-la no nosso País.

Hoje esse trabalho está muito facilitado. O livro recentemente publicado A corrupção e os Portugueses: Atitudes - Práticas - Valores, coordenado e organizado por Luís de Sousa e João Triães, fornece-nos uma análise muito rigorosa sobre as percepções sociais da corrupção, sobre a relação desta com a democracia em Portugal.

Resultado de alguns anos de trabalho, estamos perante um estudo muito preciso e rigoroso, com uma metodologia científica sistematicamente exercida e reflectida, com uma quantificação criteriosamente aplicada que nos permite compreender muito melhor a realidade nacional e local a que cada um de nós pertence.

Tantas são as informações contidas neste livro, tantas são as reflexões que nos proporciona, tantos são os desafios que nos lança, que seria uma incompreensível ousadia nossa apresentarmos aqui qualquer síntese.

Leiam-no, por favor, porque é um livro fundamental para todo o cidadão.

Antes de o lermos somos culturalmente muito mais pobres.

Visão.pt - 29.04.09

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